“Jó, se eu fosse você…. Feliz é aquele a quem Deus corrige!” (NTLH)

Reflexão

As indelicadezas de Elifaz se agravam mais. Na passagem anterior,  ele havia quebrado o silêncio de solidariedade com o sofrimento de Jó, e resolvido dar o seu “palpite”. Começou até bem, pedindo licença para falar (4.2) e elogiando o bom testetmunho de Jó. Mas depois veio a bronca insensível com base no pressuposto encontrado na teologia da recompensa absoluta: prospera quem é bom e sofre quem merece. Tudo isso vimos na última devocional…

Mas veja como Elifaz acaba sendo uma boa lição em “Aconselhamento Contra”. Você já passou por uma dor, uma perda ou um sofrimento bem agudo, só para ter que aguentar dos seus “simpatizantes” relatos de como eles passaram pior? Grande conforto, não (por favor, entenda a ironia)!… Se quiser confortar um amigo, não chame atenção para si mesmo. Não é você que está sofrendo, não agora. É teu amigo. Interesse-se por ele. Procure saber a história dele. Ouça dele o que ele pretende e como ele está lidando com a situação. Não se precipite! Se ele precisar,, pedirá a sua opinão. Se não, morda a língua e escute.

“Jó, se eu fosse você, voltaria para Deus.” Que coisa horrorosa! Elifaz nem pergunta se Jó acha se poderia ter algum pecado na sua vida. Já o pressupõe como sendo a “causa” dos sofrimetos de Jó. Aliás, este negócio de “causas” é sério, não é? Não aguentamos sofrer ou ver alguém sofrer sem identificar a “causa”. Às vezes parecemos mais um bando de agoureiros do que crentes. Além do mais, é simplesmente arrogante esta postura, “se eu fosse você”, como se fôssemos melhores para enfrentar as dores e sofrimentos que um mundo encrencado pelo pecado traz para todos.

Por fim, para cimentar o cúmulo da insensibilidade, Elifaz afirma, “Feliz é aquele a quem Deus corrige”. Ao dizer isto, ele demonstra dois equívocos. Primeiro, Jó pecou e Deus o está corrigindo. Ora, vamos esclarecer uma coisa: Jó pecou? Para responder, faço outra pergunta: existe algum ser humano que não pecou ou que não peca (por favor, não sucumba à tentação de avaliar “graus” de pecado). A resposta é óbvia e em momento algum, Jó nega ser um homem pecador, mesmo sendo “homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal” (1.1). Pessoas íntegras e retas são pessoas que confessam os seus pecados e procuram agradar o coração de Deus no seu comportamento. São perdoadas, não impecáveis. Mas a questão não era essa, se Jó havia pecado ou não. Quem poderá negar ter pecado? A questão é que o seu pecado nada tinha a ver com isto. No seu caso, era vítima inocente dum discurso entre Deus o o Acusador. Isto pode ainda ocorrer hoje, como também há vítimas inocentes de desastres naturais, acidentes horríveis e outras características dum mundo ainda em aflição.

Segundo, conforme Elifaz, Jó precisava ser “feliz” ou “bem-aventurado” (5.17). Confesso que não sei qual é o sal na ferida pior, a “identificação” da causa da dor de Jó no seu pecado ou a exortação de que precisava ser “feliz” com a “correção”. Para mim, a exortação de ser feliz é pior. Novamente, o apelo para alegrar-se é apenas mais uma dimensão da teologia da compensação que parte do pressuposto que somos nós que mudamos a nossa situação. Cura divina é prometida para os que choram (Is 57.18; 61.2). Bem-aventurados são os que choram (Mt 5.4). Nós devemos chorar com aqueles que choram, não exortá-los a ser feliz (Rm 12.15). Deus restaura no meio do choro. A alegria no meio da tristeza apenas disfarça.

Oração

Pai, toda a nossa formação evangélica nos ensina a sermos ousados na fala e assertivos na verdade. Por isso, somos péssimos ouvintes das dores do próximo. Não sabemos distinguir entre o momento da docura e o momento da cobrança. Em nome de Cristo Jesus, ó Pai, nos conceda corações compassivos, lábios freiados e mente de Jesus. Amém.

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