O caráter contemporâneo de tentações antigas

O caráter contemporâneo de tentações antigas

Texto Básico: Mt 5.17-20

Leitura diária
D Gn 3.1-7 A primeira tentação
S Mt 4.1-11 Jesus tentado no deserto
T Mt 5.17-20 Jesus veio cumprir a lei
Q 1Tm 2.13-15 Adão não foi enganado, mas pecou
Q 2Tm 2.14-26 Fugindo das paixões
S 1Co 6.12-20 Fugindo da impureza
S PV 22.1-3 O prudente se esconde

Introdução

Todos os dias temos que nos virar com as tentações constantes que sofremos. Elas estão em toda parte. Quando ligamos a TV, navegamos pela internet ou paramos diante de uma banca de jornais para acompanhar as manchetes, lá estão elas. Apesar da grande onda de sensualidade em que vivemos, as tentações que sofremos não se limitam ao campo sexual da vida. Aqueles que administram e fiscalizam o emprego dinheiro público ou gerenciam grandes empresas também precisam vigiar dia após dia porque muitas são as tentações que sofrem todos os dias para a má utilização de seus cargos e da autoridade que possuem. E o que dizer da tentação da preguiça, do oportunismo, da omissão, das meias verdades e de tantas outras? Certamente as tentações não são um problema surgido recentemente. Na linguagem popular, pode­mos dizer que isso é mais velho que andar pra frente. A Bíblia relata muitas delas. Na lição de hoje, veremos algumas destas tentações e aprenderemos a vencê-las.

I. A primeira tentação: anarquismo

A primeira tentação registrada na Escritura é a que Eva sofreu por parte de Satanás, ainda no jardim do Éden (Gn 3.1-7). Não exami­naremos aqui o modo como esta tentação evoluiu até que o pecado foi consumado, mas o objeto da tentação, isto é, veremos o que Satanás sugeriu a Eva para convencê-la a comer do fruto proibido e qual era seu real objetivo por trás disso. Este objeto é claramente expresso no texto bíblico: “Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (v. 5). Ser como Deus. O fruto era bonito e desejável, mas a tentação era ser como Deus. Na prática, o que a serpente estava sugerindo? Quem era Deus?

Eva sabia que Deus era o Criador e o Senhor de tudo o que existe. Ser como Deus, portanto, era ser senhora de sua própria vida e poder julgar por si mesma o que é bom e o que é mau, sem ter que depender de Deus para isso. Em outras palavras, a tentação que a serpente lançou sobre Eva foi a de rejeitar o governo soberano de Deus e ser ela mesma a senhora de sua vida e de suas relações com o restante da criação. Esta rejeição da autoridade sobera­na de Deus para se estabelecer como senhora de sua própria vida, seguindo a orientação de sua própria vontade e de seu próprio raciocí­nio, recebe o nome de anarquismo.

“Anarquismo” significa a rejeição do governo e o estabelecimento da ordem por meio da concordância voluntária de todas as pessoas de uma comunidade. As pessoas sim­plesmente se dispõem a fazer o que é melhor para todos e tudo funciona bem. Bem, pelo menos na imaginação dos anarquistas. Esta teoria se baseia na hipótese de que a natureza humana seja boa e todos queiram o bem da coletividade. Sabemos que isso não é verdade. A Escritura nos ensina que a natureza humana, como vimos na lição 2, é contaminada pelo pecado. A experiência nos mostra que, por causa do pecado, as pessoas procuram, acima de tudo, alcançar seus próprios interesses, deixando em segundo plano ou, em alguns casos, até mesmo desprezando totalmente o interesse da coletividade. No caso da tenta­ção de Eva, a ideia de poder ser senhora de sua própria vida e de suas próprias ações foi um ato de aberta rebelião contra Deus e seu governo soberano e bondoso.

Os chamados “anarquistas cristãos” são aqueles que, alegando estarem livres da lei, procuram viver sem atentar para os preceitos morais e éticos claramente estabelecidos na Escritura, dizendo que a lei já passou. Vive­mos no tempo da graça e a lei é coisa do passa­do, coisa do Antigo Testamento. Na verdade, a obra de Cristo não anula nem revoga a lei (Mt 5.17-18). Jesus cumpriu toda a lei, mas isso de modo nenhum significa que não exista nenhum proveito na lei para os cristãos. O fato é que os preceitos morais da lei (tais como os Dez Mandamentos) continuam em vigor ainda hoje e precisam ser obedecidos. Os cristãos precisam da lei de Deus para orientar sua conduta. O adultério, a idolatria, o assas­sinato e o roubo, por exemplo, eram pecado no tempo do Antigo Testamento e continuam sendo pecado hoje. O mesmo pode ser dito sobre todos os preceitos morais encontrados na Escritura. Os cristãos precisam vigiar para não serem atraídos e seduzidos pela mesma tentação que atraiu e seduziu Eva. Nós, que, pelo ensino da Escritura, podemos ver onde ela errou, não devemos cair no mesmo erro. De acordo com a Escritura, “o prudente vê o mal e esconde-se, mas os simples passam adiante e sofrem a pena” (Pv 22.3).

Um outro ponto importante sobre a primei­ra tentação é que a tentação foi apresentada não a Adão, mas a Eva. Depois de comer do fruto proibido, Eva se encarregou de dá-lo ao seu marido e ele comeu (Gn 3.6). Não há registro de que ela tenha tentado Adão a co­mer do fruto. Ela simplesmente o deu a ele e ele comeu. Observe que, embora o texto não diga claramente que Adão estava presente e viu tudo o que aconteceu, ele sugere isso. Todos os verbos usados pela serpente estão no plural, como quem fala com mais de uma pessoa. Adão esta presente e não foi enganado pela serpente (1Tm 2.14). Ele sabia que suas palavras não correspondiam à verdade e, por isso, tinha total condição e até a obrigação de interromper esta tentação e zelar pela manutenção da obediência ao Senhor. No entanto, ele preferiu se calar e observar. Adão ficou calado enquanto Eva era enganada pela serpente. Quando Eva comeu do fruto e o deu a ele, ele comeu. Tendo visto que Eva havia comido e, aparentemente, nada havia acontecido de mal com ela, ele se sentiu encorajado a comer também, provavelmente imaginando que não haveria consequências. Eva seguiu a serpente, Adão seguiu Eva e ninguém seguiu a Deus. Embora Eva tenha sido tentada e tenha pecado primeiro, este evento passou a ser conhecido como o pe­cado de Adão (Os 6.7; Rm 5.14; 1Co 15.22) porque foi com ele que a aliança foi firmada e ele é que era nosso representante.

 II. As tentações de Jesus: antropocentrismo

As tentações sofridas por Jesus também têm muito a nos ensinar sobre o modo como podemos resistir a elas e sobre sua eficácia e seu poder quando não vigiamos como deverí­amos. Ele foi tentado pelo diabo no deserto e em muitas outras ocasiões de sua vida. Veja­mos em que consistiam estas tentações.

Em Mateus 4.1-11, temos o relato das tenta­ções que Jesus sofreu no deserto, pouco antes de iniciar seu ministério. A primeira tentação lançada pelo diabo foi que Jesus transformas­se as pedras em pães para saciar sua fome, depois de quarenta dias de jejum (Mt 4.2-3). Esta tentação trata da satisfação imediata das necessidades humanas. Jesus havia jejuado por quarenta dias e, em breve, quebraria o je­jum, mas não por causa da tentação do diabo. Esta tentação é muito forte e muito presente em nossos dias. Somos diariamente tentados a satisfazer nossas necessidades de forma imediata em todas as áreas da vida. Na área sexual, por exemplo, é forte a tentação para que casais de namorados tenham vida sexual ativa. Este contato sexual existirá depois do casamento, mas praticá-lo antes disso é dar ouvidos à tentação do diabo. Esta tentação também é fortíssima na sociedade consumista em que vivemos. Somos muito tentados a gas­tar mais do que recebemos, confiando no limi­te do cartão de crédito ou do cheque especial para suprir imediatamente uma necessidade, uma vontade ou um capricho que poderia ser suprido mais tarde, quando tivéssemos dinheiro para isso. Esta tentação tem sido a causa da falência financeira de muitas pessoas e famílias. Em resposta a esta tentação, Jesus responde: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boa de Deus” (v. 4). A obediência à palavra do Se­nhor é mais importante, mais urgente e mais valiosa que o suprimento imediato de nossas necessidades e vontades. Deus sabe do que precisamos e nos supre. Alguns pecados re­lacionados diretamente a este tipo de tentação são a ganância, a cobiça e a inveja.

A segunda tentação foi: “Se és Filho de Deus, atira-te abaixo” (vs. 5-6). Esta tentação procurou fazer com que Jesus provasse Deus para se colocar em evidência entre os judeus de modo fantástico, mas não pelo exercício fiel de seu ministério. O que poderia ser mais fantástico do que ver Jesus ser segurado por anjos e colocado delicadamente no chão? Esta tentação também é muito forte em nossos dias. Quando as pessoas se empenham por ter uma vida honesta e direita, ou para ter um exercício profissional de boa qualidade, é natural que elas sejam admiradas por quem convive com elas. No entanto, é muito frequente vermos pessoas tentando alcançar a admiração e o respeito dos outros colocando-se em evi­dência por meio de atividades fantásticas, geralmente de alta periculosidade. É este tipo de tentação que leva pessoas a usarem o carro como uma arma, a participarem de rachas, a usarem drogas e a se vangloriarem diariamente pelos motivos mais variados. Jesus respondeu a esta tentação dizendo: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (v. 7). Quem cede a estas tentações corre riscos desnecessários. Deus cuida de nós e sua providência santa nos alcança todos os dias, dando-nos bênçãos maravilhosas em todas as áreas da vida, mas, quando nos expomos desnecessariamente ao perigo, estamos tentando ao Senhor, para ver se ele cuida mesmo de nós ou não. Isso não é agradável a Deus. Alguns pecados relaciona­dos diretamente a esta tentação são o orgulho, a vaidade e luxúria.

A terceira tentação sofrida por Jesus no deserto foi: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (vs. 8-9). O diabo ofereceu tudo a Jesus em troca da adoração. É claro que há grandes questões teológicas envolvidas aqui. A primeira delas é, embora tenha oferecido tudo, o diabo não é dono de nada. O salmista afirma: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1). O diabo não é dono de nada. Embora a Escritura diga que ele é o “príncipe deste mundo” (Jo 12:31; 14:30; 16:11), o Senhor sempre foi e sempre será o Rei dos Reis e Senhor dos senhores (Ap 17.14). Embora, em sua vida terrena, ele tivesse se esvaziado para se tornar um de nós e fosse verdadeiramente homem, ele continuava sendo verdadeiramente Deus. Outra questão teológica de grande importân­cia envolvida aqui é que Jesus era o Messias, o Logos, por isso, não poderia jamais adorar o diabo. No entanto, a abordagem da lição de hoje trata do tipo da tentação. Embora o caráter messiânico da tentação só tenha tido valor para Jesus porque só ele é o Messias prometido, não resta dúvida de que este tipo de tentação se repete hoje com muita frequência. Trata-se da tentação de alcançar os fins sem se importar com os meios. Esta é uma tentação bastante atual. Quando usamos meios desonestos para ganhar eleições (às vezes até mesmo eleições para cargos eletivos da igreja), quando mentimos para defender nosso ponto de vista ou quando escondemos a verdade para estimular uma pessoa a fazer alguma coisa, estamos cedendo à tentação de alcançar os fins sem nos importarmos com os meios. Deus estabelece os fins nobres que devemos alcançar, mas também estabelece meios igualmente nobres para que estes fins sejam alcançados. Nenhuma mentira, omissão ou meia verdade deve fazer parte de nosso repertório de recursos. Os pecados associados a este tipo de tentação são a mentira, a ira, a trapaça e a maledicência.

Estas tentações sofridas por Jesus no de­serto têm um forte teor antropocêntrico. Você sabe o que é isso? A palavra “antropocêntrico” vem de “ântropos” (“homem” no sentido de “ser humano”) e “cêntrico” (“aquilo que está no centro”). “Antropocêntrico”, portanto, é aquilo que coloca o ser humano no centro, de modo que ele passa a ser o ser mais importante de sua própria vida e de sua visão de mundo. A Escritura nos ensina a ter uma percepção teocêntrica da vida, isto, ela nos ensina a per­ceber que Deus é o centro de todas as coisas e tudo existe em função dele. Quando temos esta percepção, conseguimos orientar nossa vida de acordo com o que aprendemos na Es­critura, tendo em Deus o ponto de partida e o ponto de chegada de todas as coisas e sabendo que tudo existe por ele e para ele, como diz o apóstolo Paulo: “Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36).

No entanto, quando nossa percepção da vida e da realidade é antropocêntrica, isto é, quando vemos o ser humano e nós mesmos como o centro de todas as coisas, de modo que tudo existe em função de nós mesmos, do que pensamos e do que queremos, ficamos totalmente expostos aos mais variados tipos de tentações e pecados. Colocando-nos no centro de nossa interpretação da realidade, não teremos dificuldades em nos empenhar na satisfação imediata de nossas necessidades, vontades e caprichos, nem em nos colocar­mos em evidência pelos modos e meios mais fantásticos e bizarros, nem em usar todos os meios, lícitos e ilícitos, para alcançar o que queremos. A grande questão que se levanta aqui é: Deus se agrada disso?

Não há dúvida de que conhecer o caráter da tentação é algo bastante útil para não nos ajudar a abrir os olhos e vigiar atentamente para nos deixarmos envolver pelos seus laços. Assim que identificarmos a tenta­ção, devemos fugir dela, cumprindo o que a Escritura ensina: “Foge, outrossim, das paixões da mocidade” (2Tm 2.22); “Fugi da impureza” (1Co 6.18). Para que você fique protegido contra os atos de pecado, você precisa fugir das ocasiões propícias ao cometimento destes atos. Lembre-se: Deus não fica impressionado com sua capacidade de se expor à tentação e não pecar, mas se agrada de sua atitude de fugir do pecado e das situações de pecado e zelar por sua santidade.

Conclusão

O pecado é o grande problema com o qual temos que lidar todos os dias. E se temos que lidar com o pecado, temos que lidar também com as tentações, que são os meios e os mo­dos pelos quais somos atraídos e seduzidos a cometer o pecado. É difícil lidar com algo a respeito do qual nada sabemos. Ter que lidar com uma tentação sem saber qual é seu objetivo é uma forma de nos expormos à sua eficácia. Por outro lado, conseguindo identificar o objetivo das tentações que so­fremos, podemos sanar nossas deficiências e fraquezas, vigiando zelosamente para não cairmos em tentação.

Aplicação

Diariamente surgem tentações que procu­ram nos atrair e seduzir em todas as áreas de nossa vida. Qual é o proveito prático de podermos identificar o objetivo da tentação? Como isso pode nos ajudar no cumprimento de nosso dever de vigiar e orar para não cairmos em tentação? Como isso pode nos ajudar a zelar pela nossa santidade diante de Deus?

>> Publicado na Revista Palavra Viva Os seres humanos e a queda, 4º trimestre 2010

>> AUTORIA DA LIÇÃO: Vagner Barbosa

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Um comentário para “O caráter contemporâneo de tentações antigas”

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