O bom “Bicho do Mato” – Uma releitura indígena da parábola do Bom Samaritano
Por Phelipe Reis
Lucas 10.25-37
Para testar Jesus, um líder religioso lhe perguntou: “Mestre, o que preciso fazer para ter a vida eterna?”.
Ele respondeu: “O que está escrito na Lei de Deus? Como a interpreta?”.
Ele disse: “Ame o Senhor seu Deus com toda a paixão, toda a fé, toda inteligência e todas as forças; e ame seu próximo como a você mesmo”.
“Boa resposta!”, disse Jesus. “Faça isso e viverá.”
Querendo fugir da resposta, ele perguntou: “Como saber quem é o ‘próximo’?”.
Jesus respondeu contando uma história:
Na companhia de amigos, um jovem Tukano navegava o rio Negro em direção a São Gabriel da Cachoeira. O município, que fica no noroeste do estado do Amazonas e possui um território maior que Portugal, reuniria num torneio de futebol representantes de algumas das 23 etnias indígenas que vivem na região.
Debaixo do forte Sol e o vento quente do calor amazônico, o time dos Tukanos venceu a final com uma goleada de 4 a 0 em cima dos Húpd’äh*. O jovem Tukano comemorou a vitória com os amigos bebendo um porção de caxiri. Em meio à muvuca do torneio e entre tanto indígenas, o jovem Tukano acabou se perdendo dos amigos.
No caminho de volta para embarcação, quando a luz do Sol quase já não iluminava a cidade, o jovem foi surpreendido por três assaltantes. Não bastou tomarem o pouco dinheiro que ele tinha, os assaltantes o espancaram e o feriram no rosto com uma faca. Deixaram o jovem sagrando, caído sobre uma grande pedra, que fica à beira do rio.
O sino começou a soar, anunciando o início da novena. Atrasado, o padre da paróquia caminhava em direção à igreja. Ao avistar o corpo do jovem franzino à beira do rio, o sacerdote apressou o passo para não se atrasar ainda mais para a celebração. Na volta, quem sabe, poderia dar alguma atenção.
Com a Bíblia debaixo do braço e o violão à mão, um pastor passou pelo mesmo caminho, se dirigindo à sua congregação. Viu o rapaz caído, mas não se preocupou. “É só mais um índio bêbado”, pensou. Deu de ombros e seguiu seu caminho.
Então vinha um indígena da etnia Húpd’äh, descendo o caminho em direção ao rio. Ao ver o rapaz, teve compaixão dele. Aproximou-se, limpou o ferimento e passou um pouco de óleo de andiroba. Depois, colocou o jovem em sua canoa, o levou para a casa e cuidou dele.
“Quem você acha que é o próximo do jovem atacado pelos ladrões?”.
“Aquele que cuidou dele. O indígena Húpd’äh”, respondeu o líder religioso.
Jesus concluiu: “Faça a mesma coisa”.
Notas:
*Os Húpd’äh são classificados na etnografia e na etnologia como sendo da família etnolinguística Maku, embora os Húpd’äh não gostem deste nome, pois significa “não-gente”, animal, sem fala, bicho do mato. Indígenas de outras etnias usam Maku quando querem menosprezar os Húpd’äh. [Fonte: Inverso, Marcelo Carvalho, 2014]
** Caxiri é um bebida fermentada feita com beiju de mandioca e manicuera fervida
• Phelipe Reis é amazonense, jornalista e missionário. Marido de Luíze e pai da Elis.
Fabiano
Rubem Alves também já interpretou esta parábola com uma hermenêutica um pouco mais contemporânea. Diferentemente da Amazonense, ela reside no fato de que o cenário em que ele a criou era um tanto quanto mais urbano, embora os personagens que não socorreram o que estava ferido à beira do caminho fossem os mesmos. Outra diferença marcante foi que, quem socorreu o ferido não era nem um samaritano e nem um índio, mas sim um travesti que o colocara em sua lambreta a fim de o levar para o hospital. De modo semelhante, ele também finaliza a parábola, “Terminada a estória, Jesus se voltou para seus ouvintes. Eles o olhavam com ódio. Jesus os olhou com amor e lhes perguntou: “Quem foi o próximo do homem ferido?”
Phelipe Reis
Fabiano, que bacana saber da releitura feita por Rubem Alves. Na verdade, quando entendemos que é preciso encarnar e contextualizar o evangelho, há inúmeras possibilidades de releituras das parábolas. O importante é que a verdade do evangelho seja relevante e faça sentido em nossas vidas, seja na cidade, no campo ou na floresta, não é verdade?!
Nesta releitura indígena, coloquei o indígena Hupd’ah no lugar do Bom Samaritano porque ele é de uma etnia um pouco desprezada pelas demais, como se fosse inferior aos Tucanos, por exemplo. Semelhante como os israelitas desprezavam os samaritanos.
Você teria o link onde eu possa ler a ‘interpretação de Rubem Alves’?
Gutemberg Vilela.
BOM DIA!
FRAQUÍSSIMA A ISTÓRIA. A AUSÊNCIA DE HERMENÉUTICA, DE EXEGESE, FALTA DE ASSUNTO, FRIEZA NO RELATO. FICOU DIFÍCIL PARCEIRO.
Phelipe Reis
Oi, Gutemberg. Tudo bom?
Não entendi muito bem suas críticas quanto à ‘istória’. Você poderia especificar melhor onde estão os erros de hermenêutica e exegese? O que quis dizer com falta de assunto? Quanto à ‘frieza no relato’, é uma questão muito subjetiva. A própria parábola contada por Jesus tem bem menos detalhes. Você a chamaria de um relato frio, também?
Um abraço.
CHARLES OLIVEIRA DA SILVA
Gostei muito dessa releitura, ficou muito bom mesmo!! Guntemberg, por favor, pode ser um pouco mais claro?