Prostituição e Direito à Saúde: Alexandre Padilha não errou
Quase não pude acreditar no post de Pedro Serrano publicado no site da Carta Capital (aqui) ontem, a respeito da decisão do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O ministro teria retirado a campanha “Dia Internacional das Prostitutas” devido à pressão dos evangélicos, segundo Serrano. E o articulista afirma que Padilha errou.
Porque Padilha errou? Segundo Serrano, porque, em primeiro lugar, “Não é preciso gastar muito esforço de argumento para afirmar que o Brasil é um pais laico” e ainda porque “questões de saúde pública devem ser tratadas por critérios exclusivamente técnico-científicos. Aspectos de moralidade religiosa não devem interferir em decisões administrativas neste tema”.
Eu diria que “não é preciso gastar muito esforço de argumento” para recusar essa afirmação. Serrano parece não distinguir entre “laicidade” e “laicismo” ou secularismo (veja mais aqui). O termo “laicidade” descreve a condição do estado de não ser confessional, em cuja condição ele não pode promover uma religião. Podemos tratar a laicidade como uma categoria política, nesse sentido, referente à separação de igreja e estado. Que o estado se exima de promover qualquer projeto espiritual.
Mas o secularismo não é meramente um conceito político; é uma biocosmovisão, um projeto cultural muito mais amplo do que a política, e que entra em choque com as religiões tradicionais exatamente porque oferece uma alternativa espiritual (não é isso o que Alain de Botton vem tentando dizer?). Se não fosse uma alternativa, não entraria em choque. Se entra em choque, é concorrência. É do mesmo tipo.
O estado que promove ativamente a secularização não é laico; é secularista, e por isso confessional, mesmo que seu “credo” seja silencioso. O estado Soviético não era laico; era secularista, e suprimia ativamente não apenas a religião mas outras expressões morais na sociedade. Pelo bem comum é essencial que os religiosos o protejam de elementos radicais que desejam abusar da política para fazer engenharia social e reeducar a consciência moral da sociedade. Se os secularistas querem promover sua agenda, que construam suas próprias igrejas, como os positivistas franceses no século XIX.
Ciência Amoral?
A ciência e a técnica não são intrinsecamente más; tornam-se instrumentos perversos em mãos perversas, quando são autonomizadas e em seguida se tornam veículos de uma ideologia desumanizadora e objetificante. Foi uma ideologia desse tipo que articulou os melhores avanços científicos e técnicos da época com a única finalidade de matar gente, na Alemanha Nazista. O fedor dessa compreensão da técnica é sempre o mesmo: a “saúde pública” amoral. Mas não se engane: por trás da desculpa tecnicista sempre há outra coisa. Será que o articulista sabe que outra coisa é essa?
O mais triste é ver essas pobres mulheres usadas uma segunda vez: primeiro, sexualmente, e agora ideologicamente, em uma das mais torpes expressões do secularismo de esquerda.
nossos padrões morais deverão ser reformados e nossa consciência moral deve ser reeducada por campanhas estatais “laicas”, com base em orientações científicas positivistas e pragmáticas, para garantir que as pessoas se sintam bem, não importa o que fizerem. Uma perfeita distopia Orwelliana – agora na versão hipermoderna.
Com alguma boa vontade, poderíamos supor que ele não é contra a necessidade de considerar a dimensão moral do humano na construção de políticas públicas; ele apenas recusa a moralidade cristã. Mas nem isso o salvaria. Pois ele é cuidadoso o suficiente para afirmar que “os especialistas” “[…] apontam diversas pesquisas científicas que demonstram que não é possível combater de forma plenamente eficaz o contágio da Aids sem a valorização da autoestima das parcelas mais vulneráveis da população”.
Ou seja, a razão porque devemos dizer que as prostitutas são “felizes” é que precisamos aumentar sua autoestima. E precisamos aumentá-la a qualquer custo por razões “científicas”. E para tanto, precisamos manipular a moral. Pois dizer que alguém pode ser feliz, normal, e bem ajustado praticando a prostituição, e equiparando a prática com outras formas de trabalho sadio e honesto é fazer um julgamento moral; é afirmar a neutralidade moral desse comportamento (já que ele em nada corrompe a vontade e a consciência de si no indivíduo), com o único propósito de torná-lo coerente com o interesse “científico”. Ou melhor: é submeter a moralidade à religião do bem-estar sensorial e da afetividade amoral, sob as bençãos sacerdotais da ciência. É claro que nesse momento o estado já não é mais meramente “laico”. Nem a ciência, que virou serva da nova religião civil brasileira.
Portanto, segundo o senhor Serrano, nossos padrões morais deverão ser reformados e nossa consciência moral deve ser reeducada por campanhas estatais “laicas”, com base em orientações científicas positivistas e pragmáticas, para garantir que as pessoas se sintam bem, não importa o que fizerem. Uma perfeita distopia Orweliana – agora na versão hipermoderna.
O que se nega é que além de terem o direito à “esfera pessoal de liberdade”, os trabalhadores do sexo tenham o direito de receber aprovação moral pelo que fazem. A campanha comunica, implicitamente, que a prática da prostituição é moralmente aceitável. Mas do fato de uma atividade ser legalmente lícita não se infere jamais que essa atividade seja moralmente lícita.
Além disso, o comportamento de risco baseado em uma permissão legal não pode gerar um direito especial. Expressões de liberdade individual que sejam perigosas e ainda moralmente duvidosas não podem ser recompensadas transferindo-se o seu ônus para toda a sociedade (já que temos que aceitar o fato e pagar impostos para as campanhas e os tratamentos de saúde). Na mente de Serrano, parece ser correto tratar toda a sociedade como corresponsável por um comportamento que é justificado sobre a base da autonomia individual. Isso só não seria absurdo se toda a sociedade fosse a favor; acontece que ela não é.
Serrano não poderia perder a oportunidade de alfinetar os fariseus, hipócritas: “a realidade é que muitos homens, inclusive pais de família e até evangélicos, usam dos serviços de prostitutas e como tal funcionam como vetores de transmissão do vírus”.
Isso é verdade, sem dúvida nenhuma. Mas o que se segue logicamente, daqui? Ora, vamos ver: “pobres batedores de carteira. São presos e tornam-se, na cadeia, criminosos ainda piores, enquanto os grandes ladrões, e especialmente os mensaleiros do PT, estão soltos. Somos todos hipócritas, já que até a polícia se utiliza os seus serviços. Então… soltemos os infratores!” O argumento de Serrano, além de irracional, é um golpe baixo; alegar que estamos todos na lama, e que por isso deveríamos amá-la. Mas do fato de que muitos evangélicos traem seu discurso público utilizando os serviços de trabalhadores do sexo e que sejam vetores de doenças não se infere que a prostituição deva ser considerada aceitável e protegida pelo estado como uma forma legítima de alcançar a felicidade (é o que a campanha diz, nas entrelinhas).
Os Fariseus…
Seguem-se as invectivas moralistas-seculares de Serrano: defendendo “direitos fundamentais e humanos” depois de demonstrar clara incompreensão sobre a relação entre ciência e moralidade, o jornalista tenta passar de forma subreptícia uma certa paixão moral pela justiça e pelo bem do homem. Não nego que esses sentimentos sejam reais no autor; é que duvido que ele tenha uma base racional para afirmar tais direitos, depois de cuspir toda a sua desinformação atacando o “moralismo religioso” que foi, historicamente, a própria base para a ideia de direitos humanos.
Os Medievais…
Isso é o que C. S. Lewis descreveu como “chauvinismo cronológico”: desprezar ideias só porque são… antigas ou “medievais”! Essa é uma das formas mais comuns de preconceito moderno, e uma das marcas infalíveis de incultura histórica. O que faz o articulista se parecer com o tipo que não conhece nem as interpretações medievais da Bíblia, nem as modernas, e provavelmente confunde as modernas com as posmodernas.
A verdade, no entanto, é que a crítica moral não apenas da prostituição, mas da cultura Queer e de toda a constituição do eros hipermoderno não é meramente resultado de uma leitura medieval da Bíblia; é fruto de uma leitura crítica do presente. Mas eu perguntaria ao articulista: qual é a sua base racional para acreditar que do mero fato de uma transformação progressiva da sexualidade se depreende um “melhoramento” ou uma “evolução positiva” ou um “progresso”? Por favor, conte-nos de onde saiu esse mito.
Simplesmente arrebentou!!!
Bravo!
Ah, se não fossem as prostitutas. Assim como as religiões, elas acalmam o homem animal. A diferença é que as prostituas não enganam. Elas cobram pelo serviço para aliviar tua tensão física e emocional. As igrejas, especialmente as evangélicas, prometem um céu que não existe. O resto é filosofia linguiça.
Os homens são a imagem de Deus. Os animais são criaturas de Deus. O céu é para aqueles que creem. As prostitutas são convidadas a ir às igrejas para conhecerem a verdade e deixarem a prostituição que só destrói a vida delas. Quanto ao homem animal tenso física e emocionalmente e defensor da prostituição (atividade das prostitutas), aqueles, precisam também é na verdade mudarem de posicionamento. Jesus ama as prostitutas e os defensores delas. Mas Ele não concorda com a prostituição.
É uma falácia a ideia de que o povo é bondoso e sofredor e somente os governantes são gananciosos e perversos. Rosseau e Max “mentiram” sobre o caráter do povo. Até na Bíblia os profetas criticam o povo. Iníquo, corruptor e “burro” para o profeta Isaías. Samuel alertou sobre o perigo dessa mania de querer ser igual as nações “mais desenvolvidas”. A “fuleiragem” e povo andam de mãos dadas. Percebemos quando estamos em uma nação iníqua quando pecado passa a ser visto como virtude. Qualquer ser humano comete pecado, mesmo os santos, no entanto, transformar pecado em motivo de orgulho e propagar isso como bandeira é de um cinismo tremendo! Os fariseus foram superados! Quanto as reformas elementares, tais como a tributária e educacional, tão mencionadas em campanha, são incapazes ou não tem interesse de fazer. Democracia debandando para a demagogia. Ano que vem tem Copa do Mundo, prostituta feliz e “turista” também. Essa “festa” ficará bem cara. Dinheiro público – um circo.
É uma falácia a ideia de que o povo é bondoso e sofredor e somente os governantes são gananciosos e perversos. Rosseau e Max “mentiram” sobre o caráter do povo. Até na Bíblia os profetas criticam o povo. Iníquo, corruptor e “burro” para o profeta Isaías. Samuel alertou sobre o perigo dessa mania de querer ser igual as nações “mais desenvolvidas”. A “fuleiragem” e povo andam de mãos dadas. Percebemos quando estamos em uma nação iníqua quando pecado passa a ser visto como virtude. Qualquer ser humano comete pecado, mesmo os santos, no entanto, transformar pecado em motivo de orgulho e propagar isso como bandeira é de um cinismo tremendo! Os fariseus foram superados! Quanto as reformas elementares, tais como a tributária e educacional, tão mencionadas em campanha, são incapazes ou não tem interesse de fazer. Democracia debandando para a demagogia. Ano que vem tem Copa do Mundo, prostituta feliz e “turista” também. Essa “festa” ficará bem cara. Dinheiro público – um circo.
Excelente texto, que argumentação! Sensacional!
Muito bem estruturada a refutação ao texto da Carta que também nas entrelinhas,tem na sua essência um “pré-conceito” e intolerância camuflados.
Contudo,afirmar que desconhecia,que não teria conhecimento do cerne da campanha,me parece sim,um erro,uma falha ou uma maneira de amenizar as responsabilidades,achar bodes expiatórios e acreditar que a sociedade brasileira ainda é tão ingênua a ponto de aceitar passivamente tais desculpas.O veto à campanha trouxe à tona o que ja sabemos: intolerância polarizada entre vários grupos.E sim,queiramos ou não,a realidade de que há o avanço do problema da transmissão da aids,hepatites e outras dst´s .não.o problema n está controlado e portanto,faz-se necessário sim,ações de prevenção direcionadas especificamente a estas populações e àquelas que acreditam ser absolutamente nao vulnerável.
Historicamente,acertou-se muito,tanto que este pais é referência mundial no combate a Aids,justamente pelo diálogo estabelecido.Tem-se errado,hoje,justamente pela falta deste quando é vetado o meu direito de discordar que se é feliz com a prostituição ,bem com é vetado do outro de ser orientado a se proteger.
Aaaahhh se a briga pelo exercicio de todos os nossos direitos trouxessem problematizações semelhantes,
provavelmente teríamos um país mais justo e menos desigual.
Isso não é campanha de prevenção, mas, promoção do vício. Ninguém pode dizer que é plenamente feliz, sempre falta algo; mas, se o governo diz que a felicidade mora no meretrício… francamente. Se alguns evangélicos traem seus discursos envolvidos com tais, isso faz deles hipócritas, não da prostituição, algo santo, ou sadio. Mas se quiserem levar o “Chauvinismo cronológico” às últimas consequências, Cristo é de antes do medievo, e disse que Suas Palavras não hão de passar. Não é o céu que não existe, mas vergonha em muitas caras de pau.
Muito esclarecedor e útil o artigo sobre prostituição de conceitos da saúde, secularismo, estado laico. Ageu Lisboa
Excelente artigo, Guilherme. Porém lutamos uma batalha cujo final nós já conhecemos. Uma geração perversa e hipócrita não irá aceitar a verdade da palavra de Deus porque confronta o EGO de uma sociedade cada vez amais egocêntrica e ameaça tirar o homem do trono da sua própria vontade. O resultado disso é como vemos pessoas com suas almas já destruídas que afirmam ser felizes fazendo aquilo que às destrói. Como você bem referenciou “-já que estamos na lama, vamos amá-la” . O desprezo pelo pensamento medieval vem da crença fundamentalista que muitos tem na evolução. Isto leva as pessoas a acreditarem que o que fazemos hoje e a maneira como conduzimos a sociedade é melhor que no passado. Devido à ignorância de nível mundial as pessoas simplesmente engolem tais ideias sem perceber o grande prejuízo que estão prestes a manifestar.
Belo texto, um libelo contra os “politicamente corretos” que querem fazer valer as suas anomalias e “ensinar os pastores a pregar”. Precisam, isto sim, ler mais a Bíblia, se é que algum dia já a leram, e entender que prostituição é uma prática nociva á sociedade, embora seja legal por força da lei. Uma coisa é praticar a prostituição, outra bem diferente, é propagar e divulgar esta prática como algo normal, correto e saudável a ponto de fazer alguém “feliz”. Muito bom o texto.
[…] Li uma frase que me fez sentido: “O estado que promove ativamente a secularização não é laico; é secularista.” (link da fonte) […]
Gostei. Fazia tempo que não lia um texto tão bem exposto, que não agride a lógica, consistente. Aprendi com ele.
Parabéns!
Coisa boa ler um artigo inteligente botando abaixo a falta de respeito com que o governo vem tratando o povo, enganando-o com pão e circo, aproveitando-se de seu baixo nível educacional. Isto é tão verdade que sempre há quem defenda as sandices oficiais por aí. O que é fato aqui, e profundamente lamentável, é que grande parte da população brasileira não entenderá este artigo e o quão verdadeiro ele é. É de chorar, depois de me alegrar tanto com o texto.
Gostaria de acrescentar que nem mesmo as prostitutas gostaram de ter sua imagem associada à propagação da AIDS tendo desautorizando o seu uso na campanha. Concordo com todo o exposto pelo autor do artigo, enquanto mulher penso que “dar visibilidade” a este tipo de “profissão” não é bom para um país que já é considerado no exterior como rota do turismo sexual. Não esqueçamos que muitas dessas prostitutas iniciam sua vida ainda na adolescência, é no mínimo um contra-senso para uma sociedade que diz que luta contra a pedofilia. A prostituição tem suas origens em tenra idade, não se iludam…
Fantástico Gui!
È um argumento e tanto!nos crentes en Jesuscristo temos que perder o medo de nos manifestar alinhados com A Palavra,a final Deus cobrará de nos,pois para isso estamos aqui,temos que estarmos dispostos a pagar o preço.
Gostei muito desse texto, é bom ler um texto do ponto de vista cristão que faça meu cérebro ferver mais do que os dos secularistas, que tem se aproveitado da ignorância alheia nos fazendo soar pior que os macacos do inicio do 2001: odisséia do espaço. Cristiane, vc está certíssima, nem todas, mas muitas mulheres iniciam suas carreiras nesse ramo muito antes dos 18 anos.
A brasileira já tem fama mundial de mulher objeto. Centenas de celebridades gringas já vieram se esbaldar em imagens vergonhosas de passagens pelo Rio de Jneiro. E a midia mostra isso como se fosse mais normal que feijão com arroz. Matutando sobre isso tudo, 3 palavras me vieram a mente numa espécie de insight: Copa do Mundo.
Tudo se resume nesse interesse específico atualmente.
Gostaria que, se a alguém se interessar, que me recomendassem bibliografias de textos filosóficos, teológicos (e lógicos) que destrinchassem mais a discussão que o autor do texto coloca. A questão da moral, a modernidade e pós-modernidade, secularismo, estado laico, etc.
Valeu!
Excelente este texto. O Brasil está impregnado do políticamente correto e das idéias da esquerda, que não representam avanço, mas retrocesso e caos em todos os sentidos.
O preconceito sempre presente de que evangélico é atrasado e ignorante está claro no artigo da Carta Capital. Muito bom que pessoas lúcidas, inteligentes, cultas e com clareza de raciocínio ergam a voz contra absurdos como esse.
Excelente! E saberão que ouve no meio deles profeta!
Muito consistente.
Excelente!!!
Parabéns Guilherme!
Uma análise com muita lucidez e consistência sobre um artigo tendencioso, refutando todos os argumentos sem lógica de um jornalista sem isenção, que deveria ser a postura de quem deseja fazer um jornalismo sério.
Muito bem! Rechaçou de vez toda a pseudo argumentação deste escritor secularista.
Muito bom Guilherme!
Obrigada por defender de forma tão clara, isso ajuda bastante!
Este é um assunto explosivo, que parece não render muita discussão na sociedade em geral, e nas igrejas. O que é, a meu ver, uma pena.
Será que o ministrou errou?
As críticas publicadas no semanário Carta Capital1 são absolutamente infundadas? Assinaria eu a réplica publicada no sítio da Ultimato2?
Organizando meus pensamentos, inicio pelo mais fácil: não há possibilidade da prostituição voluntária (não estou pensando, por exemplo, nas coreanas obrigadas a servirem sexualmente o invasor japonês na primeira metade do século XX), em qualquer uma de suas formas (voluntária, masculina, feminina, transgênera, cultual, etc), estar em consonância com as Escrituras cristãs. Não há lugar, no Reino de Cristo, para este ramo de atividade. Não é possível àquele(a) que “nasceu de novo” usar dos serviços do(a)s trabalhadore(a)s do sexo ou explorá-los de alguma forma.
O segundo pensamento fácil é a antiguidade e onipresença desta atividade. Provavelmente poucas culturas não a tem, ou nunca a tiveram. Possivelmente continuará a existir, na legalidade ou na ilegalidade, até a segunda vinda de Cristo.
Aumentando o nível de dificuldade, quantos que se manifestaram sobre este assunto já conversaram com prostituta(o)s? Quantos já ouviram suas histórias de vida, seus recursos para manter em segredo seu trabalho, ou a opinião de suas famílias? Quantos já se perguntaram e investigaram, deixando de lado o jargão e a visão romântica, sobre as razões da escolha por este mister?
O ofício do meretrício
Cada profissão solicita um perfil psicológico e social. Os perfis dos advogados não são os mesmos dos professores que não são os mesmos dos engenheiros que não são os mesmos dos cantores que não são os mesmos dos assistentes sociais que não são os mesmos dos médicos…que não são os mesmos dos trabalhore(a)s do sexo. Por exemplo, os profissionais da medicina, enquanto grupo, se caracterizam também pelo prazer sádico e de controle3. O que caracteriza o(a)s do sexo?
Algumas pesquisas4 sugerem a existência de 1,5 milhão de prostitutas no Brasil na década 2000-2010. As analfabetas chegariam a 4%, e as com ensino fundamental, 70%. Portanto, 26% possuiriam uma escolaridade maior. A maioria ganharia de 1 a 4 salários-mínimos mensais.
Gabriela Silva Leite5,6 é prostituta por opção desde os 22 anos de idade. Não por falta de condições econômicas, mas por se identificar e realizar-se nesta profissão. Vê no termo “puta” diversas conotações positivas7, e luta para valorizar esta profissão. Casada, mãe e avó. Publicamente reconhecida como prostituta. Será ela uma exceção? Será sua atuação uma doença? Pergunto: nossas opiniões e crenças sobre o mundo do meretrício fundamentam-se em informações indiretas moldadas em preconceitos ou em ouvir os envolvidos no assunto?
A questão da felicidade
Portanto, caminhando pelos trechos mais espinhosos, por que as prostitutas não podem ser pessoas autenticamente felizes? Afinal, o que entendemos por felicidade? Um estado permanente de satisfação, contentamento, bem-estar e sucesso? Se assim for, não há ser humano feliz, pois não há ninguém (apresente-se o que discordar) que seja diuturnamente, sem interrupção, feliz. Há momentos felizes, mais ou menos, na dependência de fatores externos e internos, controláveis e não controláveis, mesmo em cenários extremamente cruéis e degradantes, como nas guerras.
Rosana Schwartz aponta que suas pesquisas sugerem entre 5% e 6% as prostituas felizes com a profissão8. Dirceu Greco questiona se felicidade não estaria no poder ser feliz mesmo ganhando a vida de um modo duro9 – o que não é exclusividade da prostituição.
Verdade que “vida fácil” é o que a maioria delas não tem. Programas de R$10,00 a R$20,00, com as “despesas profissionais” (artigos de limpeza, preservativos, hotel que lhes serve de local de trabalho) por sua conta, quantos clientes (e que clientes!) deveriam atender para receber, livres, um salário-mínimo? Supondo que não haja “cano”, nem subornos a pagar, dentre outras variáveis. Verdade que as menos afortunadas social e culturalmente sejam felizes em escala inferior àquelas de nível superior.
Marco Lacerda10 conta o que ouviu de um amigo, prostituto homossexual: sentia-se usado, como um objeto. Assim se sentem muitas garotas de programa: “tenho nojo de homens”.
Apesar da remuneração, apesar da insalubridade, apesar do preconceito, apesar da hipocrisia, a prostituição permanece como opção abraçada, sem dramas, por dezenas de milhares de mulheres. Inclusive porque há clientes em número suficiente para estas dezenas de milhares em um esquema de alta rotatividade.
Novamente insisto: não é uma atitude / atividade que tenha respaldo moral no Evangelho de Jesus Cristo.
Arrisco uma afirmativa: não é uma atividade procurada apenas por ser a “única opção que restou para a sobrevivência”.
É uma atividade exercida por pessoas que negam a obrigação da relação entre sexo e afetividade, que veem na atividade sexual apenas um “descarregar das pulsões”, um alívio de uma necessidade biológica. Pessoas que são “estranhos morais” daqueles que têm como base da moralidade as Escrituras cristãs. Mas são pessoas regidas por um código moral, indubitavelmente (aliás, haverá sociedade, ou grupo social, verdadeiramente amoral?).
Logo, a questão do Ministro da Saúde se define pela moralidade e não pela veracidade da afirmativa exposta em um dos cartazes: “eu sou feliz sendo prostituta”11.
E de onde surgiu esta frase? Segundo Dirceu Greco, das próprias prostitutas12, acompanhada de outras, como “eu não posso ficar sem camisinha, meu amor”.
O artigo publicado no sítio da Ultimato levanta que a questão da campanha, antes do seu abortamento, é a aprovação moral implícita da prostituição13, e não o direito à saúde, ao respeito.
Proteção a quem?
Mas, como já comentado, a partir de qual moral? Sem dúvida, não há aprovação a partir da moral cristã. Mas este país, como talvez a maior parte nas nações, é uma amálgama de estranhos morais, onde a legislação tende a refletir o equilíbrio de poder entre eles. Equilíbrio de poder não é sinônimo de maioria, mas da capacidade de articular para obter sucesso político. E, tomando a moral cristã como base, como se justifica a imposição de uma moral sobre a outra, lembrando que as duas são estranhas entre si, e abraçadas por razões não restritas às intelectuais?
Uma das perdas neste debate abortado foi esta: que país de estranhos morais queremos e como nos articularemos para sê-lo?
Assumindo o número de 1,2 milhão de prostitutas, qual é o número de clientes? Difícil precisar, e desconheço alguma estatística. Mas é necessário que seja muito superior. Quantas vezes? 5? 10? Somente são vendidos produtos com compradores. Portanto, só há prostitutas por haver pessoas, em grande número, que desvinculam afetividade de atividade sexual; que fantasiam o exercício da genitalidade em um contexto de domínio, posse, compra, e não na troca, doação e igualdade. Não são elas que têm uma profissão de risco; são seus clientes que mantém um risco permanente à saúde, inclusive quando pagam a mais pelo sexo sem preservativo. Clientes que incluem suas esposas no risco, pois a clientela, na prostituição, vai de solteiros a casados, de mulheres a travestis. Aparentemente, os idealizadores da campanha preocuparam-se com o lado mais fraco da equação, as trabalhadoras. O mais fraco por serem mulheres que consentem, em troca do dinheiro que as sustenta e as suas famílias (quando as têm), serem usadas e rapidamente descartadas. Parece-me que ao protegê-las, a rede de segurança se espalha por uma fatia bem maior da sociedade. E este fato não foi analisado pelo Guilherme de Carvalho ao sugerir que elas buscam um “direito especial”.
O argumento científico
A ciência nunca foi uma atividade ideológica ou moralmente neutra. Sua agenda também é determinada pelo contexto sociopolítico onde ela é executada. E ela não é um ser, muito menos dotado de autonomia. É uma atividade desenvolvida por seres humanos com uma agenda, com uma ideologia, com uma moralidade, com necessidades econômicas. Equivoca-se gravemente quem defende sua argumentação com “a ciência diz que”. O mais correto seria dizer, no máximo, “o modo como eu interpreto os dados a minha disposição, e que foram coletados pela metodologia tal e analisados pela técnica estatística pertinente, permite que eu conclua que, na minha amostragem tal situação…”
Não existe uma disputa entre a ciência “laica” do Estado e a ciência “religiosa” de grupos extra-Estado. Existe um conjunto de dados que, dentro da metodologia utiliza, sugere ser mais eficiente o combate à AIDS quando se reforça a autoestima dos envolvidos. Moralizar as consequências destes estudos é negar as suas conclusões sem analisá-los. É condenar sem provas, é condenar sem ouvir o acusado.
Infelizmente, o Guilherme não completou a crítica com a análise dos trabalhos. Mas reduziu-a à moral. Pergunto: devo deixar as prostitutas se resumirem, enquanto seres humanos, exclusivamente ao que elas desempenham profissionalmente? Serão pessoas absolutamente más, não merecedoras de nenhum cuidado, exclusivamente por serem meretrizes?
A única possibilidade, neste quesito, é demonstrar de modo razoável que as conclusões dos ditos trabalhos não se sustentam em função dos fatos tais. Ou pela apresentação de trabalhos igualmente válidos com conclusões opostas.
Evangelho/evangélicos e política
Os evangélicos – e eu sou evangélico professo em denominação histórica – teimam em sonhar, politicamente, com o imperador Constantino e com o Velho Testamento. Constantino (tenho cá minhas dúvidas sobre sua real experiência religiosa) alçou o cristianismo à religião estatal/imperial, com todos os benefícios decorrentes. O que, provavelmente, subsidiou o uso do aparelho repressivo do Estado contra os hereges alguns séculos depois. O Velho Testamento regulava uma sociedade na qual não havia o direito de escolha: pertencia-se ao povo eleito, e a todo o seu ordenamento jurídicio-litúrgico-sacerdotal-teológico compulsoriamente. Mas o Novo Testamento traz a única teocracia possível neste mundo: a Igreja. E esta desprovida do poder da força humana; unicamente fortalecida pelo Espírito Santo.
Não consigo ver nas Escrituras nenhuma possibilidade razoável de legitimidade em impor, pela força estatal (que pode significar também o voto), a moral cristã (que eu, enquanto cristão, voluntariamente aceito e me submeto) àqueles que a recusam.
Neste sentido concordo com a crítica do Pedro Serrano, publicada pela Carta Capital, em relação à bancada chamada de evangélica. O seu interesse eleitoreiro, o seu despreparo para servir àqueles que não são evangélicos (o que é uma traição ao Evangelho), a sua incapacidade de ouvir, e o seu desejo de poder são fonte permanente de constrangimento para mim. Repito, sou protestante, membro e oficial de igreja histórica. E não acredito estar sozinho neste desconforto.
Pergunto à tal bancada: qual é a proposta realista (ou seja, excluindo o fim da prostituição) que ela tem para o enfrentamento das doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS? Qual a proposta realista (ou seja, excluindo o fim da profissão de prostituta) que ela tem para, sem humilhar quem já é muito humilhada, melhorar a qualidade de vida destas mulheres, reduzindo os riscos à saúde delas e dos seus clientes e das esposas dos seus clientes?
Afirmo à tal bancada: a inexistência de proposta realista é a aceitação implícita da realidade tal como ela hoje é.
Mas temo que esta tal bancada acenda uma vela aos pés de Pôncio Pilatos.
Por último, dou minha opinião. O ministro errou ao cancelar a campanha – talvez devesse tê-la discutido um pouco melhor de modo a não ferir nossas suscetibilidades. O ministro errou vergonhosamente ao demitir o Prof. Dr. Dirceu Greco – ato este tomado, aparentemente, por não ter coragem de ser, e não estar, ministro da saúde deste país.
publicado em http://crerpensar.blogspot.com.br/2013/06/o-ministro-padilha-errou.html
Bom perceber que ainda temos vozes capazes de refutar esses “críticos sem autocrítica”… Se fazer de informado com tanta desinformação!!parabéns ao autor!
Porque todos querem que suas escolhas morais pessoais recebam direitos especiais?