O papel profético da Igreja nas relações Igreja-Estado
Livro da Semana | A Igreja, o País e o Mundo
Os conflitos entre Estado e Igreja são inevitáveis; e a colaboração entre Igreja e Estado, uma necessidade possível de atender. É preciso discernimento para o modo de conflitar e o modo de colaborar. Por outro lado, nos debilitamos para a tarefa profética em virtude dos nossos próprios conflitos internos.
Todos os povos se organizam politicamente: um dos eixos da vida social é o poder. O poder se faz presente, também, na esfera privada (família, empresas, clubes etc.), mas é peculiar ao poder político o monopólio legal do uso da força: a coercibilidade. Para o cientista político francês Maurice Duverger, os povos viveram três etapas históricas quanto à forma de organização política: a) o poder difuso, dos povos primitivos; b) o poder personalizado, que vai desde as chefias tribais mais simples até o absolutismo monárquico da Idade Moderna; e c) o poder institucionalizado, representado contemporaneamente pelo Estado.
O Estado
Com a decadência do poder temporal do papa, o declínio do Sacro-Império Germânico-Romano e o fim da autoridade dos senhores feudais, o Estado emerge como o ator político principal dos últimos séculos, com suas características de: a) soberania: está acima de todos os poderes internos e é igual a todos os poderes externos (independência); b) governo: capacidade de autogestão de seus próprios negócios internos, ou capacidade de elaboração legal; c) população fixa de cidadãos, detentores de direitos e deveres legais; d) território delimitado por fronteiras internacionalmente reconhecidas.
Em um primeiro momento, o Estado chama a atenção por seus aspectos simbólicos: bandeira, hino, selo, representação diplomática etc. Em um segundo momento, chama a atenção para a diferença do peso de cada um no conjunto dos Estados: tamanho do território, tamanho da população, recursos naturais, tecnologia, poderio militar. Um terceiro aspecto diz respeito à estratificação da população (castas, classes, estamentos), ao controle sobre os bens da produção, seu acesso ao poder, à propriedade, à renda e ao saber. Um quarto aspecto inclui a dimensão legal/política dos sistemas de força do estado constitucional de direito, em que os súditos são substituídos pelos cidadãos.
Como há uma distribuição assimétrica da população na escala social, os Estados expressam em cada época, um pacto de dominação, em que os de baixo aceitam ser dominados pelos de cima, como se tal situação fosse do seu interesse. Isso ocorre em virtude da ideologia hegemônica, em que os de baixo pensam segundo as ideias dos de cima. Os pactos de dominação expressam a legitimação do poder político. Max Weber vê na história três processos de legitimação: a) tradicional; b) carismática; c) racional/legal, esta própria dos estados de direito.
O século XX viu ruir os grande impérios (incluídos impérios “cristãos”). Com o nacionalismo e o processo de descolonização, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, presenciamos a multiplicação do número de Estados até as centenas que hoje têm assento na Organização das Nações Unidas.
As diversas igrejas cristãs vivem dentro de fronteiras nacionais, e os cristãos são cidadãos dos vários Estados.
A Igreja e o Estado
Em seus 2 mil anos de história, a Igreja tem vivido uma diversidade de situações quanto à sua relação com o poder político: a) uma situação de minoria frágil e de escassa influência sob o poder imperial de Roma; b) uma relação de intimidade tutelada no cesaropapismo do Império Bizantino; c) uma relação de intimidade tutelante com o poder temporal do papa no Sacro- Império do Ocidente; d) uma relação de intimidade ambígua com os Estados confessionais (católicos, protestantes e ortodoxos) a partir da Idade Moderna; e) uma relação de minoria oprimida e, ou, discriminada sob Estados confessionais não-cristãos ou ateus; f) uma relação de influência declinante, como uma organização social entre várias, nos Estados não-confessionais secularizados.
Ao longo da nossa história, temos tido opções teocráticas, temos optado pela alienação e a não-influência, temos lutado por uma cidadania plena, temos sido martirizados, temos sido não levados a sério, temos tido de concorrer com outras correntes de opinião dentro da lógica do pluralismo.
A verdade é que a Igreja vive a tensão permanente entre a sua origem divina e a sua vivência humana histórica e que cada cristão é portador de passaportes de dois reinos. E o “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21) continua a ser um desafio para cada geração nos diversos contextos.
A Reforma nos legou uma tradição aristocrático-nacionalista com o luteranismo e o anglicanismo, uma tradição liberal-burguesa com o calvinismo e uma tradição reformista-revolucionária popular com o anabatismo.
Condutas diferentes são exigidas da Igreja, conforme seja ela uma maioria ou uma minoria, ou se vive em um Estado confessional cristão, um Estado confessional não-cristão ou um Estado laico.
Em todas as épocas, porém, se exige da Igreja uma teologia do poder político e uma ética social para interagir com esse poder, dentro de uma doutrina de mandato cultural, que procura promover os valores do reino de Deus, dentro de uma perspectiva mais ampla do que seja a sua missão.
Temos tido a tentação da cristandade, quando procuramos sacralizar certas ordens políticas como equivalentes ao reino. Temos tido a tentação da neocristandade, quando procuramos sacralizar ordens políticas alternativas (tanto milenarismos religiosos quanto utopias seculares) com o reino. Temos tido a tentação da subserviência, da covardia e do silêncio culposo diante de diversos poderes, sob o falso argumento da obediência ao que prescreve Romanos 13. Temos tido a tentação da indiferença diante da (des)ordem social do pecado, sob o argumento de que “nosso reino não é deste mundo”.
Problemas do Estado
A questão das nacionalidades.
É preciso saber que: a) há Estados integrados por uma só nacionalidade; b) há Estados formados por várias nacionalidades em distintos espaços regionais; c) há nacionalidades fragmentadas em vários espaços estatais; d) há nacionalidades que nunca conseguiram seus Estados; e) há Estados vivenciando distintos processos de integração multicultural.
As fronteiras de alguns Estados mais novos foram arbitrariamente delimitadas pelas antigas potências imperiais, desrespeitando-se as unidades étnicas e nacionais, subsistindo questões como tentativas de secessão e opressão de nações sobre outras dentro do mesmo Estado, ora estando a Igreja em ambos os lados, ora estando apenas de um dos lados, seja da nação opressora, seja da nação oprimida.
A questão dos direitos humanos.
A noção do estado de direito tem implicado atribuírem-se aos cidadãos direitos políticos, direitos sociais e direitos econômicos. Nos primeiros, estaria a igualdade perante a lei, o direito de votar e ser votado, de ter respeitada a integridade física, a liberdade de reunião e de opinião, entre outros. Na segunda, estaria o direito à educação, à saúde, à segurança, ao saneamento básico, ao transporte de massas etc. Entre as últimas, estaria o direito ao trabalho e a uma participação justa na produção e no usufruto da riqueza nacional.
A própria consciência desses direitos é, em muito, resultado da ação didática da Igreja, que torna possíveis sinais e antecipações do reino. Como atestado do pecado, esses direitos (no todo ou em algumas de suas partes) não têm sido atingidos ou são violados, até mesmo em Estados nominalmente de maioria cristã ou governados por políticos que confessam a fé cristã.
A questão da moralidade pública.
A ausência de valores morais é outro atestado do pecado na vida pública: a desonestidade, a corrupção, a mentira, a falta de transparência e de prestação de contas. Na vida social, presencia-se o aumento da prostituição (muitas vezes relacionada à pobreza), da violência urbana, do alcoolismo, da pornografia nas artes, do alto índice de divórcio, que são sinais preocupantes, que requerem respostas tanto em formas de políticas públicas adequadas quanto da voz profética da Igreja.
A questão do modo de produção.
Abandonando a forma comunitária de produção, a humanidade conheceu três sistemas econômicos fundados no princípio da desigualdade, da exclusão e da exploração: o escravismo, a servidão e o capitalismo. O tamanho da igreja, a composição social dos seus membros e sua relação com o poder político condicionaram a sua atuação, no conjunto ou entre os seus segmentos, em termos de apoio, condenação ou indiferença a esses sistemas.
No caso particular e mais recente do capitalismo, dois fatores inibiram tanto o resgate (ou a atualização) da rica herança cristã de condenação a esse sistema, quanto a sinalização de alternativas pertinentes. Tais fatores são: uma identificação histórica mais estreita e o predomínio, por algumas décadas, da alternativa de inspiração marxista (materialista e totalitária).
Encontramos, na atualidade, três posições proféticas em relação ao capitalismo: a) os profetas do capitalismo, representados, em especial, pela teologia da prosperidade, legitimando-o como o modelo mais condizente com o reino; b) os profetas no capitalismo, apenas críticos de seus sintomas e problemas, procurando reformá-lo, humanizá-lo ou cristianizá-lo (democratascristãos, sociais-democratas, liberais keynesianos); c) os profetas ao capitalismo, representados pelos que julgam que o fracasso circunstancial de um remédio inadequado ou de danosos efeitos colaterais (o comunismo) não transforma a enfermidade (o capitalismo) em sanidade, mas que a doença deve continuar sendo combatida, pesquisando-se novos remédios à luz da experiência acumulada. Os “de baixo” devem ser convertidos da aspiração ao domínio à causa da justiça, e os “de cima” devem se conscientizar do caráter transitório, dispensável e danoso de sua classe social, procurando não só humanizá-la de imediato, mas interceder e trabalhar por sua extinção.
Os problemas entre os Estados ou dentro dos Estados desafiam o reino de justiça, paz, liberdade, honestidade e amor.
Mudanças na pós-modernidade
As mudanças que ocorrem no cenário político são:
O enfraquecimento do Estado.
A formação de grandes blocos regionais (Comunidade Econômica Europeia, NAFTA, Tigres Asiáticos) e a expansão das empresas multinacionais, bem como o fortalecimento de entidades internacionais (FMI, Banco Mundial), além do capital especulativo sem fronteiras, têm resultado no enfraquecimento do Estado como ente político, restringindo ou limitando o próprio conceito de soberania.
Se há um enfraquecimento para fora, há, por outro lado, um enfraquecimento para dentro: o localismo, ou a busca do fortalecimento das regiões, províncias, municipalidades e comunidades.
A recorrência cultural.
O vazio deixado pela crise das utopias tem levado a uma tentativa de volta à pré-modernidade (tradição, ordem, autoridade), como resposta à insegurança provocada pelas mudanças rápidas e profundas. O nacionalismo exacerbado, o racismo, o extremismo religioso provocam conflitos entre os países ou dentro deles, ameaçando a paz e a segurança mundiais, a unidade nacional e as próprias conquistas do estado de direito.
No cenário religioso, têm-se as seguintes mudanças:
A revalorização do sagrado.
Fala-se em um “reencantamento” do mundo, uma “relegitimação” do sagrado. Deus e a religião estariam de volta e seriam, outra vez, levados a sério. Mas essa revalorização não se dá pela volta ao cristianismo histórico (no Ocidente) mas a um “mercado” competitivo de religiões, com especial ênfase no esoterismo e em espiritualidades místicas e subjetivistas, que resultem em paz interior e prosperidade pessoal.
O presente como futuro do passado.
O vazio das utopias rompe com a ideia de valores universais, caindo-se na diversidade cultural em si. O fanatismo ou extremismo religioso totalitário (inadequadamente denominado de fundamentalismo), com sua visão estática da história, seu dogmatismo, sua intolerância, rechaça a contribuição das ciências humanas. Presencia-se uma certa contrarrevolução cultural antiiluminista, em que a “idade de ouro” está em algum lugar do passado: um passado pré-urbano, pré-industrial e pré-democrático.
A pós-modernidade usa instrumentos da tecnologia moderna com conteúdo de ideias pré-modernas.
Pode-se exercer o papel profético da Igreja com a teologia da prosperidade, a teologia da dominação e a teologia da batalha espiritual?
Dever do profetismo
Uma igreja contextualizada, historicamente consciente, socialmente inserida e relevante responde à (des)ordem do pecado e às necessidades humanas de três maneiras: a) com a filantropia, ou obras de misericórdia diante das carências urgentes; b) com ações promocionais, ou projetos de desenvolvimento, visando a organização do povo para a realização de soluções permanentes para suas necessidades prioritárias (trabalho, moradia, saúde, segurança, transporte, saneamento básico); c) pela ação política, pela conscientização e mobilização social, pela ação direta ou indireta sobre as instituições do poder político, procurando alterar o desenho sócio-econômico do Estado na promoção do bem-comum. A ação profética é parte da ação política, da ação ética na polis.
Uma espiritualidade integral pressupõe adoração, reflexão e ação, sem se cair nos unilateralismos do misticismo, do academicismo ou do ativismo. A missão integral da Igreja inclui não somente a proclamação, o ensino, a comunhão e o serviço, mas, também, o profetismo e o compromisso com a vida.
Há uma ordem da criação perdida e uma ordem da restauração esperada, que inspiram e desafiam, como idealizações, a ação do povo de Deus na ordem histórica. A “cidade dos homens” deve se aproximar da “cidade de Deus” e se afastar da “cidade do diabo”.
O mandato cultural entregue à humanidade, de bem gerir o mundo, descumprido ou mal cumprido em razão do pecado, é retomado pelas alianças, primeiro com Israel e por fim com a Igreja.
Mas um profetismo que é denúncia e que é proposta pelo reino e para o reino no meio do mundo e em luta com o antirreino, que ultrapassa o mero espaço individual ou das microrrelações e abarca a totalidade da vida e da organização social. Profetismo que pressupõe os agentes humanos (individuais e coletivos) chamados e enviados, uma Palavra revelada e uma fonte de inspiração, iluminação e poder: o Espírito Santo. Profetismo que pressupõe mensagem, convicção, coragem e visão, em que os poderes são relativizados e os riscos do martírio sempre presentes.
A missão profética da Igreja encontra amplo respaldo nas Sagradas Escrituras e em escritos, pronunciamentos e episódios de sua história. O seu não-exercício, como podemos analisar em retrospectiva, tem significado uma desobediência ao seu mandato e uma mutilação em seu conteúdo missionário.
Ainda assim, amplas são as resistências a esse ministério, por parte de cristãos tímidos, temerosos ou privilegiados. A ação profética é sempre desinstaladora, questionadora e, ao absolutizar o reino, relativiza o status quo. Em uma sociedade capitalista, a instituição eclesiástica e os seus funcionários são mantidos, em grande parte, pelas contribuições do capital, que repassa uma parcela da acumulação social. Essa vinculação implica uma redução da capacidade crítica da Igreja. Nesse caso, os ministros não remunerados poderiam ter melhores condições para expressarem opiniões independentes.
Como demonstra a história de Israel, o profetismo tem, também, uma dimensão para dentro, para o interior do próprio espaço do povo da aliança, no exercício iluminado de constante autocrítica ou necessária discordância e sinalização de novos rumos.
O martírio dos profetas não tem sido sempre nas mãos de César. Somos herdeiros de uma história de inquisições, em que a intolerância à discordância parte dos domésticos da fé.
Profetas se sentem abandonados pelos seus irmãos quando obedecem à voz do Senhor, ou são vítimas de alianças espúrias entre tronos e altares.
A ausência de uma teologia do profetismo e o neo-herodianismo têm dificultado o exercício das vocações proféticas.
Modos proféticos
A atividade profética, em primeiro lugar, nasce de uma consciência interna na Igreja: a consciência da humanidade dos cristãos, a consciência dos nossos deveres de ética social e a consciência da ação responsável da cidadania como expressão de santidade. Isso pressupõe: a) uma tarefa didática: o ensino de todo conselho de Deus, todo conteúdo ético social das Sagradas Escrituras, relacionando-o com o nosso tempo e lugar, e o conhecimento da história política do cristianismo nas diversas épocas e regiões (autores, obras, pensamentos, exemplos e episódios); b) uma tarefa intercessória: a inclusão na agenda das orações pessoais, familiares e eclesiais dos assuntos políticos mais prementes.
A atividade profética, em segundo lugar, se volta para uma ação externa, que poder ser: a) de denúncia contra instituições, práticas, princípios e políticas públicas, que sejam aberrações ou imperfeições éticas, que entrem em conflito com os valores do reino de Deus ou fiquem aquém deles, trazendo danos para as pessoas, as comunidades e as nações; b) de propostas alternativas e substitutivas, sem entrar em detalhes técnicos ou opções ideológicas, mas que, em forma de contribuição e subsídio, sinalizem e ampliem horizontes, devolvendo esperanças.
Essas ações podem se dar: a) de forma institucional: reuniões, pronunciamentos, documentos, comissões oficiais das denominações, igrejas locais, missões, seminários, conselhos de pastores etc., que expressem o consenso, a convicção generalizada ou maioria expressiva dos seus membros sobre determinada questão; b) de forma individual: cristãos doutrinariamente instruídos e espiritualmente apoiados por seus pastores e comunidades, no exercício de suas lícitas vocações, que participem dos órgãos do governo, dos partidos políticos, dos sindicatos, dos movimentos sociais, de preferência junto com outros cristãos de opiniões assemelhadas, procurando encarnar, sempre que possível (respeitando-se as objeções de consciência), as orientações emanadas das instituições cristãs; c) de forma orgânica: por meio de movimentos, comitês e organizações, sem vínculos oficiais com as instituições eclesiásticas, mas que ultrapassem o individualismo e que aglutinem, de forma sistemática, cristãos da mesma opção ideológica, na promoção de temas específicos, como ecologia, direitos humanos, classe, região, etnia etc.
Entrevistas e publicações de documentos na mídia religiosa ou secular, passeatas, comícios, abaixo-assinados, visitas às autoridades, disseminação de boletins, cartazes externos, revistas, livros, são alguns dos canais lícitos que podem ser empregados, com competência, sensibilidade, senso de oportunidade e criatividade, para o exercício da ação profética da Igreja.
A tarefa pode, eventualmente, incluir a criação de “laboratórios sociais” ou projetos experimentais/didáticos de comunidades alternativas ou modos de produção alternativos (fazendas comunitárias, fábricas autogestionadas, por exemplo).
Vale ressaltar o papel das ciências humanas como auxílio instrumental para os profetas na compreensão e aplicação das Escrituras. O preconceito evangélico contra as ciências sociais é algo lamentável e que deve ser superado. As ideologias seculares podem ter, também, um valor instrumental, mas não devem ser absolutizadas. As utopias humanas, por melhores que sejam não podem, em razão das suas limitações, ser identificadas com a parousia, mas podem vir a se constituir em avanços possíveis e sinais antecipados do reino na história.
Em nossa atividade profética, deve-se manter atual o método proposto pela Ação Católica no pós-guerra: ver — julgar — agir.
Conclusão
O evangelicalismo tem deixado de ser o que deveria ser em essência — uma leitura da fé e um discurso sobre a fé do Evangelho —, para se tornar em uma subcultura, uma das “tribos” do multiculturalismo da pós-modernidade: uma das mais exóticas e das mais antiquadas. Temos deixado de propor, e nos tornamos apenas reativos ao secular e ao teologicamente liberal.
O nosso crescimento quantitativo nem sempre tem correspondido ao aumento do nosso impacto e influência na vida social. Não pode haver influência quando não se quer ou não se sabe o que influenciar e como fazê-lo. Uma séria inclusão do profetismo no conteúdo da nossa missão contribui para a consolidação da nossa própria identidade, pois não podemos nos contentar em sermos apenas a ala “moderada” ou “civilizada” do fundamentalismo.
A Igreja Reformada não somente deve constantemente se reformar, mas constantemente reformar. Entende-se a Igreja Reformada como uma comunidade da liberdade e uma agência de transformação histórica.
Os conflitos entre Estado e Igreja são inevitáveis; e a colaboração entre Igreja e Estado, uma necessidade possível de atender. É preciso discernimento para o modo de conflitar e o modo de colaborar. Por outro lado, nos debilitamos para a tarefa profética em virtude dos nossos próprios conflitos internos.
Oremos para que a Igreja seja uma comunidade de estadistas do reino de Deus.
O “princípio protestante”, como nos chamava a atenção Paulo Tillich, é de uma dupla vocação: criar sempre, questionar o criado sempre.
Na presente crise da civilização, com o esgotamento do ceticismo liberal e o risco da tentação reacionária, a história pode estar concedendo a palavra ao profetismo evangélico.
Que sejamos sensíveis, obedientes e competentes para interpretarmos o discurso do céu que faz sentido na terra.
• Trecho retirado do livro A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada, de Robinson Cavalcanti (Editora Ultimato).