Crises e sucesso na jornada missionária

CRISES E SUCESSO NA JORNADA MISSIONÁRIA

 

Texto básico: Atos 16.5-11

Leitura diária
D Rm 7.7-25 Graças a Deus por Jesus
S Rm 8.1-17 Guiados pelo Espírito
T Rm 8.18-27 Salvos na esperança
Q Rm 8.28-39 Todas as coisas cooperam
Q Rm 9.1-18 Nem todos são israelitas
S Rm 11.25-32 Misericórdia para todos
S Rm 11.33-36 Para ele, todas as coisas

Introdução

Todos passamos por períodos de crises. Crise, decepção e fracasso acompanham a vida humana em praticamente todas as suas dimensões, à semelhança das vitórias e sucessos. Como servos de Deus, também não estamos livres de enfrentar as dificuldades comuns aos seres humanos. Além disso, de forma específica, passamos por certas lutas relacionadas às posturas assumidas em relação à fé (1Pe 4.12-19).

Em sua jornada missionária, a igreja – povo de Deus (não apenas seus obreiros e missionários), passa também por momentos em que crises e sucessos se alternam. À vezes, nos períodos de crescimento, ficamos com a impressão de que as dificuldades foram totalmente vencidas e não voltarão mais. Já nos períodos de dúvidas, crises ou fracassos perdemos a motivação e nos guiamos pelas glórias do passado ou pelos sucessos dos demais. Parece que, em ambas as situações, não vemos com clareza a história dos caminhos de Deus refletidos em sua Palavra.

Como igrejas, obreiros e famílias cristãs, vivemos constantemente crises e sucessos na jornada missionária que recebemos de Deus. Ao longo dessa jornada missionária, é de fundamental importância encontrar nos parâmetros da Palavra de Deus a sustentação para que não desanimemos por completo com as crises, nem nos tornemos triunfalistas com os sucessos. É muito importante encontrar tanto nos bons quanto nos maus momentos a ação e os propósitos de Deus para nossa jornada missionária e ministerial.

1. Fases de vitória e de sucesso

A narrativa de Atos 16 nos auxilia de forma especial nesse sentido. Após o concílio realizado em Jerusalém (15.1-21), o envio da carta de orientação do concílio aos cristãos gentios (15.22-35), e a resolução do sério desentendimento que separou Barnabé de Paulo (15.36-41), o texto narra a partida de Paulo e Silas retornando às igrejas para as fortalecer (15.40-41) e para as instruir quanto às decisões do Concílio de Jerusalém (16.4). O início dessa segunda viagem missionária foi marcado por alegrias, reencontros e vitórias. Vemos que esse conjunto de ações pastoral-missionárias, realizado por Paulo, Silas e Timóteo (16.1-3) foi marcado por muito sucesso: “assim as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número” (16.5). Na verdade, as palavras do v. 5 representam a vitória com que essa fase do trabalho pastoral-missionário de Paulo e sua equipe foi completada.

Após essa fase de vitória e sucesso, a equipe de Paulo perambulou por uma extensa região (Frígia e Galácia) buscando oportunidades concretas, dadas por Deus, “de pregar a palavra na Ásia”, mas foram impedidos pelo Espírito Santo (16.6). Foram até a fronteira da Mísia, tentaram entrar na Bitínia, deram a volta pela Mísia até chegarem a Trôade (16.7-8). Toda essa andança em busca de definições e oportunidades ministeriais, no mínimo, tomou-lhes um enorme tempo e custou a eles investimento em viagens, hospedagens e alimentação. Mas, além disso, certamente, essa situação os levou a diversas indefinições, a “tentativas e erros” e ao cansaço. Ligado a isso, notamos que, após a fase de tantas vitórias e sucessos, Paulo e sua equipe estavam cientes de que eram impedidos de pregar a Palavra pelo “Espírito Santo” (16.6) ou pelo “Espírito de Jesus” (16.7). O que haviam feito de errado? Por que isso estava acontecendo justamente com eles, que haviam deixado tudo e se dedicaram de corpo e alma à obra missionária? Certamente eles não compreendiam com clareza as razões, os porquês e os propósitos de Deus com tudo aquilo. De uma fase de muito sucesso, passaram a viver uma crise.

2. Deus nas tentativas e erros

É muito edificante observar que eles associaram as várias circunstâncias adversas que os impediram de atuar naquelas províncias (nem sabemos que adversidades foram essas) com uma ação específica de Deus. Não se contentaram em analisar os impedimentos como meras dificuldades humanas ou como se fosse uma perseguição de Satanás tentando impedi-los de realizar a obra de Deus. Ao contrário, quando associaram a crise com a ação de Deus, fizeram uma leitura teológica adequada de todo o contexto, procurando a ação de Deus nos eventos que ocorreram. Nesse sentido, produziram uma teologia que tanto respondeu àquela demanda específica, como a transformou de forma qualitativa. Na vivência da crise, encontraram-se com Deus e leram a situação pelos olhos divinos: não foram impedidos por elementos humanos, mas pelo próprio Deus. Na crise estavam sensíveis ao redirecionamento de seus ministérios e à transformação de suas prioridades. A provação veio da parte de Deus como uma forma de dirigi-los para as prioridades de Deus naquele determinado momento histórico. E os missionários sabiam disso. Eles não se entregaram ao fatalismo; tentaram entrar em várias regiões demonstrando assim que reconheciam que Deus dirigia soberanamente suas vidas. Estavam em busca da vontade de Deus para aquele momento de sua vida e de seu ministério. E o próprio Deus os guiou por meio do sucesso e da crise.

Em Trôade, “à noite, sobreveio a Paulo uma visão” (16.9). A visão de um macedônio suplicando ajuda foi a resposta final para a crise, o elemento que faltava para o término daquele processo teológico de avaliação dos impedimentos enviados por Deus. Eles se prepararam para partir “imediatamente” para a Macedônia, “concluindo que Deus nos havia chamado para lhes anunciar o evangelho” (16.10). A conclusão a que Paulo e seus companheiros chegaram indica que realmente havia entre eles um amplo diálogo teológico em busca da vontade de Deus e de uma compreensão mais ampla de suas próprias vocações.

3. Efeitos da crise

O fim da crise trouxe, em primeiro lugar, o crescimento no relacionamento deles com Deus. Eles cresceram na compreensão do modo como Deus age na história. Cresceram na paciência que precisavam ter consigo mesmos e com os colegas de ministério em tempos de provações. Também cresceram na capacidade de abordar teologicamente o conceito de missão e a relação existente entre igreja, mundo e os propósitos de Deus. Além de crescerem no entendimento de suas próprias vocações.

O fim da crise também trouxe uma nova dimensão de trabalho missionário. Eles compreenderam que a vocação ou o chamado de Deus está restrita basicamente ao que se deve fazer, “pregar-lhes o evangelho” (16.10), mas não está restrita ao “onde” ou “como” fazer. “Há um só Senhor e um só evangelho, embora exista uma ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização.”1 Ou seja, sabiam o que deveria ser feito e estavam certos de que poderiam fazê-lo em qualquer lugar do mundo e em qualquer circunstância. Não se iludiam com as “regiões e alvos prioritários da missão da igreja”, nem criam que Deus os havia chamado especificamente para trabalhar com este ou aquele povo específico. Estavam livres para seguir a direção divina em sua vida e seu ministério. Estavam livres para servir!

Com o fim da crise se dedicaram à ação concreta: “imediatamente, procuramos partir para aquele destino” (16.10), “navegado de Trôade, seguimos em direitura a…” (16.11). Uma nova ação missionária foi impressa em suas vidas. Definiram trabalhar em Filipos por ser a “primeira do distrito e colônia” (16.12). Sabemos que os relatos registrados ao longo do capítulo mostram apenas alguns fatos ocorridos durante o período em que estiveram em Filipos: conversões em meio a sofrimentos e adversidades. Entretanto, o mais importante dessa narrativa são as expressões que marcaram esses acontecimentos: “certa mulher(…) o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (16.14); “Paulo, já indignado, voltando-se, disse ao espírito(…) na mesma hora, saiu” (16.18); “oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam” (16.25); “que devo fazer para que seja salvo?” (16.30); “E lhe pregaram a palavra de Deus” (16.32); “foi ele batizado, e todos os seus” (16.33); “com todos os seus, manifestava grande alegria, por terem crido em Deus” (16.34); “vendo os irmãos, os confortaram” (16.40).

Essas expressões indicam que, em meio às provações sofridas, o ministério missionário se desenvolveu de maneira abençoada e sólida, com o estabelecimento de uma nova comunidade de fé e com a chegada da igreja em terras europeias. Houve, sim, momentos de crise com resistência e prisão. Uma crise diferente da anterior, que fora marcada por indefinições de campo ministerial. Agora, a crise vem simultaneamente com a bênção da pregação da Palavra, da conversão de famílias e da formação de uma nova igreja.

Conclusão

Em sua jornada missionária, a igreja não pode se ver abatida com as diversas e constantes crises que lhe chegam, nem pode se considerar “suprema” pelos sucessos e vitórias alcançados. Entre crises e sucessos, precisamos ser sensíveis à voz do Senhor que redireciona nossos ministérios e transforma nossas prioridades de acordo com suas intenções salvadoras eternas. Desse modo, precisamos crescer na compreensão da vocação da igreja e das nossas próprias vocações pessoais. Crescer no relacionamento com Deus, vislumbrando sua ação salvadora na história humana. Com crises e/ou sucessos na jornada missionária, sigamos com fé na missão de Deus!

Perguntas para reflexão

1. Quais são atualmente os principais fatores de crise no trabalho missionário?
2. As diversas crises enfrentadas na obra missionária, por parte da igreja, são sinais de fraqueza espiritual, estratégias equivocadas, ou falta de fé e desobediência a Deus?
3. Que conclusões podemos tirar quando, à luz da Bíblia, revisamos os nossos conceitos seculares de “crises” e “sucessos” aplicados ao trabalho missionário?

>> Estudo publicado originalmente pela Editora Cultura Cristã, na série Palavra Viva – Caminhos Missionários da Igreja. Usado com permissão.

 

 

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