Fotografar é desenhar com a luz
ENTREVISTA COM MARCO ZUCHI
Nascido em Juiz de Fora, o mineiro Marco Aurélio Zuchi da Conceição é cientista político por formação, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e mestre em Comunicação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Paralelamente à sua profissão, Marco alimenta a paixão pela fotografia. Seu trabalho de maior destaque é o livro “Poeira e Porteira”, uma obra que registra 60 dias de andanças do fotógrafo pelo chão do interior de Minas Gerais.
A imagem do topo da seção “Arte e Cultura” da revista Ultimato, edição 364, é a foto da capa do livro de Zuchi. Em entrevista à Ultimato, ele conta um pouco da sua trajetória no campo da fotografia, o diálogo entre sua fé e sua arte e confidencia um sonho. Confira:
Fale um pouco sobre a concepção da foto que você escolheu para o topo da seção “Arte e Cultura”:
Zuchi – Esta foto foi tirada no Vale do Jequitinhonha. Num primeiro momento o que me chamou muita atenção foi a força da árvore e suas ranhuras, e como ela emoldurava a porteira de forma natural. Gosto muito da luz sobre esta foto; dá a ela uma áurea especial e uma textura que remete ao título do meu livro “Poeira e Porteira”. O cachorro veio dar a singeleza que a foto precisava, e me remete a cadela Baleia descrita em Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
Como você iniciou no mundo da fotografia?
Zuchi – Comecei a fotografar de forma despretensiosa e amadora; comprei minha primeira máquina e me arrisquei neste universo. Quanto mais fotografava, mais me interessava pela fotografia e mais me identificava com ela. Comecei a fazer meus primeiros cursos e mergulhei na literatura sobre o tema. A fotografia, para quem quer aprender, é um terreno fértil e nos leva a um aprimoramento constante. Assim, comecei a querer sempre um pouco mais dela e fui dando meus passos; um de cada vez. Consegui realizar minhas primeiras exposições e participar de projetos de lei de incentivo artístico que me ajudaram nestes primeiros passos. Meu tema principal sempre foi o homem mineiro, suas histórias, seu cotidiano e as surpresas que as montanhas mineiras sempre me reservaram. Destas minhas andanças fotográficas pelo interior de Minas, vislumbrei a possibilidade de realizar um trabalho mais completo sobre o tema; foi quando nasceu a ideia do Livro Poeira e Porteira. Assim eu iniciei no mundo da fotografia; de forma sempre despretensiosa, trazendo esta paixão para meu dia a dia, onde, mesmo não atuando profissionalmente, sempre busquei aprimorar o meu fazer fotográfico.
O que você gosta de fotografar e por quê?
Zuchi – A fotografia é a minha escrita, na verdade, busco nas minhas imagens descrever um pouco de mim, e do que estou sentindo naquele momento. Assim, o outro, o seu cotidiano, seus problemas, suas alegrias, suas tristezas, suas histórias são a matéria prima do meu fazer fotográfico. O que mais me interessa num primeiro momento quando saio para fotografar é mergulhar neste universo, neste diálogo com meu objeto fotográfico. A imagem vem depois, flui de forma bem natural, e vem para eternizar e tornar impresso aquilo que estou vivendo naquele momento. Meu fazer fotográfico se mistura um pouco com o trabalho antropológico fruto das influências da minha formação como Cientista Social. Tentar entender o homem e sua incursão no mundo é meu tema favorito e a fotografia é meu grande pretexto para conhecer suas particularidades e dialogar com ele e, assim, aprender com seus erros e acertos. Assim, eu gosto de dizer que o bom fotógrafo deve escutar primeiro, para que ele seja capaz de enxergar e não apenas ver.
De que forma sua arte reflete sua fé?
Zuchi – Gostaria de começar a responder esta pergunta com uma passagem bíblica: “No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: haja luz. E houve luz. E viu Deus que era boa a luz, e fez Deus separação entre a luz e as trevas” (Gênesis 1.1-4).
Assim, não existe fotografia sem luz; fotografar é desenhar com a luz. Não há possibilidade alguma de se fotografar nas trevas, pois, Deus separou a luz das trevas. Deus criou a luz e dessa forma possibilitou a fotografia.
Assim, Deus está presente em minhas imagens, seja colocando a luz sobre elas, trazendo as pessoas até mim, seja me surpreendendo pelo caminho, tocando meu coração de forma profunda, e me ensinando a enxergar e não a apenas ver. A fotografia reflete a minha fé, pois, quando saio para fotografar é com Ele que eu estou; a máquina fotográfica é um detalhe no pescoço nesta minha caminhada.
Qual sua percepção sobre o modo que os cristãos apreciam as artes, em especial a fotografia?
Zuchi – Acredito que a arte é um grande instrumento de evangelização. A arte toca as pessoas de uma forma impactante, íntima, profunda e particular; é como se a arte chegasse ao coração das pessoas de forma mais rápida, como alguém que conhece os atalhos para isto. É assim que acontece com aquele louvor que nos quebranta no culto; para mim, não é só música, é o mover de Deus através da arte. Outro exemplo é a contemplação de uma fotografia que muitas vezes nos faz refletir sobre nosso papel como cristão na sociedade; não é só uma imagem, é Deus tocando o coração daquela pessoa através daquele registro. Acredito que cabe uma discussão profunda no meio cristão sobre qual é a melhor forma de fazer da arte instrumento missionário e evangelizador, onde, cada artista deveria se comprometer e refletir sobre a centralidade de Cristo em todo trabalho artístico que se propõe a realizar.
Quais seus projetos profissionais futuros?
Zuchi – Eu não trabalho profissionalmente com a fotografia, exerço a função de professor, mas, confesso que seria uma grande realização pessoal poder conciliar esta paixão, que é fotografar, com o meu dia a dia profissional.
Quanto aos projetos fotográficos futuros, eu guardo comigo um sonho de um dia ser um fotógrafo de missões; registrar o trabalho missionário no Brasil e no mundo e transformá-lo em um registro documental e artístico que pudesse ter um alcance de evangelização. Este é um projeto que guardo na minha gaveta já há alguns bons anos, compartilhado com o saudoso Pastor Elben César em um de nossos encontros, e que revelo aqui no blog da Ultimato.
Você poderia indicar outros fotógrafos que você admira?
Zuchi – São vários os fotógrafos que admiro. Destacar algum poderia me levar a cometer uma injustiça com tantos outros, pois, o olhar de cada fotógrafo tem suas particularidades e nos levam a refletir sobre o objeto fotografado de uma forma única. Acredito que Henri Cartier-Bresson é um senso comum entre os fotógrafos e seu olhar realmente é especial. O Brasil é rico em fotógrafos brilhantes; poderia destacar alguns que admiro como Evandro Teixeira, Pedro Martinelli, Nair Benedicto, Rosa Gauditano, Sebastião Salgado dentre outros.
Veja a seguir a galeria com algumas fotos do livro Poeira e Porteira.