Do Rio de Janeiro para o rio Negro: uma vida que segue no ritmo do rio
Ele saiu do Rio de Janeiro para passar três meses no rio Negro, ou melhor, em Manaus (AM). O incentivo veio de um grande amigo e mentor que tinha quase de dez anos de experiência missionária no Amazonas. No início ele resistiu, mas com o tempo acabou cedendo e se “curvando” ao que ele entendeu ser a vontade de Deus. Resultado: uma viagem de três meses desenvolvendo um projeto de educação musical em comunidades ribeirinhas às margens do rio Negro. “A experiência foi impactante e respondeu a muitas duvidas que eu tinha no meu coração. Deus derramou graça e eu caí nas graças da comunidade – era carinhosamente chamado de professor. Atendi aproximadamente cinquenta jovens ribeirinhos com aula de violão, flauta e canto popular. Por meio do projeto eu pude pregar o evangelho abertamente e ajudar a fortalecer algumas igrejas ribeirinhas.”, conta o missionário Igor de Souza Vale, relembrando o início de sua trajetória missionária pela Amazônia, onde está desde 2009. Em entrevista ao Paralelo10, Igor fala como foi o início do ministério na região, o processo de adaptação cultural, as atividades que desenvolve, bem como os desafios e lições de sua jornada missionária entre comunidades ribeirinhas. Confira:
Como você foi parar no Amazonas e há quanto tempo está na região?
“O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” (João 3.8). Em 2008, no Rio de Janeiro, um mentor na fé e discipulador (que havia sido missionário Jocumeiro no Amazonas durante uns 10 anos) me incentivou a ter uma experiência transcultural no Amazonas, pois desde adolescente eu sentia vocação para missões. No inicio eu relutei, mas depois de um tempo decidi me curvar à vontade de Deus e me permiti ter a experiência. Preparei um projeto piloto com educação musical e fiquei morando três meses na região amazônica vivendo e realizando o projeto em duas comunidades (e alguns igarapés), no Rio Negro. Ao findar daquela experiência eu retornei para o Rio de Janeiro achando que era hora de voltar à vida rotineira da cidade grande, mas após algumas semanas percebi que eu já não era mais o mesmo e que parte de mim havia ficado na selva. Interessante é que todo lugar que eu ia eu sentia o cheiro peculiar do rio negro e da madeira… Isso me deixava em parafusos! A Amazônia não saia de mim. Tentei relutar, mas não durou muito. Após seis meses no Rio de Janeiro decidi comprar minha passagem de volta para o Amazonas, para um segundo período. Fui recebido pelo casal Manuel e Lidia Lima, que são missionários globais da Igreja do Nazareno. Vivi com eles bastante tempo e comecei a aprender a realizar o trabalho ribeirinho na região amazônica. Nunca mais saí do Amazonas.
Como foi o período de adaptação? O que você mais gostou e o que foi mais difícil acostumar?
Eu estava acostumado com a vida da cidade grande, no Rio de Janeiro. Gostava de shopping, cinema, praia (Ipanema), programas culturais diversos; tocava numa orquestra jovem e tinha acabado minha faculdade… Tudo parecia tranquilo. Quando cheguei à comunidade ribeirinha vi que não teria luz, internet, celular, TV e nada disso. Nas primeiras semanas foi difícil. Eu tinha medo da selva. Fechava a casa toda, pois eu morava sozinho. Qualquer barulho em baixo da casa de palafita me deixada atônito, pois já achava que era uma onça. Aos poucos fui me adaptando tomando banho de rio, acendendo vela durante a noite, comendo carne de caça, dormindo de rede, levando ferrada de carapanã etc. Deus foi muito gracioso comigo – não tive problemas de saúde nem problemas com alimentação. Com um mês de comunidade eu já estava caçando com os adolescentes na selva. O que mais gostei foi a simplicidade do povo que sabe viver um dia após o outro. Na selva, a vida é bem mais simples e menos atribulada. Ali, a palavra comunidade tem um sentido verdadeiro. Todos se ajudam e fazem o que podem pelo bem estar de todos. Uma das coisas difíceis foi a comunicação, pois o modo de viver dos ribeirinhos, sua cosmovisão e seu apego à natureza faz com que sejam um povo bem quieto e, às vezes, de poucas palavras. Tive que aprender um pouco a ver o mundo como eles pra que eu pudesse também melhorar minha abordagem e forma de transmitir o evangelho a eles. Uma coisa triste foi perceber como as comunidades são assoladas pela bebida alcoólica, falta de educação de qualidade, abandono e promiscuidade.
Conte um pouco das atividades que você desenvolve atualmente e onde você vive.
Durante dois anos morei em Manaus, depois morei mais dois anos em Lábrea, no sul do Amazonas, e mais três anos em Parintins. Pude ajudar no fortalecimento de igrejas no Rio Negro e plantando a igreja do Nazareno em Parintins e congregação em Barreirinha. Em 2015 o missionário nazareno na Região amazônica, Rev. Manuel Lima – a quem devo muita honra de tudo que aprendi a fazer pelo povo amazônico –, foi transferido para Campinas e fui convidado a assumir a coordenação dos trabalhos da Missão nazarena na região. Atualmente temos trabalhos da missão nazarena no Acre, Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá… como missionário da região eu apoio todos esses locais com reforço missionário aos obreiros e pastores locais da cidade e do interior. Em 2016 criamos o Projeto Povos, alinhando e interligando diversas atuações como resposta às necessidade da evangelização na Amazônia. As frentes de trabalho do Projeto Povos são:
Barco Jesus a Esperança II – Inaugurado em 2017, após quatro anos de construção, o Barco Jesus a Esperança II é uma lancha expressa para otimizar o acesso às comunidades. É um barco de alumínio, com cinquenta lugares, ar condicionado, banheiro, cozinha e parte da energia é energia solar. Estamos começando a operá-lo no Rio Negro e breve começaremos operar no rio Amazonas, e desejando futuramente o Solimões. A lancha também pode ser usada por diversos parceiros e igrejas da localidade. Temos aprendido por meio da Aliança Evangélica Pró-Ribeirinhos (AEPR) que as parcerias são importantes.
Captação de equipes nacionais e internacionais – Todos os anos recebemos equipes nacionais e internacionais que vem à Janela Amazônica para uma experiência transcultural e para colaborar em nossos projetos. Tem sido uma alegria poder colaborar com muitas igrejas coordenando essas equipes de curto prazo.
Treinamento de obreiros autóctones – Por viverem em lugares isolados e com acesso restrito à rede mundial de computadores, é muito difícil capacitar líderes e obreiros. Então começamos a abrir pólos de capacitação teológica e a treinar obreiros no rio Amazonas e rio Negro, onde temos algumas igrejas e congregações. Recebemos professores e pastores de todo o Brasil que doam uma semana de seu tempo para ensinar nossos irmãos.
Projetos comunitários – São ótimas estratégias para beneficiar a população ribeirinha, para proteger crianças e adolescentes e desenvolver a comunidade de maneira segura. No momento nossos projetos estão mais voltados para área educacional e artística, mas desejamos desenvolver outras atividades para beneficiar as comunidades.
Captação e orientação de voluntários em missão transcultural – Possibilita outros cristãos a terem a oportunidade de servir temporariamente na Amazônia. Os voluntários podem ser de qualquer lugar do Brasil. Eles entram em contato conosco e aí começamos um longo período de seleção. Essa é uma maneira de ajudar outros cristãos e jovens que precisam de maior clareza sobre seu chamado. Estamos abertos para voluntários que as igrejas queiram enviar.
O que mais chamou sua atenção na cultura e no povo ribeirinho?
A simplicidade é impactante e encantadora. Nas cidades gastamos muito tempo e saúde com coisas supérfluas. Já o ribeirinho vive um dia de cada vez e extrai da natureza o que ele precisa para aquele dia. Todo ribeirinho gosta de uma história (causo) e, embora seja um pouco mais calado, ele está sempre aberto a ouvir uma boa história e conhecer mais do evangelho. Percebo em muitos a carência e vontade de conhecer mais de Deus, de aprender do evangelho e conviver com pessoas que saibam quem é Jesus.
Quais as maiores desafios que um obreiro de outra região pode enfrentar vivendo na Amazônia?
A distância é bem difícil e para chegar à maioria dos lugares só é possível de barco. Para chegar a lugares mais isolados só é possível de voadeira e o custo de combustível encarece tudo. Para visitar algumas congregações, eu preciso viajar vinte horas de barco no rio Amazonas e depois mais seis horas de barco no rio Negro, tudo é muito longe. Na Janela Amazônica percebemos o quanto é real o trecho de Mateus 9.37, pois as necessidades são muitas e existem poucos trabalhadores. Também oramos por recursos, mas a maior necessidade ainda continua sendo trabalhadores. Oramos por um mover na igreja brasileira para que se levantem mais trabalhadores.
Quais as especificidades para comunicar um evangelho contextualizado à realidade Amazônica?
Conviver com o povo tem feito toda a diferença, pois isso permite que eles ouçam e vejam o evangelho. Eles ficam encantados de conhecer missionários que deixam a cidade grande (que eles assistem na televisão) e vem morar junto com eles. Eles são um povo tradicional, que preservam contos e lendas, vivem uma vida muito prática e transmitem seus saberes pela oralidade. Entender tudo isso faz toda a diferença para desenvolver um bom trabalho com o povo ribeirinho.
O que você aprendeu durante este tempo em que está servindo entre os ribeirinhos?
Aprendi a ser uma pessoa mais simples e tranqüila. Por aqui a vida segue no ritmo do rio. Também tenho aprendido que todos nós precisamos de sentido na vida. Descobrir o sentido de sua vida significa descobrir o que Deus deseja de você e permitir que ele faça. Servindo a Cristo aqui na Janela Amazônica eu descobri minha forma de glorificar a Deus, colaborando para que o seu reino seja conhecido em todos os povos. Não oro para que todos sejam missionários, mas oro para que todos se submetam a Cristo e encontrem seu lugar e forma correta de servir a Deus e fazer seu reino conhecido até que ele venha.
Confira alguns registros das atividades missionárias de Igor vale.
• Igor Vale de Souza Vale é natural de Nilópolis, RJ, formado em Música pelo Conservatório Villa Lobos (RJ), em Tecnologia da Informação, pós-graduado em Engenharia Software, graduando em Sociologia, pós-graduando em Antropologia Intercultural e formado no Seminário Teológico Nazareno (ETED). Atua como pastor auxiliar na Igreja do Nazareno em Manaus, missionário da Igreja do Nazareno para Região Amazônica, coordenador da Missão Nazarena Internacional – Distrito Amazônia, e fundador e coordenador do Projeto Povos.
Eduardo Magrin
Esse cara é muito especial. Saudades Igor!
George Ribeiro Correa
Que bom saber desse lindo trabalho e um pouco de sua história no Amazonas. Abraço amigo Igor!!
Iris Vale
Tenho muito orgulho do meu irmão. Um exemplo e referência de vida com Deus.
Paula edna de morais
Tenho a honra de conviver com o irmão Pr Igor Vale e testemunhar o amor que tem pelos ribeirinhos e pela obra missionária aqui no Amazonas. Você é um exemplo pra nós, pr Igor. Que Deus o abençoe grandemente .
Fabio da Silva
Otima materia parabens todo equipe um abraço amigo igor Deus é contigo.
ana Alves
Lindo testemunho, me sinto privilegiada por Deus, sò pelo fato de cada vez aprender mais e mais, sobre os planos de Deus. Parabens e que Deus seja com voce e sua familia sempre
Wenys
Ultimato Parabéns pelo resgate ao chamado povos ribeirinhos e pela excelente matéria publicada.
Igor Vale
Obrigado ao P10 pela oportunidade de compartilhar o que Deus está fazendo. O nome de Cristo seja exaltado.