P10_04_02_16_librasOs dados não são recentes, mas de acordo com o último censo do IBGE (2010), os surdos somam cerca de 9 milhões de pessoas no país. Já segundo a Organização Mundial de Saúde (2011), 28 milhões de brasileiros possuem algum tipo de problema auditivo. A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) estima que, desse total, 40% utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua (ou língua materna).

No Nordeste, onde 3 milhões de pessoas apresentam alguma grau de perda auditiva, a incidência de perda auditiva está acima da média nacional (5,1%), em todos seus nove estados: CE com 6,2%; PB e RN com 6,1; AL, PI e PE com 6,0; BA com 5,5: SE com 5,4; e MA com 5,3.

Um fato curioso é que a Língua de Sinais usada pelos surdos no Nordeste também tem “sotaque”, e chega a ser tão diferente e diversificado quanto a cultura nordestina. Essa riqueza dos sinais usados entre os surdos nordestinos foi documentada pela pesquisadora Janice G. T. Marques, em sua tese de doutorado intitulada “Lexicografia da Língua de Sinais Brasileira (Libras) do Nordeste”, apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

O trabalho visa aumentar a representatividade geográfica lexical dos sinais de uso comum entre os surdos nordestinos nas próximas edições do Novo Deit-Libras: Novo Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira.

Sinais para comidas típicas, sinais de figuras baianas, a exemplo do escritor Jorge Amado, diversos sinais religiosos católicos, sinais bíblicos usados na Igreja Evangélica. Enfim, foram catalogados mais de 4 mil sinais de libras de todos os noves estados, todos plenamente documentados, descritos e ilustrados em sua forma e em seu significado.

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Confira a entrevista que Janice Marques concedeu ao blog Paralelo 10. Além dos desafios enfrentados para realização da pesquisa, ela também fala um pouco sobre evangelização junto à comunidade surda brasileira, que figura entre os grupos menos evangelizados – menos de 1% se declara crente.

Por que a surdez é mais comum no Nordeste?

Não há dados oficiais que expliquem o porquê do grande número de surdos do Nordeste. O Censo do IBGE (2010) apenas aponta os números e não há especificações sobre as causas da surdez. Conversando informalmente com alguns médicos do Ceará, eles sugeriam que uma das causas poderia ser da ordem de saúde pública, muitas mulheres não fazem o pré-natal corretamente ou até não o fazem.

É interessante descobrir que a riqueza cultural e a criatividade nordestina também podem ser vistas na Libras. Que outras coisas interessantes você descobriu em sua pesquisa de doutorado?

Em cada estado foi uma descoberta diferente. A medida que eu ia entrevistando os surdos para a coleta dos sinais eu percebia quão rica é a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e quanto trabalho eu teria pela frente para abarcar tanta grandeza.

Lembro que comecei a coletar pela Bahia e a aquela diversidade própria dali se refletia de alguma forma na língua de sinais. Havia sinais para as coisas que eu menos esperava, desde os sinais das comidas típicas aos sinais de figuras baianas, a exemplo do escritor Jorge Amado. E isso se repetiu com as particularidades de cada estado.

A criatividade nos sinais típicos nordestinos foi algo que me chamou a atenção. Os sinais para “Jegue e Jumento” usados no interior do Ceará foram uns dos mais engraçados. Por falar nisso, encontrei em Fortaleza um surdo comediante e a julgar por sua excelente fluência em Libras, o show deveria ser um legado e tanto de arte para a comunidade surda local.

No Maranhão o que me foi mais curioso foi a quantidade de sinais religiosos católicos. Tive a oportunidade de conhecer o presidente da Pastoral dos Surdos da Igreja Católica na época e ele me passou todos os sinais de Santos e outros sinais usados por surdos e intérpretes nas missas. Cerca de 70 sinais foram registrados, a exemplo, os sinais dos sacramentos, e de Santos como, Santo Antônio e Santa Luzia. Esse fato me chamou a atenção porque a maioria dos sinais religiosos coletados nos outros estados foram sinais bíblicos usados na Igreja Evangélica.

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Poderia contar muitas histórias, mas outro ponto que me alegrou nesse percurso foi poder conhecer, em todos os estados nordestinos, surdos que faziam parte da primeira turma do curso de Letras-Libras oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com o Ministério da Educação (MEC), curso este, ministrado em sua própria língua, Libras. Uma grande oportunidade para os surdos nordestinos e de todo o país.

Os estudos da língua dos surdos são recentes no Brasil? Demoramos para estudá-los?

O primeiro indício da História da educação de surdos no país foi em 1855 com a chegada do surdo francês Eduard Huet no Rio de Janeiro. Ele veio para o Brasil a convite de Dom Pedro II para fundar uma escola para surdos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) ainda em pleno funcionamento. Logo após a sua fundação, em 1857, o aluno surdo Flausino Gama publicou o primeiro registro escrito da Libras no país cujo título é Iconographia dos signaes dos surdos-mudos. O início dos estudos linguísticos da Libras só teve início na década de 1980 com as pesquisadoras Lucinda Ferreira Brito e Tânia Felipe, e, mais tarde, com a pesquisadora Ronice Müller de Quadros. O reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação só aconteceu em 2001 por meio da Lei 10.436. Comparando com outros países os estudos linguísticos da Libras são relativamente recentes.

E a igreja evangélica, tem atendido às necessidades dos surdos?

O que vejo hoje é que essa geração colhe os frutos do trabalho de pessoas que investiram pesado no ministério de surdos nas décadas de 1980 e 1990. Nesse período, a Igreja Evangélica foi responsável por formar gerações de intérpretes de Libras e os ministérios com surdos não deixavam a desejar. Havia atividades para os surdos de todos os tipos: educação e ensino da Bíblia em escolas dominicais; apoio à família; intérpretes de Libras durante os cultos; serviço de acompanhamento de intérpretes de Libras em consultas médicas, casamentos e até mesmo em questões judiciais; além de atividades religiosas e recreativas como acampamentos e congressos com a comunidade surda. O que tenho visto no país atualmente é que o número de igrejas com ministérios com surdos tem diminuído a olhos vistos e as atividades dentro desses ministérios tem sido consideravelmente reduzida, em muitos casos, se restringindo apenas a oferecer interpretação em Libras durante os cultos e programações.

Há alguma pesquisa com números de surdos cristãos evangélicos?

Não tenho conhecimento.

Como cristã, você deve se perguntar: “Como posso comunicar o Evangelho aos surdos? ”. Achou resposta?

Comunicar o evangelho, independentemente se para surdos ou ouvintes, é viver Jesus e falar sobre ele. No caso dos surdos existe a diferença da língua. Assim, para oferecer qualquer tipo de ensino é fundamental reconhecer a Libras como língua natural dos surdos e respeitá-la. A medida que você respeita a língua você respeita o indivíduo. A Bíblia possui um conteúdo bastante denso, cheio de contextos que permeiam as histórias bíblicas e estes conhecimentos podem facilmente serem passados erroneamente por quem não tem o domínio da língua, mesmo que tenha domínio de conteúdo. Ao registrar a língua dos surdos, inclusive os sinais bíblicos, espero contribuir para que as barreiras linguísticas sejam minimizadas nesse percurso de anunciar as boas-novas.

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