[Livro da Semana]

Por N. T. Wright

Qual a diferença de perguntar: “Um cientista pode acreditar que a música de Schubert é bonita?”

 

Sem dúvida, é possível dar uma resposta curta e trivial para a pergunta “Um cientista pode acreditar na ressurreição?”, mais ou menos como o homem que, quando perguntado se acreditava no batismo de crianças, respondeu: “Claro! Eu já vi um!”.

Isso expõe um dos problemas com a expressão acreditar em: ela pode significar “crer que algo pode ser feito” ou “crer que algo deveria ser feito” ou inúmeras outras possibilidades. Portanto, alguém poderia simplesmente responder à pergunta “Um cientista pode acreditar na ressurreição?” desta forma: “Claro! Eu já vi um!”. Conheço muitos cientistas que, forte e declaradamente, acreditam na ressurreição, e alguns, de fato, deram um relato sólido e coerente do motivo de o fazerem. Eu os cumprimento, mas não pretendo abordar as diferentes formas pelas quais apresentaram seus argumentos.

Quero, em vez disso, examinar as discrepâncias – se essa é a palavra correta – entre as diferentes formas de conhecimento, principalmente entre o que podemos vagamente classificar como científico e histórico, e entre esses dois e aquelas outras formas de conhecimento que chamamos, muito livremente, de fé, esperança e amor.

Meu argumento, e você não se surpreenderá ao descobrir, é que essas formas de conhecimento se sobrepõem e se integram muito mais do que normalmente imaginamos.

Eu acredito

[…] Contudo, a pergunta, então, concentra-se na palavra acreditar – e aqui também há desafios a serem explorados. Platão declarou que a crença era uma espécie de conhecimento inferior, ficando entre saber e não saber, de modo que os objetos da crença possuíam uma ontologia intermediária, no meio do caminho entre a existência e a não existência. Esse modo de pensar manifestou-se no uso popular. Assim, quando dizemos: “Eu acredito que esteja chovendo”, estamos nos protegendo da possibilidade de estarmos errados; quando, porém, dizemos: “Eu sei que está chovendo”, estamos abertos à contradição direta. No entanto, esse uso chegou, nos últimos séculos, ao ponto em que, com um tipo de positivismo implícito, usamos saber e conhecer para o que julgamos poder provar de alguma forma e acreditar e seus cognatos para o que percebemos estar se degenerando em mera opinião pessoal, sem muito apoio no mundo mais amplo.

A afirmação cristã foi, desde o início, de que a ressurreição de Jesus não foi uma questão de estado mental interior e espiritual de seus seguidores alguns dias após sua crucificação, mas de algo que aconteceu no mundo público real, deixando entre suas lembranças físicas um túmulo vazio, um pão partido em Emaús e pegadas na areia à beira do lago. Além disso, deixou os seguidores de Cristo com uma série de explicações para dar, mas com uma visão de mundo completamente transformada cuja única explicação é a de que algo realmente aconteceu, mesmo que tenha expandido a visão de mundo deles a ponto de rompê-la. Falaremos mais sobre isso adiante. O que temos de fazer agora é examinar essa antiga afirmação cristã mais a fundo, perguntar o que pode ser dito historicamente sobre ela e investigar, principalmente, a que tipo de conhecimento ou crença estamos nos referindo quando perguntamos se um cientista pode acreditar naquilo à que, ao que parece, a palavra “ressurreição” realmente se refere.

Diferentes tipos de conhecimento

Para começar, algumas reflexões – na verdade, meditações sistemáticas – sobre os tipos de conhecimento. Imagino que quando perguntamos se um cientista pode acreditar em algo, estamos fazendo uma pergunta de dois níveis. O primeiro questiona que tipo de coisas o método científico pode explorar e como ele pode saber ou acreditar em algo. O segundo questiona que tipo de compromisso alguém dedicado ao conhecimento científico deve ter em todas as outras áreas da vida. Espera-se, por exemplo, que um cientista tenha uma abordagem científica para ouvir música? Para assistir a um jogo de futebol? Para se apaixonar?

Um cientista pode acreditar que a música de Schubert é bonita?

Penso que a questão pressupõe que a ressurreição – e talvez a ressurreição de Jesus, especificamente – seja algo que afete a área de interesse do cientista, mais ou menos como se alguém perguntasse: “Um cientista pode acreditar que o Sol pode nascer duas vezes no mesmo dia?” ou “Um cientista pode acreditar que uma mariposa pode voar até a Lua?”. (Eu realmente já vi o Sol se pôr duas vezes no mesmo dia; decolei de Aberdeen em uma tarde de inverno, pouco depois do pôr do Sol, e o Sol nasceu novamente à medida que subíamos e, pouco depois, se pôs gloriosamente, pela segunda vez. É claro que isso foi uma ilusão.) É diferente de perguntar: “Um cientista pode acreditar que a música de Schubert é bonita?” ou “Um cientista pode acreditar que sua esposa o ama?”. Há aqueles, sem dúvida, que, ao redefinirem a ressurreição com o intuito de transformá-la em uma simples experiência espiritual no íntimo do coração e da mente dos discípulos, levaram-na para as duas últimas e afastaram-na das duas primeiras. Todavia, rejeitamos esta hipótese pelo significado que, como veremos, todos os que usavam a palavra ressurreição no primeiro século lhe deram. Ressurreição referia-se às pessoas que estavam física e completamente mortas e que voltaram a viver com o corpo físico, e não simplesmente sobreviveram ou entraram em um mundo puramente espiritual, o que quer que isso possa ser. Portanto, a ressurreição necessariamente afeta o mundo público.

O cientista e o historiador

Contudo, analisar o mundo público é tarefa não do cientista natural, mas do historiador. Em termos gerais – e, mais uma vez, sem todas as notas de rodapé e nuanças necessárias – a ciência estuda o que pode se repetir, enquanto a história estuda o que não pode se repetir. César só atravessou o rio Rubicão uma vez e, se o tivesse feito de novo, teria um significado diferente. Houve, e pôde haver, só um primeiro pouso na Lua. O segundo templo de Jerusalém caiu no ano 70 depois de Cristo e nunca mais caiu novamente. É claro que os historiadores não veem isso como um problema e, normalmente, não têm vergonha de declarar que esses eventos com certeza ocorreram, embora não possamos repeti-los em laboratório. Contudo, quando as pessoas dizem: “Mas isso não pode ter acontecido, porque sabemos que esse tipo de coisa realmente não acontece”, elas estão apelando a uma espécie de suposto princípio científico da história, ou seja, o princípio da analogia.

O problema é que a analogia nunca nos leva muito longe, precisamente porque a história está repleta de situações improváveis que aconteceram uma – e somente uma – vez. Por isso, muitas vezes, as analogias são parciais (na melhor das hipóteses) e dependem da pergunta “Quem disse?” diante da objeção a algo que normalmente não acontece. De fato, no caso em questão, devemos notar como um ponto claro, mas muitas vezes ignorado, o fato de que os primeiros cristãos não pensaram que a ressurreição de Jesus fosse um exemplo de algo que acontecia de tempos em tempos em outro lugar. A verdade é que eles a viram como o primeiro exemplo antecipado de algo que, no final, aconteceria com todas as outras pessoas, sem usarem essa esperança futura como uma analogia com a qual pudessem argumentar que isso já havia acontecido neste exemplo.

Então, como o historiador trabalha quando a evidência aponta para o que normalmente não esperamos? A ressurreição é um exemplo tão fundamental disso que é difícil produzir, neste metanível, exemplos similares. Contudo, mais cedo ou mais tarde, as questões de visão de mundo começam a aparecer no segundo plano, e o que o historiador permitirá na cena é, inevitavelmente, afetado pela visão do mundo em que ele vive. Neste ponto, voltamos ao cientista que, diante de repetidas experiências do que acontece com corpos mortos, do que parece ter sempre acontecido e do que éprovável que sempre continuará a acontecer, declara que a evidência é tão grande que é impossível acreditar na ressurreição sem deixar de ser totalmente um cientista.

Este é o ponto em que devemos mudar o rumo da discussão e ir para a evidência propriamente dita. O que pode ser dito, dentro do que chamamos de historiografia científica, sobre a proposição de que Jesus de Nazaré ressuscitou fisicamente dentre os mortos?

#LivrodaSemana
• Trecho retirado de Surpreendido Pelas Escrituras, de N. T. Wright.

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