Reflexões a partir da Revolta de Ferguson.

 

Shane Claiborne*

(Tradução: Mozart Archilla)

 

Dr. Martin Luther King Jr. disse: a “revolta é a linguagem dos que não são ouvidos”.

 

O que acontece quando as pessoas acham que suas vozes não estão sendo ouvidas?

 

Eles falam mais alto.

 

Revolta é o que quase aconteceu na cidade de Ferguson no EUA, e todos nós, que vivemos em bairros frágeis e com uma profunda injustiça racial como pano de fundo, precisamos prestar atenção.

 

Em Ferguson, uma comunidade bastante unida foi devastada por algo novamente entendido como injustiça. Eles queriam ser ouvidos. Porém, marchas pacíficas foram respondidas com brutalidade sem precedentes.

 

Lágrimas foram recebidas com gás lacrimogêneo.

É como se as autoridades estivessem tapando suas orelhas. Então as pessoas gritaram ainda mais alto – e o mundo começou a prestar atenção.

 

Num momento delicado de emoções à flor da pele, o povo de Ferguson teve que escolher entre a revolta e a ação direta não violenta nas ruas. Um grupo muito pequeno (muitos deles discutivelmente ativistas vindos de fora) apelaram para algumas formas de dano à propriedade alheia. Isso chamou a atenção da imprensa.

 

Alguns podem dizer que isso capturou as manchetes.

 

Mas não é assim que eu vou me lembrar de Ferguson.

 

O que chamou mais atenção do que o breve momento de depredação de bens, foi o cuidado disciplinado com o qual o povo de Ferguson começou a se organizar e treinar. Eles não combateram fogo com fogo. Eles fizeram seminários em não-violência e organização da comunidade. Eles montaram postos de inscrição de eleitores e de oração. Redes completamente novas de líderes cristãos foram formadas.

 

Essa rebelião não violenta tem sido incrível de se ver. Um movimento devagar, firme, disciplinado em Ferguson chamou a atenção do mundo. Outro dia, em uma teleconferência com líderes da igreja, alguém disse muito eloquentemente:

 

“Eles estão transformando um momento num movimento.”

 

O Dr. King estava certo. Revolta é uma maneira de fazer as pessoas prestarem atenção. Contudo, não é a única maneira.

Nós ainda lembramos dos protestos não violentos do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA – “sentaços”, boicotes, marchas. Eles também conseguiram atenção. A não-violência tem o poder de expor a injustiça de uma maneira que ela se torna tão desconfortável que as pessoas têm que responder. É a razão pela qual o Dr. King considerava a não-violência a arma mais potente à disposição dos negros naquele movimento.

Foto: protesto contra a segregação racial no Sul dos EUA

Pela sua própria experiência, o Dr. King argumentava que a violência “não é prática nem moral” e que rebeliões são “contraproducentes” e “socialmente destrutivas”. King insistia que se cada um no movimento se voltasse contra a não-violência ele ainda assim se levantaria e diria, “violência não é o caminho!”

Violência faz as pessoas assistirem televisão. Não-violência faz as pessoas ouvirem… e se dedicarem a uma mudança genuína e duradoura.

 

Quando eu fui embora de Ferguson as pessoas estavam discutindo o que aconteceria se cem pessoas se ajoelhassem em oração, bloqueando as portas da delegacia de polícia – um “oraço”? Até a mídia oportunista não perderia a chance.

 

Então eu penso no quê o Dr. King diria à luz de Ferguson. Acho que ele diria: “OUÇAM”.

 

Até à pequena minoria propensa à violência, nós poderíamos perguntar, “o que é que vocês querem tão desesperadamente que nós ouçamos?”

 

Da mesma maneira que ouvimos Ferguson, podemos aprender com Ferguson – assim como aprendemos com Montgomery e África do Sul. Muitos dos piores abismos de opressão se tornaram posteriormente os pólos mais brilhantes de esperança. Alguns dos momentos de maior injustiça iniciaram alguns dos maiores movimentos por justiça. Esses lugares conhecidos pelos atos de maldade inspiraram o mundo após o tempo de uma geração – desses locais surgem pessoas como Nelson Mandela e Rosa Parks.

 

Talvez seja assim com Ferguson.

 

Precisamos aprender com Ferguson para que estejamos preparados para as Fergusons do futuro. Nós conseguimos preparar nossas comunidades e a nós mesmos para enfrentar violência sem deixá-la tomar conta de nós. Nós podemos lutar contra o mal sem nos tornarmos maus.

 

Nós podemos encontrar uma terceira via que não é lutar nem fugir.

 

Afinal, se não encontrarmos canais não violentos para liberar a ira santa, ela provavelmente irá explodir em uma ira profana – violência e revoltas. Ao invés de ser preso por algo que compromete sua dignidade e integridade… vá para a cadeia por algo que lhes enfatize. É hora de renovar nosso compromisso com a construção de uma revolução não violenta.

Foto: Protesto contra as mortes de Jovens negros no Rio de Janeiro (Favela da Maré)

Imagine centenas de pessoas se ajoelhando para que seja cessada a deportação de crianças nas fronteiras. Imagine milhares se deitando para parar os carrascos antes da próxima execução promovida pelo Estado. Imagine um precedente sendo estabelecido em Ferguson, e que a cada vez que uma injustiça acontece na nossa vizinhança, nós a tornamos viral. E então colocamos nossos corpos no lugar onde eles pertencem – nas ruas, em marchas não violentas, “sentaços”, ocupações e vigílias.

Vamos antever aqueles inclinados à violência sendo convencidos que existe uma maneira melhor de nossas vozes sejam ouvidas – uma rebelião não violenta.

 

E vamos agora submeter nossos corpos como sacrifícios vivos para o movimento de Deus.

 

Traduzido de: A Nonviolent Uprising

____________________________________________________________________________________________________________

*Shane Claiborne é o autor de best-sellers, reconhecido ativista e preletor, além de um auto-declarado “pecador em recuperação”. Shane publica e palestra em vários países sobre promoção da paz, justiça social, e Jesus, e é autor de inúmeros livros como A Revolução Irresistível, Jesus for President, e o mais recente, Executing Grace (sobre a pena de morte). Ele é o líder visionário da comunidade The Simple Way, na Filadélfia, e co-diretor dos Cristãos da Letra Vermelha. Seu trabalho já foi citado e reconhecido pela Fox News, Esquire, SPIN, The Wall Street Journal, NPR e CNN. ____________________________________________________________________________________________________________

 

Leia também:

Os Cristãos da Letra Vermelha.

Esquecer, Inviabilizar e no fim, Barbárie

Bondade na dignidade

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *