O sacerdócio dos crentes urbanos

O sacerdócio dos crentes urbanos

Texto básico: Mateus 9.9-13; 28.18-20

Leitura diária
D – Mt 21.28-32 A parábola dos dois filhos
S – Rm 10.1-4 Desvio enganoso do judaísmo
T – Hb 9.6-14, Verdadeira religião nas alianças 23-25
Q – Êx 19.5-8 Nossa vocação sacerdotal
Q – 1Co 4.14-21 Paternidade espiritual na fé
S – Lc 8.26-39 O geraseno em sua cidade
S – 1Co 1.21-31 A graça dada por Deus

Introdução

Nos centros urbanos há uma grande concentração de pessoas que, apesar de permanecerem fisicamente próximas umas às outras, em uma área geográfica restrita, ainda assim há pouca amizade verdadeira e muitos relacionamentos superficiais. Há pouca aproximação pessoal e muita desconfiança social. Isso tem produzido uma profunda carência nos grandes centros urbanos: as pessoas se sentem sozinhas, ainda que no meio da multidão. Vários fatores colaboram para esse fenômeno: a desconfiança pessoal, a insegurança pública, a desagregação social, os êxodos migratórios que quebraram os fortes laços das comunidades tradicionais, etc. Diante de tudo isso, torna-se necessário que aprendamos a responder biblicamente a essa carência humana.

I. A carência humana nos centros urbanos

O Senhor revelou certa proximidade com as pessoas enquanto, ao mesmo tempo, as chamava, ainda que fossem marginalizadas pela sociedade e religião. Em Mateus 9.9-13, Jesus convocou para ser seu discípulo um coletor de impostos, Mateus, a quem viu exercendo as suas atividades. Essa chamada foi muito significativa do ponto de vista religioso, pois os coletores de impostos naqueles dias eram malquistos, não apenas porque faziam o ingrato trabalho de recolher impostos para o Império Romano, mas também porque muitos cediam às tentações de enriquecimento ilícito através disso.

O nosso Senhor, no entanto, recebia aqueles que eram publicamente considerados indignos e comia com eles, juntamente com os seus discípulos. Essa aceitação misericordiosa de pecadores malvistos pela sociedade judaica causava inquietações e gerava perguntas críticas dos fariseus (a mais exigente facção religiosa daqueles dias) aos discípulos de Cristo, às quais o próprio Jesus respondeu afirmando que os seus atos compunham a sua missão de médico da alma, o qual se dirige aos que abertamente precisam dos seus serviços. Depois, ele afirmou que os religiosos preconceituosos dos seus dias também eram doentes exatamente na sua religiosidade distorcida, a qual exigia sacrifícios a Deus, mas desprezava a misericórdia humana; um autoengano religioso, que evidenciava um coração endurecido, ao invés de uma alma transformada por Deus, que demonstra amor ao próximo (1Jo 4.20). O nosso Senhor, por fim, afirmou que a sua missão era exatamente esta: chamar graciosamente os pecadores a que, arrependidos dos seus pecados, fossem receber o misericordioso perdão divino, sendo amorosa e justamente recebidos pelo Deus santo e gracioso. A conduta do senhor Jesus revelava que a sua santidade e o seu amor o levavam para junto das pessoas que precisavam experimentar a graça divina.

O primeiro ponto de destaque indica que o judaísmo dos dias de Cristo havia se transformado da pura, divina e única religião verdadeira da graça de Deus em outro tipo de religião, falsa, do mérito humano, da autojustificação presente em todas as manifestações religiosas não verdadeiramente bíblicas (Rm 10.3,4). Antes, o teor do judaísmo se manifestava no perdão gratuito oferecido aos fiéis que se apresentavam ao Senhor através do sacerdote. Estes permaneciam confiantes na graça soberana que os elegera e que lhes comunicava o perdão pela expiação dos seus pecados mediante o sacrifício de um inocente, o qual, na antiga aliança, era um animal macho e perfeito, evidente tipo de Cristo. Eles ainda expressavam na obediência a expressão legítima de gratidão pela grandiosa graça alcançada. Há apenas estes dois tipos de religião: a do mérito de Cristo, entregue a pecadores arrependidos e confiantes na sua obra, que passam então a viver em obediência como sincera expressão de gratidão a Deus pela graça recebida (Tt 2.13,14); e a do mérito humano, que busca estabelecer a sua própria justiça e dignidade espiritual meritória, o caminho próprio da elevação espiritual, embora nunca o atinja.

O segundo ponto de destaque é decorrente do primeiro e reflete a mentalidade meritória na consequente necessidade de classificar as pessoas em dignas e indignas de Deus, da sua graça, o que é um contrassenso, pois, se é pela graça, então não é por mérito, e se fazemos por merecer, então não é de graça (Rm 11.6). Em contrapartida, a mentalidade bíblica da graça, devidamente entendida e absorvida, deve necessariamente levar os que desfrutam da graça divina a verem todas as pessoas como igualmente indignas de Deus (Rm 3.10-18) e carentes dessa graça (Rm 3.23). Dessa forma, as pessoas passam a ser objeto da nossa própria misericórdia pessoal e alvos dos nossos esforços para alcançá-las e integrá-las à comunidade cristã. Isso ocorre como uma expressão legítima da absoluta graça de Deus manifestada pela busca dos perdidos, alcance dos desgarrados, perdão dos pecadores, aceitação dos rejeitados e integração dos desagregados (Ef 2.12,13,19). Uma nova vida lhes é oferecida a partir de então (2Co 5.17; Jo 8.10,11): uma vida que reflete o poder regenerador que Deus opera naqueles que ele resgata para si (1Jo 3.8-10), livrando-os da escravidão do pecado (Jo 8.32-36) e transformando-os diariamente pela graça da santificação (Hb 10.14), o que é evidência desse favor soberano (1Ts 1.4-7).

Sendo assim, a visão de que não devemos buscar nem nos aproximar de pessoas estigmatizadas como pecadoras para levá-las para junto de Cristo, de que somente os religiosos capacitados e piedosos segundo as medidas das nossas atuais facções religiosas é que são dignos de Deus, deve ser rejeitada. Além disso, a omissão e a acomodação quanto à evangelização dos perdidos pode refletir essa visão distorcida veladamente guardada dentro dos nossos corações, não expressa abertamente, mas apenas por meio de pequenos questionamentos quanto à exortação evangelística. Nós precisamos aprender com Cristo que a nossa vocação como igreja é para sermos instrumentos nas mãos de Deus a fim de glorificá-lo graciosa restauração da imagem divina na vida de pecadores perdidos (Rm 8.29), numa busca permanente de em tudo exaltarmos aquele que nos vocacionou soberanamente para o louvor da glória da sua graça (Ef 1.4-6).

II. A radical necessidade do discipulado

Para tratar da questão do discipulado como uma tarefa dada de forma absolutamente imperativo, como posta aqui nesta lição, vale a pena analisarmos a grande comissão anunciada pelo nosso Senhor Jesus Cristo em Mateus 28.18-20: “Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”. Essa passagem serve de norte para pensarmos em como satisfazer as carências descritas no tópico anterior.

Mateus nos informa que Cristo se aproximou dos seus discípulos e, após ter declarado que era detentor de toda a autoridade no universo, ordena-lhes a fazerem discípulos de todas as nações. Essa missão deveria ser executada enquanto os apóstolos estivessem indo ao encontro dessas pessoas, selando a sua tarefa com o sacramento do batismo. Os apóstolos deveriam ainda ensinar tudo o que o próprio Senhor Jesus havia ordenado. Após essa ordem, o nosso Senhor, então, prometeu estar presente com os seus discípulos até o fim dos tempos.

O coração da conhecida grande comissão de Mateus é a ordem explícita do nosso Senhor aos seus seguidores para que, uma vez discípulos, façam outros em todas as nações do mundo. Essa tarefa de fazer outros seguidores de Cristo, que o tenham como senhor e salvador não deve ser vista como uma atividade opcional para a igreja, uma simples alternativa ministerial ou uma proposta a mais para diversificar a atuação ministerial de uma igreja local. O discipulado também não deve ser visto como mais um modismo na igreja evangélica, mas deve ser considerado uma das claras determinações dadas pelo Senhor Jesus à sua igreja, que devemos nos empenhar para cumprir.

Para cumprir essa ordem de Cristo, devemos observar as ações mencionadas pelo nosso Senhor na grande comissão. Sendo assim, precisamos seguir em direção às pessoas que queremos alcançar para Cristo, pois é somente indo ao encontro delas que se há de alcançá-las (Rm 10.14,15). Para fazermos discípulos de Cristo, também é necessário que acompanhemos as pessoas que temos evangelizado, até que as mesmas selem publicamente o seu compromisso de seguir a Cristo. No caso de pessoas que estavam fora da aliança e as quais a igreja busca alcançar pela evangelização, o compromisso é firmado quando são batizadas juntamente com a pública profissão de fé (Mc 16.15,16). Essa orientação é muito importante porque nos lembra que, para cumprirmos a ordem de Cristo, não devemos simplesmente pregar o evangelho aos incrédulos, nem mesmo apenas persuadi-los até que creiam, mas devemos acompanhá-los até que o seu compromisso público com o Senhor Jesus seja assumido e selado pelo batismo (Fm 10). Há ainda uma terceira ação a ser realizada até que um discípulo de Cristo seja formado. Orientá-lo a não apenas conhecer, mas também praticar tudo o que o nosso Senhor ordenou aos seus discípulos. Deve-se acompanhar os convertidos e professos até que eles estajam maduros o suficiente na fé para entenderem a vontade de Deus e praticarem-na (Mt 7.24-27). Disso concluímos que fazer um discípulo de Cristo significa fazer um seguidor integral dele; alguém que entenda o evangelho e o tenha como filosofia de vida (Tg 1.22). Dessa maneira, ele estará capacitado a gerar outros discípulos (2Tm 2.2). O desafio é muito grande e, por isso mesmo, o nosso Senhor afirmou permanecer na companhia dos seus, certamente para nos assistir nessa empreitada grandiosa, a qual há de ser completada até que ele venha.

O discipulado, portanto, consiste num envolvimento pessoal através do qual os seguidores de Cristo transmitem a mensagem da fé cristã àqueles aos quais alcançaram pelo evangelho, acompanhando-os durante o seu progresso espiritual. Esse acompanhamento passa pelo seu compromisso público com a fé até chegar à sua maturidade cristã, quando conseguir entender e relacionar a fé cristã com os vários aspectos da sua vida. Isso inclui também a capacidade de gerar outros discípulos para Cristo (1Co 4.14-17). Tal envolvimento pode vir a satisfazer biblicamente parte das carências humanas nos grandes centros urbanos.

III. Os pequenos grupos evangelísticos estratégicos

A carência humana presente especialmente nos centros urbanos e a responsabilidade da igreja de fazer discípulos, podem encontrar conjuntamente a solução em pequenos núcleos de convívio cristão. Não é a única forma de fazê-lo, mas é uma alternativa viável, útil, relevante e oportuna, porém desafiadora.

No início da sua jornada, a igreja cristã não contava com templos próprios e precisou se reunir nos mais diversos lugares, até mesmo em catacumbas. Isso também foi devido às perseguições do Império Romano. Tornou-se inevitável que os crentes se reunissem nas casas de alguns deles. A reunião de alguns cristãos nos seus próprios lares, envolvendo alguns núcleos familiares, não apenas corresponde a uma antiga prática cristã (At 2.46), como também tem-se mostrado uma excelente estratégia para satisfazer a carência humana que os centros urbanos têm produzido em seus habitantes. Essa carência é real e legítima, e o Cristianismo saudável satisfaz também essa necessidade (1Jo 1.3,7).

Visto que o grupo de pessoas que é possível e recomendável se reunir em um lar não é muito grande, pois nem as instalações físicas de uma casa comum suportariam, nem seria possível uma proximidade de qualidade entre as pessoas, esse modelo é muito útil e apropriado para a igreja contemporânea. Desde igrejas pequenas e nascentes até mesmo às grandes, todas podem ser beneficiadas, pois tais grupos tendem a facilitar o convívio fraterno entre os participantes. Nas igrejas grandes, a comunhão pode e deve ser preservada através de vários desses núcleos familiares. Isso possibilita a existência de um grupo próximo aos seus respectivos lares, onde as pessoas podem louvar a Deus juntas, orar umas pelas outras, ser edificadas pelo estudo da Palavra, debater as questões apresentadas (pois o grupo menor facilita isso) e desfrutar de uma conversa sadia.

A reunião do grupo tanto pode acontecer sempre numa mesma casa (1Co 16.19), como pode ser em uma casa diferente a cada encontro. Isso era habitual na igreja primitiva e Deus abençoou muito essa prática (At 2.46,47). Hoje essa prática pode ser novamente oportuna por outros motivos e não deve impedir a reunião pública e coletiva do povo de Deus, o que também não aconteceu nos dias bíblicos (At 2.46; 20.20). Ao contrário, poderá até colaborar para o enriquecimento da celebração coletiva, pois esta passa a expressar a comunhão da igreja, fortalecida pelos laços de comunhão fraternal através dos núcleos familiares. Entretanto, é necessário que essa prática seja aprovada, dirigida e acompanhada pela liderança da igreja; e esta precisa pastorear efetivamente esses grupos através dos seus líderes, para que não se tornem presas de outros grupos não bem intencionados.

Conclusão

Para alcançarmos a nossa cidade para Cristo, precisamos, acima de tudo, ser fiéis a duas vocações da igreja: a primeira é a de ser uma comunidade acolhedora de pecadores. Não podemos nos isolar das pessoas que estão fora da aliança com Deus; antes, precisamos ir buscá-las. A segunda é a vocação de tornar as pessoas alcançadas pelo evangelho verdadeiros discípulos do nosso Senhor Jesus Cristo. Quaisquer estratégias ou modelos nesse sentido são válidos; importa que persigamos essas metas. Contudo, propomos a formação de pequenos grupos caseiros de núcleos familiares como uma estratégia muito apropriada para vivenciarmos essas duas vocações da igreja ao mesmo tempo. Eles podem revitalizar a dinâmica da igreja durante a semana, pois, aos domingos, continuamos a oferecer a nossa adoração comunitária a Deus com os cultos em nossos templos, os quais são os momentos mais elevados da experiência religiosa coletiva da igreja do Senhor e sempre serão.

Aplicação

Como você tem procurado cumprir as suas responsabilidades de resgatar pecadores e discipular os novos na fé em sua igreja? Procure formar uma equipe de evangelismo e discipulado e façam visitas a pessoas não-cristãs em seus lares. Depois de evangelizá-las, proponha a formação de um grupo de discipulado. Elabore um projeto de grupos familiares e encaminhe à liderança de sua igreja. Ore para que Deus desperte a igreja para a missão de evangelizar e discipular.

>> Texto publicado na revista Palavra Viva – Sua Cidade Para Cristo, pela Editora Cultura Cristã.

>> Autor do Estudo: Raimundo M. Montenegro Neto

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