A igreja que nasceu na popa de um barco
O maior fruto do projeto é a transformação de vidas através do evangelho. Não nos importamos em registrar quem “aceitou Jesus”, ou coisa parecida, mas temos acompanhado a transformação na vida dos ribeirinhos em relacionamentos de discipulado.
Sem placa, mas não sem nome. A Comunidade Viva (CV) se autodefine como “um grupo de pessoas buscando a verdade simples que nos fala de um relacionamento informal com Deus por meio de Jesus Cristo”. Os encontros acontecem no teatro do Shopping Manauara, um dos maiores da região Norte de Manaus, AM. Embora plantada em uma metrópole, a CV “insiste em se fazer ribeirinha”, afirma Winston Lages, um dos fundadores.
Há seis anos, a comunidade desenvolve projetos de sustentabilidade socioambiental em quatro comunidades ribeirinhas, em parceria com universidade, ONGs e outras organizações. Lages conta que as comunidades estão abertas ao evangelho, mas, devido ao alto custo das viagens, muitas não foram atendidas. Ele sonha com o envio de missionários autóctones para que o evangelho chegue a lugares mais distantes.
Confira a entrevista que Winston Lages concedeu ao Paralelo10.
Como surgiu a ideia do projeto com ribeirinhos?
O projeto de trabalho com ribeirinhos nasceu antes mesmo da Comunidade Viva. Foi em uma conversa na popa de um barco durante uma viagem missionária nos rios da Amazônia, entre os que seriam os futuros fundadores da Comunidade Viva. A CV nasceu urbana com um chamado ribeirinho. Entretanto, o primeiro contato, com as comunidades do Grande Lago de Manacapuru, onde desenvolvemos o projeto, iniciou como fruto de uma parceria com Asas de Socorro e, informalmente, com a Igreja Batista da Lagoinha (BH/MG).
Quem é responsável pelo projeto nas comunidades ribeirinhas?
O projeto não tem um “dono”. Há uma parceria informal entre várias entidades. A Comunidade Viva em Manaus, conduzida por sua líder de missões, missionária Neia Lucena, investe em relacionamentos com as comunidades ribeirinhas para compartilhar vida e evangelho; a Universidade Federal do Amazonas, com a direção da doutora Débora Rodrigues, fundadora da Comunidade Viva, desenvolve vários projetos de sustentabilidade ambiental e social; a ONG Litro de Luz, aplica seus projetos de iluminação alternativa e outros grupos missionários com a Justiça e Misericórdia Amazonas (Missionária Sarah Rodrigues) promovem viagens missionárias com profissionais da saúde no Grande Lago de Manacapuru.
Qual o objetivo e quais atividades são desenvolvidas no projeto?
O objetivo é levar o evangelho integral à região Grande Lago de Manacapuru. As atividades são desenvolvidas com a convicção de que são um sinal do Reino de Deus no Amazonas. A Comunidade Viva desenvolve ações de evangelismo relacional há seis anos. Fazendo de quatro a dez viagens a cada ano. Nosso alvo como igreja é transformar as comunidades através do evangelho vivido. Nessas viagens, convivemos com os ribeirinhos participando de suas diferentes atividades e estabelecemos relacionamentos intencionais para vivermos o evangelho e apresentarmos Cristo a eles.
Quantas e quais e comunidades são atendidas?
Atendemos diretamente quatro comunidades: Bararuá, Jacarezinho, Dominguinhos e São Sebastião. As outras comunidades do lago são assistidas pelas ações das diferentes organizações que se deslocam para as comunidades sede do projeto. Há cerca de quarenta comunidades no Grande Lago de Manacapuru. Nosso sonho é ter missionários autóctones indo às comunidades mais distantes.
Como tem sido a resposta das pessoas atendidas pelo projeto?
No início foi de muita desconfiança, visto que já tinham experiência negativa com igrejas e instituições que buscaram seu próprio interesse. Após dois anos, pudemos ver que a confiança estava firme e os últimos quatro anos tem sido de transformação. Hoje a receptividade é total. Embora com maioria da população cristã católica sincretista, as comunidades têm requisitado que discipulemos suas crianças, adolescentes e jovens. Temos tido, inclusive, a oportunidade de discipular os líderes da igreja católica e celebramos cultos junto com eles nas capelas das comunidades.
Quais as principais dificuldades e desafios no trabalho com ribeirinhos?
O grande desafio é o custo do deslocamento e as grandes distâncias no “continente” amazonense. O deslocamento fluvial é caro, faz com que tenhamos grande dificuldade em chegar a lugares mais distantes. As comunidades do lago estão completamente abertas ao projeto e ao evangelho, mas não temos conseguido chegar em todas as comunidades.
Quais frutos do projeto você poderia mencionar?
Temos colhido muitos resultados positivos nos índices de saúde física e bucal dos habitantes do grande lago. Os projetos de sustentabilidade e desenvolvimento econômico também têm apresentado algum sucesso na diversificação da economia das comunidades. Talvez, o maior fruto do projeto seja a transformação de vidas através do evangelho. Não nos importamos em registrar quem “aceitou Jesus”, ou coisa parecida, mas temos acompanhado a transformação na vida dos ribeirinhos em relacionamentos de discipulado.
Qual sua percepção sobre o apoio e iniciativa da igreja brasileira do sul e sudeste para com a evangelização na Amazônia?
O envolvimento da igreja brasileira na evangelização da Amazônia é crescente. Existe um interesse nítido de envolver recursos financeiros e humanos para esse fim. Através da “Justiça e Misericórdia Amazonas” temos recebido um número crescente de igrejas interessadas não somente no Grande Lago de Manacapuru, mas na chegada do reino de Deus nos mais distantes pontos da Amazônia. Um exemplo é a presença de missionários da Igreja Batista da Lagoinha (BH/MG) no Grande Lago e de voluntários do sul e sudeste da Missão Asas de Socorro, se sacrificando para que o evangelho chegue às comunidades ribeirinhas amazônicas.
O que a igreja brasileira do sul e sudeste podem aprender com as comunidades ribeirinhas?
Acredito que a maior contribuição da igreja ribeirinha tem a ver com o caráter orgânico e comunitário de seus grupos. No projeto que desenvolvemos, as barreiras denominacionais ou institucionais são inexistentes. Não há qualquer diferenciação entre católicos ou evangélicos nas comunidades atendidas pelo projeto. Há aqueles que vivem no reino de Deus e aqueles que são atingidos por ele. A vida compartilhada daqueles que vivem o evangelho nas comunidades ribeirinhas assemelha-se àquilo que lemos em Atos 2:42-47. Isso tem ensinado e transformado, inclusive, nossa igreja em Manaus (AM).