Deslocando-se para servir deslocados
Ir para o outro lado do mundo servir as pessoas já é um chamado desafiador. Imagina só ir para servir pessoas que não são de lá, verdadeiras missões transculturais em todos os sentidos. Karis Andrea fez isto. Ela deixou o Brasil e foi trabalhar no Sudeste da Ásia com refugiados e deslocados, especialmente as crianças, gente que deixou sua nação por diversos motivos e busca abrigo em outro lugar.
A distância entre uma brasileira e refugiados na Ásia pode parecer grande, mas a identidade de “deslocados” e, especialmente, o chamado fazem a ponte entre ambos para que o amor de Deus acolha essas pessoas. Karis Andrea compartilhou sobre seu trabalho com o blog Caminhos da Missão, confira a entrevista:
Qual é o trabalho que você tem desenvolvido?
Trabalho com pessoas sem localidade, pessoas deslocadas, especialmente pedindo refúgio para ONU por terem fugido de perseguição religiosa em seus países de origem. Faço acompanhamento pastoral para as famílias e facilitação de programas informais de educação para crianças sem acesso à escola.
Por que ir para a Ásia para trabalhar com refugiados?
Vim para Ásia trabalhar com povos não alcançados servindo através de Proteção à Criança numa região do mundo com um dos maiores números de crianças vítimas de tráfico humano. Depois de morar um ano aqui, conheci a situação das crianças refugiadas. Foi quando eu estava orando a Deus se deveria permanecer mais um ano ou voltar ao Brasil, e percebi natural e claramente Deus me guiando para ficar. Sou apaixonada por povos não alcançados. Pelo desafio de compartilhar o Amor com quem ainda não ouviu. E, paralelo a isso, tenho a paixão de servir à igreja perseguida e crianças que sofrem. Esses chamados primeiro foram respondidos através da oração. Passei anos orando e nem pensava que viria até aqui. Mas graciosamente houve um tempo que o Pai me convidou a não apenas orar, como vir!
Quando você decidiu trabalhar com missões transculturais, você pensava no país ou já pensava no grupo (refugiados)?
Quando decidi, eu sabia que era Ásia e com pouco tempo de oração e pesquisa entendi que era o Sudeste da Ásia. Lugar que amo! E sempre soube que era com as crianças. Mas também com os vulneráveis, os que sofrem, as mulheres e meninas. Sei que Deus guia a minha vida para esses grupos.
Quais as dificuldades mais constantes de trabalhar com este grupo?
Particularmente é um grande desafio trabalhar com refugiados. É uma agenda de Deus para esse tempo da história. Porém, há muita vulnerabilidade, eles estão totalmente desprovidos, falando uma nova língua, em um novo país. Muito carentes de afeto e de quem se importe com eles, quem os acolha e atue com “advocacy” defendendo a causa deles.
Você vivenciou ou presenciou alguma história que te fez encher de esperança?
Sim!! É um trabalho difícil, mas há muita esperança, que o próprio Deus planta. Eles são cheios de fé e esperança no meio de tanto desespero! Uma adolescente congolesa de 17 anos de idade chegou aqui só falando francês e fez um curso de inglês com a ONU. Logo depois, foi estudar numa escola do governo onde apenas falavam thai. Durante três meses ela não sabia nada, nem sequer como perguntar onde era o banheiro. Durante seis meses ela não entendia nada do que os professores ou colegas falavam, e durante um ano ela não podia escrever ou ler thai. Mas no segundo ano, ela já era apta e hoje é fluente em tailandês, uma das línguas mais difíceis do mundo, assim como fluente em inglês. Ela e a família tem uma resiliência e fé que poucas vezes vi. Neste momento, essa mocinha está dando aula de inglês por Skype para amigos meus (no Brasil – uma maneira de contribuir financeiramente com ela) e me ensina tailandês informalmente também. Já vivenciei milagres de Deus abrir portas para uma outra família congolesa ir embora quando a mãe estava prestes a morrer, muito doente. Foi um milagre de Deus. Tenho histórias bonitas no meu coração que nos enchem de esperança, de resiliência para essas pessoas, essas crianças! O nome do nosso projeto é “Graça na Vulnerabilidade”. Há muita graça na vulnerabilidade!!
Quais as maiores necessidades desse grupo?
Eles não podem trabalhar aqui no país, são ilegais. Não tem dinheiro para pagar aluguel, vivem de total doação, incluindo alimentos. Algumas crianças conseguem ir para a escola ou ter acesso à educação, mas a maioria não. Temos pessoas presas no Centro de Detenção dos Imigrantes. Eles são inclusive cristãos e líderes das igrejas cristãs nos países de origem. Uma situação muito pesada, muito triste. Eles não estão numa fase de readaptação da vida, estão numa fase de transição, porém sem saber quanto tempo e se a outra fase chegará.
Ser estrangeira aí te ajuda a conectar com os refugiados de alguma forma?
Sim, ser estrangeira, ter vivido alguns sentimentos comuns a quem está fora de sua pátria, onde facilmente tudo é estranho, diferente, inclusive ter que falar outra língua que não é a minha, assim como eles, contribui para a conexão, empatia, para que eu saiba um pouquinho o que sentem e para que eles tenham confiança em mim. Não é o principal, acredito que uma pessoa nacional (nativa), assim como os estrangeiros que não passam em grande escala o desafio da vida fora, possam se conectar bem com eles também, pois o chamado de Deus é que deve ser o primeiro propulsor para essa conexão. Mas minha história de “displaced person” (“pessoa deslocada”, em inglês) ajuda, sim, na conexão com essas outras “displaced persons”.
Como você se conecta com eles?
Visito suas casas, como com eles suas comidas (preparadas por eles quando vou visitá-los), visito o presídio toda semana, oferecemos estudo bíblico, oração, aconselhamento. Abraço, sorrio, ouço com atenção. Frequentamos a igreja juntos, apresento meus amigos e às vezes levo amigos em suas casas (com autorização) para que possam ter novos amigos, falar de outras histórias, ver que tem gente que se importa com eles. Eles usam internet e comunicamos por aplicativos e redes sociais para falar também durante os outros dias da semana. A igreja oferece alguns passeios e doações, tivemos uma oficina de música para as crianças. No Natal, oferecemos um almoço com comida boa, fruto de ofertas do Brasil!
Quais as maiores necessidades de oração que você e o grupo com o qual você trabalha têm?
Oração por graça, sabedoria, resiliência. Que eles se sintam amados e percebam o valor que têm. Por suprimentos através de doações e oportunidades para que eles estudem e produzam algo do seu próprio trabalho (informal, como por exemplo cozinhar comida de seus países para vender) para que se sintam úteis, produtivos, e que Deus abra as portas para que consigam o que precisam especialmente para pagar o aluguel. Para que cada pessoa possa sentir paz, amor e cuidado de Deus apesar da situação inóspita que passa neste momento. E para que Deus use nossa vida como mensageiros.