Há certas coisas que algumas de nossas autoridades dizem ou fazem que me causam profunda discordância. Em muitos casos, indignação. Até revolta! Tem horas que dá vontade de…

Aí, eu vou navegar nos perfis do Facebook ou do Instagram e vejo amigos meus defendendo essas mesmas autoridades, elogiando exatamente as atitudes que abominei. E penso: como podem ser tão míopes que não enxergam o que está acontecendo? Como podem defender tanta falta de caráter, tanta incompetência, tanta falsidade? Será que não veem? Será que se deixaram envolver pela cegueira da ideologia? Perderam a capacidade crítica?

O pensamento que se segue traz a fé para esse balaio (bem ou mal, é inevitável): será que dá para continuar sendo amigo desses meus amigos? Ou teremos que dar um tempo? Será que terei que me calar, toda vez que emitirem uma opinião sobre política, economia, educação, justiça, cloroquina etc.? Terei que me calar para não “quebrar o pau” com eles? Ou, pior, vê-los quebrar o pau comigo, só porque ousei discordar?

Você ficou assustado comigo, leitor(a)? Calma, não pare de ler (ou eu estarei frito, rsrs).

Acho que reproduzi, acima, uma situação bem comum, considerando os tempos de polarização política que vivemos. Confesso que, em alguns sentidos, tenho experimentado alguns desses sentimentos mais “aquecidos”. Outros exemplos, recolhi das experiências de amigos e familiares. Não é difícil identificá-los. Em especial, nas redes sociais, onde as pessoas têm perdido um pouco as antigas amarras sociais. Em alguns casos até a educação. Um fenômeno identificado pelos sociólogos como “palavras hostis” ou “comunicação violenta”.

Gostaria de compartilhar a palavra que recolho das escrituras para essa situação. Tenho buscado nela a sabedoria necessária; o pão nosso para esses dias de nervos à flor da pele. Primeiro para mim mesmo; e também para quem quiser.

E essa palavra consiste em que consideramos, talvez sem perceber, diferenças de percepção política, social ou mesmo de opiniões como fonte de inimizade. Discordou de mim é inimigo. E se falar alto (nos textos escritos, COM CAIXA ALTA), isso “produz em mim sentimentos primitivos”, como diria Roberto Jefferson a José Dirceu.

Autoridade que age de modo “errado” (na minha opinião); que pensa de modo “absurdo” (na minha opinião), recebe tamanha rejeição do meu coração que se transforma em inimigo. E amigo que “faça parte do time deles” é inimigo meu, embora nem sempre eu perceba essa ambivalência que se instala no meu coração. Acabo vivendo a situação de ter de lidar com “amigos-inimigos”; com “familiares inimigos”. Crente que faz, diz ou pensa essas coisas não é crente; não pode ser cristão. Conclusão, não me dou conta de que estou me tornando “o último dos moicanos”; “o remanescente fiel” (a soberba implícita nessa radicalização do meu coração vai de brinde).

O que acontece, frequentemente, num estágio avançado da minha justiça, é a desqualificação desses “queridos desafetos”, chamando-o de cretinos. Esse rebaixamento do amigo, do político, ou da autoridade, acontece no meu coração na figura do “Tolo!” pelo qual Jesus identifica um crente assassino.

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: … quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. (Mt 5:21-22)

De repente, não sei bem por que, ficou fácil chamar de “tolo” o presidente, o ministro do Supremo, o deputado federal, o blogueiro, o pastor, o irmão, o parente que defende a cloroquina. Foram-se as reservas, os cuidados, os limites; foi-se o fino trato. Chamamos de idiota, de imbecil, de corrupto, de traidor, de vendido, de esquerdista, de fascista, de direita, de satanista etc. com grande facilidade e desenvoltura. Em alguns casos, com ânimo cruel, com fúria pertinaz; com sentimentos primitivos.

Pode isso, Arnaldo?

Não pode. Nem para pessoas educadas, nem para os discípulos de Jesus; aqueles que sustentam o testemunho do Cordeiro.

— Mas por quê? E se forem dessas discussões “de botequim”, “de fim de jogo”? Essas conversas de homens são assim mesmo! Terminado o quebra-pau, voltamos a ser amigos, de novo!

Pode ser. Mas como ficam as palavras que dissemos? Sabemos que o que nos contamina não é (apenas) o que ouvimos, mas o que dizemos, porque têm como fonte o coração.

— Mesmo as piadas e gracejos?

Sim, mesmo essas. Sob o manto das brincadeiras, seremos capazes de dizer coisas que “o só referir” seria vergonha (Ef 5: 3-12), se Jesus estivesse na rodinha.

Mas não é exatamente esse o nosso assunto. Estamos falando da nossa capacidade de desqualificar, de “assassinar nossos inimigos”. Talvez nem nos dirigindo a eles; talvez apenas falando sobre eles. E sobre isso, talvez Jesus nos dissesse: “vocês têm aprendido que devem amar os seus irmãos e parentes”;

Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste. (Mt 5:44-48)

O que significa essa ordem de Jesus? Qual a razão profunda desse mandamento? O que muda com essa oração?

Meu entendimento é que Jesus nos dá o caminho pelo qual extirparemos a ira e a discórdia dos nossos corações. Primeiro do meu; e também do seu.

Só um louco xingaria de idiota, de imbecil alguém que ele ama e por quem ele ora. Mas se amamos nossos inimigos, não amaríamos com mais facilidade aqueles de quem “apenas” discordamos? Não lhes desejaríamos o bem; não nos mostraríamos interessados em vê-los bem? Não nos disporíamos, pela mudança que essa oração produz em nós, a lhe favorecer o bem? Até agindo pessoalmente para isso, caso surgisse a oportunidade? Não esperaríamos que Deus ouvisse essas orações? Como, então, perduraria o ódio, o sectarismo, a raiz de amargura em nossos corações?

— Mas ser “filhos do vosso Pai celeste” pode significar muito sofrimento! — argumentaria alguém. — Afinal, foi assim com o Filho do nosso Pai Celeste.

Bingo! Não preciso dizer mais nada; você entendeu (se concorda ou não são outros 500, eu sei).

Deixo apenas a pergunta fatal, para terminar: somos capazes disso? De verdade? (ou melhor: em verdade?).

Aí está um desafio para os conturbados dias de hoje (claro, para quem concorda com esse meu arrazoado). O desafio vem de Jesus, no momento mais crítico, mais injusto de toda a sua vida. No momento de sua prisão, ele se volta para Pedro e diz: “Embainha a tua espada” (Mt 26:52). Hoje não é o dia do Leão; mas do Cordeiro. E eu recolho essa palavra, em dias de conflagração, de injustiças, de perseguição, de pandemia, como uma palavra, primeiro para mim mesmo; e também para quem quiser: “embainha a tua espada”.

Sem dúvida, um desafio para ser enfrentado de joelhos.

  1. Excelente exortação, professor. Que Deus nos ajude a vencer nossos “sentimentos mais primitivos”, pois, carecemos diariamente. O balaio social, somado a recalcitrante polarização política dos últimos anos, tem aleijado o senso crítico da sociedade. Deus o abençoe ricamente, dando força para continuar sendo um ponto fora da curva.

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