Vivemos um tempo em que as pessoas se amam. Um fenômeno de dimensão sem precedente na história do ocidente.

A expressão “auto-estima”, como justificativa politicamente correta ou objetivo universalmente aceito para qualquer ação, está presente em cada conversa de cafezinho, em programas pedagógicos, no planejamento governamental, na boca de políticos e até de quem não sabe o que dizer. Você precisa de um bom motivo para justificar o que deseja fazer? Diga que faz bem à sua auto-estima; que você se ama.

Entre os crentes, a expressão já foi justificada biblicamente e aceita, sem receio de mundanismo: para amar o meu próximo como a mim mesmo, preciso primeiro amar a mim mesmo. Amar ao próximo, portanto, requer auto-estima.

Acho positiva essa moderna preocupação com a saúde do “eu”. Em especial, quando ela se materializa na cultura da saúde: na onda do fitness (malhação em academias) para qualquer idade, nas caminhadas, na hidroginástica, na comida saudável, na dieta da moda, nos spas, nas grelhas que eliminam a gordura, nos cereais matinais, nos iogurtes com bacilos, nos complexos vitamínicos, no consumo de fibras, na redução de colesterol, nos três litros de água por dia etc.

Essa moda traz também o cuidado com a mente e com o “eu espiritual”. Surgem, então, os livros de auto-ajuda, as revistas especializadas em bem-estar e forma física e mental; os gurus do anti-estresse, os mentores espirituais, os psicólogos pessoais (personal shrinks), conselheiros financeiros etc.

Não é difícil de notar que toda essa preocupação com a saúde vem sendo incorporada pelas novas gerações como estilo de vida. Chega a assumir a força de religião. Por exemplo, uma caminhada no parque, hoje, é uma desculpa aceitável para recusar uma hora-extra. Diga que esse cuidado que pretende ter consigo mesmo já estava agendado. Já no limite do aceitável, você pode justificar a falta a um casamento dizendo que tem trauma de casamentos à tarde. Bem, talvez compreendam que você está cuidando de sua auto-estima. Trauma é uma palavra da moda. Vale tudo para evitar.

O lado saudável disso tudo não deve, no entanto, nos encobrir uma sutil ameaça ao cristianismo: a confusão entre auto-estima e egoísmo. Nos dois casos, estou investindo em mim mesmo. Mas o “ego-ismo”, significando “eu-ismo”, tende a me afastar dos outros, levando-me a um individualismo que me separa dos outros, que me isola. Temo que, em poucos anos, se tivermos que escolher entre “nós” e “eu”, o “eu” ganhe todas. Temo que a auto-estima se fortaleça às custas da solidariedade. E que esse “eu” se transforme em um dragão que devore a caridade; devore aquele amor altruísta que se faz pão e vinho e se derrama em serviço, em lava-pés.

Talvez eu esteja exagerando em meus temores. Queira Deus! Mas tenho orado, nesse sentido, por nossa igreja. Peço que a hipertrofia do nosso “eu” não nos conduza à transgressão. Peço por discernimento. Peço que aprendamos a cuidar de nós mesmos sem esquecer o ensino de Jesus: “se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24).

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