Mulheres indígenas e a luta pelo protagonismo
A missão Indígena Uniedas e o Centro de Treinamento Canaã promovem o I Encontro Evangélico de Mulheres Indígenas da Região Norte. Com o tema “Restaurando a Visão da Mulher Cristã”, o evento acontece entre os dias 11 e 13 de agosto, com o apoio da Missão Emanuel do Brasil.
Reproduzimos a seguir alguns trechos da entrevista que a vice-secretária da Uniedas, Rute Poquiviqui, concedeu à Tearfund. Além de falar das principais lutas das mulheres indígenas para terem seu ministério e liderança reconhecidos, ela também compartilhou conquistas vivenciadas nos últimos anos. Vale a pena conferir!
Sobre mulheres cristãs indígenas como referenciais
“A minha iniciação cristã começou em casa, pelo esforço da minha mãe em conduzir seus sete filhos no Caminho. Ela sempre nos falou dos ensinamentos bíblicos e o quanto devemos amar a Deus, sendo então o primeiro exemplo na minha vida de mulher cristã. Quando vamos crescendo, nosso mundo também vai ampliando e conhecendo outras pessoas e nesse caminhar elas vão acrescentando suas experiências à nossa vida. Outra que posso falar é a missionária Queila França, da Uniedas. Ela foi para o campo e está há mais de 20 anos entre os índios da etnia Aikanã (RO). Ela desbravou a mata para levar o Evangelho. A cada relato seu, das inúmeras dificuldades que enfrenta por lá, permanece fiel ao propósito de estar ao dispor do Senhor. Louvo a Deus pela vida dela e das outras missionárias que estão no campo. Poderia relatar outra mulher cristã não indígena? Sim, porém, voltaria ao início da conversa, onde não há relatos sobre a atuação da mulher cristã indígena, pelo fato de nós não falarmos de nós e sim dos outros. Mas quero aqui contemplar em lembrança uma mulher indígena, Enir Bezerra da Silva (in memoriam) que foi líder e desbravou a mata de pedra para ajudar os parentes indígenas a conseguirem uma moradia digna quando vieram para a cidade em busca de oportunidades. Ela fundou a primeira aldeia em contexto urbano do Brasil.”
Os desafios das mulheres indígenas no Brasil
“Os maiores desafios da mulher indígena não estão longe dos das não indígenas, porém, naquela especificidade, pode-se dizer que a questão da discriminação e igualdade de direitos, creio que são os que mais pesam. A discriminação de uma forma geral, os indígenas já sofrem muito. E sendo mulher, isso fica mais evidente. Penso que a discriminação e a questão da busca pela igualdade andam lado a lado. Recentemente, houve uma conquista pelo movimento indígena em colocar duas mulheres indígenas para atuarem na Casa da Mulher Brasileira, a primeira a ser inaugurada no Brasil pelo Governo anterior. Essas duas, uma falante do idioma Terena e a outra do idioma Guarani, não ficaram muito tempo, sob a alegação de que não havia demanda, ou seja, colocaram outras no lugar dessas e se chegasse alguma indígena necessitando de atendimento teria que passar novamente por outro constrangimento (casos de violência contra a mulher). Diziam que as mulheres indígenas não sofrem agressões, absurdo! A busca pela igualdade de luta pelos seus direitos, assim como os homens, também é uma batalha. Como a ex-cacique Enir Bezerra (in memoriam) enfrentou quando da sua eleição. Diziam que não poderia ser cacique porque na cultura indígena não existe cacique mulher. Ela batalhou pela efetivação, pois foi eleita pela comunidade que fundou e conquistou seu espaço. Como cacique enfrentou muitos desafios para trazer melhorias para a comunidade, pois os “homens públicos” só reconheciam cacique homem. A mulher indígena é tão capaz, eficiente e articuladora quanto o homem, seja indígena ou não. A falta de dar a elas voz, faz com que ainda permaneçam na invisibilidade, infelizmente.”
A transformação de vida da mulher indígena que se converte a Cristo
“Já ouvi relatos de mulheres de certa comunidade que, antes da conversão, não tinham vida, pois só viviam para beber chicha (bebida fermentada feita pelos índios). E que depois que entregaram sua vida a Jesus, passaram a viver. Tem um relato de uma mulher cristã indígena que agora cuida da casa, vai para a roça, participa nas atividades da igreja e mais ainda, se sente livre do vício que não a deixava ter vida. A salvação em Jesus anunciada aos povos é supra cultural, mas aquilo que está como cultura que tira a vida abundante prometida por Jesus, terá a libertação. Então, são vários contextos indígenas, cada um tem sua especificidade, mas no geral, é Cristo que dá a vida abundante.”
A gestação do I Encontro Evangélico de Mulheres Indígenas
“O I Encontro Evangélico de Mulheres Cristãs Indígenas começou a ser articulado na igreja Uniedas da aldeia São Luiz – Reserva Rio Branco/RO, em julho de 2016. Enquanto conversava com algumas mulheres lá, perguntando se já haviam feito algum evento parecido, de reunirem mulheres para estudar a Bíblia juntas, orarem, louvarem a Deus, etc, elas relataram que não tinham participado de nada assim e que se pudesse fazer um encontro lá, elas ficariam muito felizes. Conversamos muito naquela tarde e após algumas diretrizes, oramos, pois as dificuldades eram muitas, entre elas a questão da distância, parte financeira e dificuldade das irmãs disporem de tempo longe da família e seus afazeres. Mas de lá para cá, colocamos diante de Deus e pela graça dEle iremos realizar esse encontro nos dias 11, 12 e 13 de agosto de 2017. Diante disso, nasceu também o REMIN-Rede de Mulheres Evangélicas Indígenas, apresentado por ocasião da Conferência Anual das igrejas da Missão indígena Uniedas, em abril deste ano, na igreja local da aldeia Moreira, MS. O lançamento oficial está previsto para o dia 07 de outubro de 2017.”
A mulher indígena do futuro
“Creio que é de muitas conquistas. Especificamente das Terenas, com quem convivo mais, vejo que muitas trabalham, a maioria na área de educação e saúde. Elas participam de seminários e congressos sobre as políticas públicas voltadas às mulheres indígenas, estão mais habilitadas e ainda são bem atuantes nas igrejas locais. Continuam e dão continuidade à cultura e aos trabalhos artesanais indígenas. Mulheres indígenas de diferentes etnias também têm vivido suas conquistas. A mulher cristã indígena tem crescido muito e está saindo da invisibilidade, ela conta a sua própria história.”
Nota: Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui.