blogult_30_12_13_falarEste ano pretendo falar menos.

Dizem que precisamos falar 15 mil palavras diárias para manter a sanidade. Será que precisamos dizê-las mesmo que ninguém esteja ouvindo — ou gostando? E se a família se encontrar à noite, todos com suas cotas vencidas?

Bem, fica decidido também que, se eu sentir que estou entrando em crise de abstinência, então passarei a conversar com um gravador.

Falando sério, eu gostaria de evitar aquela sensação de “músico de churrascaria”, que toca para ninguém (mas, se faz um intervalo, o povo reclama, porque está pagando).

Não é birra, não. Na verdade, a intenção é ser mais relevante no falar. E, para isso, só falar quando for relevante — para quem ouve.1

Para viabilizar esse propósito, fixo algumas metas, no coração.

Tentarei me calar quando alguém estiver falando. Falar junto pode trazer um clima de “grande família” à conversa, mas cai na categoria “churrascaria”. Um recurso usado nessa hora é elevar a voz (90 decibéis está bom) para se sobrepor e fazer o outro calar. Tipo “vencer a parada” — e gozar do raro prazer de completar a frase.

Nesse mesmo sentido, quero aprender a me calar quando for atropelado por outros falantes. Isso porque, mesmo que eu já esteja com o direito adquirido, se outro começar a falar antes de eu terminar, minha fala já estará carimbada de irrelevante.

Quero ficar atento ao interesse de meus interlocutores. Tenho a tendência de continuar falando só para completar a ideia, quando já estão de costas para mim (ou quando o grupo já desviou a atenção para outro, com cota vencida). Essa contínua avaliação, além de me ensinar sobre relevância, me ajudará a ser interessante no falar. E a transmitir “graça aos que ouvem” (Ef 4. 29).

Para falar menos, e ainda assim trazer graça, precisarei ser mais construtivo. São poucos os que se interessam por críticas — e por críticos. Portanto, análises impiedosamente sérias, só “on demand”.2 E nunca em grupo, pois podem não interessar a todos.

Outra ideia: linguagem ácida ou irônica, só se for engraçado. Como elemento de veemência ela pode passar a ideia de amargura. Falar mal de pessoas, nem “on demand”.

Finalmente, investirei em diálogos genuínos. Porém compensarei economizando em discussões, em ameaças — aqui, precisarei cuidar também do olhar –, em broncas e em conselhos não solicitados.

Pedirei a Deus que me ensine a encontrar mais prazer no ouvir do que no falar.

Fui convidado a pregar numa grande igreja. Noite de muita agitação. Caravanas chegando. Mais de 5 mil lugares. Comecei o sermão e o movimento continuava.

Eu ainda saudava a igreja quando chegou um político, em campanha eleitoral, com seu séquito. Como eram evangélicos, subiram ao grande púlpito. Terminei a leitura bíblica e ainda havia gente arrastando cadeiras atrás de mim, para acomodar a comitiva ilustre. Percebendo estar falando sozinho, fiz um teste. Levantei a voz e disse: “E que Deus, assim, nos abençoe — amém, irmãos?”. E ouvi um grande amém. Fechei a Bíblia, passei a palavra, e ninguém estranhou. Acho que fui construtivo.

“O que guarda a boca e a língua guarda a sua alma das angústias” (Pv 21.23).

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• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários — nem leigos, nem santos.

Notas
Texto publicado originalmente na revista Ultimato 322 (janeiro-fevereiro/2010). Para ler a edição completa, clique aqui.

1. …calar é ouro.
2. A pedido.

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