Rubem_25_08_14_Arvore_outono

 

Estou lendo o livro É Preciso Saber Envelhecer, de Paul Tournier (Editora Ultimato). Talvez seja uma das leituras mais dialogadas que já fiz. A leitura segue lenta, por causa desse diálogo. De tempos em tempos eu peço licença ao autor para dar uma volta. Fecho o livro e vou pensar. Quando volto, tenho algumas perguntas e inquietações na cabeça, e começo a ler como quem procura respostas nas experiências dele.

É que estou vivendo a mesma estação da vida que o Paul. Talvez um pouquinho atrás, o que me dá a vantagem de encontrá-lo já em fase de sínteses existenciais. E uma delas ele reúne em seu livro, pensando, basicamente, sobre a experiência da aposentadoria, com suas alegrias, inquietações e temores.

Até onde já li, ele relata experiências de quem se perdeu, ao se aposentar.

“É terrível” — responde —, “estou aposentado há três meses! Nunca pensei que fosse tão duro.” E acrescentou uma reflexão que me tocou profundamente, porque eu estava escrevendo este livro: “Nada é pior para o homem do que perder a possibilidade de brilhar!” E conversamos um pouco sobre a condição humana.

Esse amigo rapidamente deu um jeito de voltar à ativa.

Algumas semanas depois eu o encontrei no mesmo lugar: “E então, como vão as coisas?”. Vivaz, resplandecente, respondeu-me: “Muito bem! O banco onde eu trabalhava precisa organizar um trabalhinho de classificação, então me pediram para ir algumas horas por dia. É uma grande sorte”. Cumprimentei-o, naturalmente, e alegrei-me por ele. Também experimentei admiração por esse homem, capaz de encontrar tão facilmente novo impulso para um trabalho que, há pouco, deixara para outro mais jovem; na verdade, contentava-se com uma modesta possibilidade de brilho; pouca coisa bastava para transfigurá-lo. Mas, por quanto tempo? O problema estava adiado, é verdade, mas sem verdadeira solução.

Estou aposentado há três anos. Às vésperas da decisão, ouvi muita gente falar do “pijama assassino”. Recomendam a você que não pare, porque vestir esse pijama é marcar um encontro com enfermidades, solidão, senilidade e, finalmente, a morte. E lá vem a lista de ex-colegas que se aposentaram “totalmente”: passaram a viver em casa, assistindo “sessão da tarde” e lendo livros. Muitos já morreram.

Mas Paul Tournier conta também de gente que não se deu tão mal:

“Aposentadoria? Nunca estive tão ocupado como estou desde que me aposentei!” — disse-me. E acrescentou, ele também, uma reflexão: “O fundamental é continuar se levantando pela manhã na mesma hora em que se levantava para ir ao escritório”.

Entretanto, o comentário que ele faz sobre esse caso, bate com o que eu pensava, enquanto lia:

Perfeito, mas também neste caso há um adiamento; certamente mais válido do que o anterior, mas um adiamento: esse homem tão ativo e feliz está aposentado apenas do ponto de vista administrativo, porque na verdade continua produtivo; deixou o seu cargo de diretor, mas assumiu outras responsabilidades. Quem sabe algum dia a aposentadoria chegue, de fato, para ele.

E eu pensei: é o que meus amigos e colegas me sugeriam há três anos: aposentar-se sem se aposentar. E acho que assim não vale. Ou vale? Aposentar-se para continuar fazendo a mesma coisa é sinal de que gostava muito do que fazia ou de que não tem a menor ideia do que gostaria de fazer? Fica para mim meio que como um escravo recém-alforriado. O que ele vai fazer com sua liberdade? Pedir ao antigo dono para aceitá-lo como trabalhador?

Como servidor público, eu poderia ter postergado a assinatura da minha “Lei Áurea” até a famosa “expulsória”; a aposentadoria obrigatória, que acontece aos setenta anos. Mas decidi encará-la logo. Meu receio era de, por medo, permanecer no trabalho, para sair “na pazinha de lixo”, quando alguém varresse a minha sala. Estou querendo dizer que, naquele momento, eu terei menos condições de aproveitar o tempo de aposentadoria. Tão esperada por alguns e tão temida por tantos. Sairia do serviço a contragosto e sem nenhum “projeto de vida” e, pior, sem as energias que tinha aos sessenta anos. Ou seja, teria um encontro marcado com o temível “pijama assassino”. Só que mais tarde.

A essas alturas das minhas conversas imaginárias com o Paul Tournier, estou convencido de que tomei a decisão correta. É melhor agora, enquanto tenho energia. No entanto, o autor me sugere o que já não posso fazer: planejar esse momento, a partir dos quarenta e cinco, cinquenta. Já era. Mas posso fazê-lo agora. Posso correr atrás do prejuízo.

Considero, também, que minha condição de crente de igreja me dá muito das condições que o autor sugere para essa nova fase da vida. Para alguém que vive em comunidade, com toda a sua dinâmica, exigências, carências e necessidades, sempre haverá uma missão. Na verdade, a seara é imensa, maior do que tudo o que pudermos fazer. Se eu quiser me envolver com a “missão Jerusalém”, pensando somente em minha família e na igreja local, não me sobrará tempo para pensar no pijama novo. E sem quebra de continuidade. Talvez, sim, eu possa pensar em ajustes.

Ajustes? Neste ponto, coloquei o marcador no livro e o fechei. Penso nisso, com calma, e volto mais tarde.

Enquanto não volto à leitura, uma ideia me martela a cabeça: o Éden. Parece que meus amigos que sempre sonharam com a aposentadoria, agora morrem de medo dela. Sempre sonharam com aquele dia em que voltariam à condição de crianças. Crianças de férias escolares. E eu, concordando, penso que Deus me trouxe de volta ao Éden. E me pergunta: como você vai viver, agora, neste jardim que lhe preparei? Finalmente, você chegou aqui. Agora você já não precisa mais “lutar pela vida”, está livre das exigências do “suor do seu rosto”. Agora você tem a chance de viver no meu jardim, do jeito que quiser. Como vai fazer isso? Vai deixar o mato crescer? Vai viver num eterno parque de diversões? Vai se sentar à beira de um riacho e deixar o tempo passar?

Bem, deixe-me voltar à leitura.

  1. Interessantíssimo o texto, veio de encontro o que eu e um companheiro de serviço, estamos enfrentando: hora de sair ou permanecer? De qualquer forma é melhor sair no melhor momento, ou seja, quando for possível aproveitar da melhor forma possível.

    • Aposentei-me porque há 12 anos entrei em desentendimento com a chefia no serviço público, e como sou estável não podiam demitir-me. Entretanto, nestes 12 anos sofri muito assedio moral, cheguei a ficar 2 ano e meio em licença média devida a DEPRESSÃO, ANGUSTIA, e acompanhado por médico PSIQUIATRA. Entre períodos de licenças trabalhei 9 anos e meio em funções incompatíveis com minha escolaridade. Trabalhei braçal, fui assediado, humilhado, foi horrível. Elaborei um enorme calendário EXCELL, de contagem regressiva à minha aposentadoria. Todos os dias via o numero decrescer. Foi imensa alegria quando chegou o dia “zero”, ou seja; APOSENTEI-ME ! Mas a crise financeira de 2015 e 2016, esmagaram meu salário. Mesmo que eu não tivesse me aposentado, estaria com dificuldades financeiras gravíssimas parar vestir, alimentar, transportar, enfim viver dignamente. Nunca fui rico, mas sempre tive o suficiente para passear, vestir razoavelmente, comer o que sentisse vontade, viajar, pagar gasolina, ou passagens de ônibus, HOTÉIS, alimentações em outros municipios. HOJE, ando apertado financeiramente, não tenho cuecas suficientes, tenho duas, lavo uma, visto a outra espero a primeira secar, para lavar a que estou usando, e vai por ai o aperto financeiro. Fazer um lanche fora de casa, hoje não pode ser frituras pois a idade chegou. Mas um pão de queijo e um cafezinho, ainda não tenho 65 anos, pagar as passagens urbanas, são complicados para mim. E observem que estou aposentado há 36 horas apenas. É complicado mesmo ! O que gosto muito de fazer são caminhadas. Mas meu tênis está bastante furado, rasgado, e o dinheiro para comprar um novo esta difícil. Todos os sites com dicas de como viver bem na aposentadoria, imaginam um aposentado cheio de dinheiro! Ora bolas ! Se eu tivesse esta dinheirada toda, não tinha problemas nenhum. Sumia pelos lugares mais belos do BRASIL, me vestiria bem, alimentaria com qualidade, e imagino que isto seria a verdadeira felicidade!!!

  2. Queridos, lendo este texto entendo que tomei a decisão correta ao me aposentar na hora certa, ou seja, na data prevista, sem postergação. Nós que somos cristãos e entendemos que esta oportunidade de aposentadoria é uma ação divina não devemos temer e sim agradecer ao nosso Criador e Sustentador e agora trabalharmos integralmente para Ele que, com certeza, estaremos fazendo a vontade d’Ele e sempre haverá oportunidade de passar para outros toda nossa experiência profissional e cristã.

  3. estou aposentado há três anos, deixar de fazer rotineiramente o que fiz durante trinta e quatro anos não me trouxe nenhum peso na alma, assimilei bem este novo tempo. o que doeu de verdade foi a indiferença dos colegas, o tratamento mudou completamente. como se o aposentado fosse uma carta fora do baralho, um peso morto, uma carga a ser carregada. me parece que a sociedade não quer refletir sobre o legado do idoso. os direitos dos aposentados(idoso) são tratados em outra instância, não como prioridade. o meu lenitivo: as escrituras sagradas avaliam os idosos de forma acolhedora e respeitosa.

    • Prezado Rubens: sua percepção me parece correta. O Paul Tournier fala sobre isso, no seu livro. A aposentadoria tira a pessoa do mundo de relações baseadas em status, em dinheiro, em influências, em utilidade. Em nossa sociedade, diz o autor, essas relações estão ligadas à profissão e ao emprego. E, pior, como muito de nossa identidade e auto-estima está ligada à profissão, caímos em “desgraça”, ao nos aposentar. Sem falar no famigerado “fator previdenciário”, que também existe na Suíça e na França (eu não sabia), pelo qual, justamente no momento em que mais precisamos, o salário vai sendo corroído. Meu pai se aposentou com sete salários mínimos. Hoje, precisa se contentar com três.
      Bem, irmão, aí está um projeto para a igreja: os seus idosos. Não basta que as escrituras nos tenham em conta de dignidade; é preciso que a igreja, que segue as escrituras, por fé e obediência aja de modo coerente com o que lê.

  4. O artigo é bom ,mas deixa de fora uma grande parcela de trabalhadores brasileiros que como eu, são consultores autônomos e para os quais a palavra “aposentadoria” não existe.O lado diferente de nossa história é que pela vida afora sempre tivemos que lidar com diferentes chefes (clientes), colegas e espaço físico e portanto, esta diversidade de situações nos torna menos vulneráveis quando decidirmos ou formos obrigados a parar realmente . Mas meu trabalho consiste justamente em orientar pessoas que fazem esta transição de carreira nas grandes organizações e posso dizer que é bem diferente a percepção destes profissionais em relação a este assunto ou momento da carreira. Viajar e ter uma ocupação com a qual realmente se identifique em tempo parcial são as principais aspirações deste público após a aposentadoria. E em terceiro lugar, comprar um “pedaço de terra”e plantar / colher .

  5. É, amigo Rubem, as suas reflexões são cabíveis! Gostei dessa antítese de paraíso para alguns e quase terror para outros. Ri sozinho com a ideia do “pijama assassino”. Estava mesmo querendo lhe perguntar sobre como vai utilizar essa parte do seu tempo que era utilizada na atividade profissional. Mas, penso que vai acontecer com você o que já está acontecendo comigo: não sei direito há quanto tempo estou aposentado – só sei que faz um bom tempo -, e se a aposentadoria já chegou pra mim, ainda não deu pra perceber (riso)… Abração!

  6. Eu penso que o grande dilema do aposentado é se adptar a novas realidades, na atual conjuntura economica conseguir viver com qualidade é muito dificil, porém esta realidade pra mim está próxima de se realizar.
    Sou militar tenho 51 anos, e penso em fazer alguma coisa que além de ganhar dinheiro, eu possa me satisfazer emocionalmente.m Gosto muito de viajar, tanto é que conheço quase todos os Estados de nosso País.
    Gostaria de algumas orientações para montar e dar certo o negocio.

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