Pandemia e Solidão
Estudo divulgado pela CBN dá conta de que os recém-nascidos que requerem cuidados de incubadora desenvolvem vários níveis de depressão, chegando a sofrer paradas cardíacas, quando passam muito tempo sem ouvir a voz da mãe. Um médico especialista comentava que, em sua experiência prática, viu muitos bebês simplesmente desistirem de viver, como resultado do isolamento. “A criança perde a vontade de viver”, dizia o doutor.
Entretanto, contrariamente às normas do hospital, uma enfermeira passou a tocar e conversar com os nenês que choravam à noite. O resultado inesperado foi uma grande mudança na evolução da saúde daquelas crianças. Pesquisa feita, a enfermeira foi descoberta e identificada como a causa do grande índice de sobrevivência dos recém-nascidos.
Nesses tempos de pandemia, todos temos sofrido de solidão. Cada um ao seu modo, somos sacudidos pelas perdas, pelo isolamento e pela ameaça de que podemos ser o próximo a ser escolhidos pelo vírus letal.
Impossível deixar de pensar sobre isso, do ponto de vista da nossa fé evangélica. É assim que “emolduro” a questão pensando em uma “ruptura do Éden” — uma tragédia primária, experimentada por Adão, “e que passou a todos os homens” (Rm 5:12). Penso, também na “ruptura do parto”, tragédia secundária, experimentada por todo ser humano. Ambas produzem a dor da separação e da solidão. Talvez a mais básica, profunda, marcante — e sorrateira — dor conhecida pelo ser humano.
A solução para a dor primária é a restauração da ruptura primária, a restauração da intimidade com Deus, possível por meio de um profundo movimento reconciliador, proposto pelo próprio Deus, na pessoa de seu Filho. A resposta secundária, pessoal e existencial é a cura das nossas rupturas pessoais, conseguida pelo desenvolvimento da arte de cultivar intimidade duradoura com nosso próximo, coisa impossível, anteriormente a Pentecostes. Mas agora, por meio do Espírito Santo, perdoamos e somos perdoados; buscamos verdadeira comunhão, e somos restaurados à família de Deus, por meio daquele que nos amou. Somos abraçados pelo Pai, que nos prepara um banquete comunitário de boas vindas, de modo que nossos irmãos também possam nos abraçar (Lc 15).
Precisamos aprender — e ensinar aos nossos filhos — o que nos ordena Deuteronômio 6. Sim, amar a Deus de todo o coração é o caminho de volta à intimidade primária; é o máximo da “volta ao Éden” que podemos conseguir nesta vida. Tratada a ferida primária; restauradas também as feridas secundárias — igreja, amizades, afetos, família etc. —, estaremos “voltando para casa”. Agora, já não à procura de algo; agora, tendo aprendido a permanecer; agora vivendo a vida nos braços do Pai (Sl 131:2) — e dos irmãos (Cl 3:12).
Poderíamos lembrar muitos motivos para “amar a Deus de todo o coração”, mas acho que Deus pensava em nós, ao nos legar o mandamento de Dt 6. Ele sabe que só há um jeito de retornarmos ao duplo paraíso do Éden e do útero materno: tendo-o presente, íntima e afetuosamente, em nossos corações, e permitindo que essa nova condição — a de reconciliados com Deus — transborde para as nossas relações.
A partir de então, nunca mais estaremos sozinhos. A solidão terá sido vencida, lá dentro. E mesmo sozinhos, andaremos pelas ruas da cidade com o conforto e a alegria de quem está acompanhado do grande amor de sua vida.