84 anos de Elben César
Por Lissânder Dias
Lá vem o velhinho de cabeça branca, bermuda e camisa gastas. Andar desengonçado e braços ocupados com livros, papéis e exemplares da revista Ultimato. Nos vê de longe, mas é sempre o seu sorriso que nos encontra primeiro. Gosta de iniciar as conversas fazendo o uso de perguntas; quase nunca com uma afirmação.
Assim é o Pr. Elben César, diretor-fundador da revista Ultimato e que completa hoje 84 anos de idade. Pela manhã, celebramos seu aniversário – juntamente com outras duas aniversariantes da equipe: Vanilda e Sâmela.
Semanalmente, o Pr. Elben compartilha conosco uma reflexão bíblica. Ontem, ele lembrou-nos o bonito versículo de Ester 8.16: “Para os judeus brilhou a luz da felicidade, da alegria e da vitória”. Em suas palavras, trata-se da luz no fim do túnel que tanto buscamos.
O “mineiro com cara de matuto” – como gostava de ser chamado – é quem dá forma e conteúdo às edições de capa da revista desde seu início, em 1968. Nos primórdios, sofreu até perseguição religiosa (conheça a história aqui). Ele também é o autor mais profícuo da editora (já são 15 livros escritos). Mas acima de tudo, a figura carismática do Pr. Elben revela uma paixão pela Palavra de Deus, uma submissão honesta a Jesus Cristo, uma busca desconcertante pela humildade e um olhar maduro sobre a Igreja. Uma grande inspiração para nós que trabalhamos na editora.
A seguir, compartilhamos um dos seus textos mais pessoais já publicados na revista Ultimato em um difícil momento de depressão.
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Oração de um deprimido
Por Elben César
Ó Deus, não preciso nem devo ocultar de ti o que está se passando comigo. Estou confuso, desnorteado, inseguro, perturbado, triste. Pensei que esta crise iria acabar logo e ela não acabou. Sinto-me preso numa cela sem janelas. Não vejo o sol há muitos dias. Só vejo sombras. A escuridão me rodeia. Não enxergo o que há de bom nesta vida.
Minha memória está contra mim. Não consigo me lembrar dos acontecimentos bons do passado. Mas, dos acontecimentos maus, me lembro de tudo. Até de pormenores desagradáveis que estavam definitivamente sepultados. Minha mente está catalogando todas essas lembranças. Estou perdendo por completo aquela esperança que sempre me acalentava e me movia para frente.
Vejo sofrimento em toda parte, até onde ele não existe. Os maus sofrem e os bons também sofrem. Antes era assim, agora é assim e amanhã será assim. Muitos morrem de fome, muitos morrem na guerra, muitos morrem de Aids, muitos morrem em acidentes de trânsito, muitos morrem em meio a desastres naturais, muitos são assassinados. Sempre estou me recordando do sofrimento de Jó, da matança dos inocentes de Belém, da morte de João Batista, da agonia de Jesus no Getsêmani, do Holocausto, de Hiroshima e dos marinheiros do submarino russo.
Ando preocupado demais com meus familiares. Estou com medo de uma filha ter câncer. Estou com medo do casamento de uma das filhas se acabar. Estou com medo que um acidente de trânsito tire a vida de meus netos ou os deixe paraplégicos para sempre. Estou com muito medo de alguém da família se desviar da fé. Estou com medo de meus filhos não serem bem sucedidos na educação de seus filhos no temor do Senhor. Ando sensível demais. Meu amor por meus familiares anda estranho. É um amor nervoso, cheio de medo, cheio de apreensões, cheio de esquisitices.
Estou tendo dificuldade de ler a Bíblia. Estou tendo dificuldade de orar. Atividades que sempre fiz com enorme prazer e proveito. A comunhão contigo, outrora fácil, está agora difícil. Aquela sensação de que Tu me abençoavas dia após dia praticamente acabou. Estou vivendo pela fé e não por emoções. Minhas certezas estão em queda. Todavia estou resistindo, estou clamando, estou esperando.
Ainda me resta um pouco de bom senso, que estou segurando com ambas as mãos para que não se perca. Com esse resto de bom senso, estou lidando com minhas culpas. Não tenho aceitado qualquer acusação que me venha à consciência. Aceito a acusação de que sou um homem nascido em pecado e de que carrego dentro de mim o estigma do pecado. Reconheço a pecaminosidade latente. Mas tenho conseguido, ó Deus, com o teu auxílio, rejeitar a acusação de todos aqueles pecados já confessados e perdoados. Qualquer comportamento duvidoso tenho colocado diante de ti para que me esclareças quanto ao certo e ao errado.
Ó Deus, perdoa-me por me encontrar desse jeito. Tenho vergonha de estar assim. No momento eu não sou eu. Sou outro. Sou um estranho até para mim mesmo. Sem dúvida, estou doente. Preciso de tratamento. Tem misericórdia de mim, Senhor! Cura-me totalmente desta depressão. Afasta para bem longe de mim este quadro doentio. Torna a dar-me alegria, estabilidade emocional, segurança pessoal. Livra-me desta dor apertada no peito, de quem está assustado e medroso. Aumenta as minhas certezas, as minhas velhas convicções. Aumenta a minha fé, a minha velha confiança em ti. Aumenta a minha esperança de cura e a minha esperança de novos céus e nova terra, onde não haverá tristeza nem dor, nem guerras, nem mortes. Socorre-me nesta hora, ó meu Senhor. Peço-te este livramento em nome de Jesus! Amém.
Nota: esta oração recorda a experiência pela qual passou o pastor no segundo semestre de 2001, pela primeira vez em 70 anos de vida. Depois de muita oração própria e alheia, e assistência médica, o autor saiu do estado depressivo que o acometera. Texto publicado na revista Ultimato 269 (de março-abril/2001).