A Igreja e o lixão de Olinda
Por Siméa Meldrum
A experiência da Paróquia Anglicana Água Viva, em Olinda, PE, começou em 1991 com o projeto Deus é Verde, envolvendo principalmente os jovens da comunidade. A partir do projeto, conhecemos a comunidade que morava dentro do lixão da cidade e que se tornou famosa quando, em 1994, os jornais internacionais explodiram com matérias sobre o lixo hospitalar que estava sendo despejado a céu aberto naquela região, fazendo saber que pessoas se alimentavam de restos cirúrgicos pensando que eram carne bovina.
Quando Deus age com justiça, deixa muito claro que é ele quem está agindo para não haver dúvida de que pode ser apenas uma ação humana. Em função do furo jornalístico internacional sobre a família que comeu mama humana no lixão de Olinda, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) realizou uma pesquisa nacional e levantou que no Brasil existiam 5 mil lixões a céu aberto, sem nenhuma administração pública, nas mesmas condições do lixão de Olinda e todos habitados por pessoas que dividiam sua dormida e comida com ratos, baratas e urubus.
Estas pessoas estavam desumanizadas e sem perspectivas de futuro e melhorias. Muitos dos moradores do lixão não tinham documentos e achavam que nunca precisariam deles. Eles se contentavam com seu barraco feito de lixo e seu trabalho duro debaixo do sol de 40 graus. Sofriam, mas não conheciam outro tipo de vida. Comiam os restos que encontravam nos materiais trazidos pelos caminhões. Catavam papel, latas, plásticos e vendiam ao único atravessador que dominava aquela comunidade. Ele reinava sobre ela controlando o tráfico e as vendas e promovendo “benefícios” para manter o povo dominado. As crianças, quando chegavam aos 10 anos, tinham a virgindade vendida ou trocada por um pedaço de terra para fazer um barraco num lugar melhor.
Qualquer pessoa que já foi tocada pelo amor incondicional de Deus não consegue ver a obra-prima da criação nesse estado e nunca mais se lembrar desse quadro. Uma grande revolução começou em meu ministério e na forma como eu via minha responsabilidade com a missão da Igreja no mundo. A presença de Deus começou a ser mais evidente nas questões que a igreja não incluía em sua agenda nem aceitava que fossem levadas às reuniões de liderança.
A teologia que eu não conhecia estava sendo ensinada por meio da vida e do ambiente daquelas pessoas; meu mestre era o Senhor Jesus caminhando comigo no lixão. E, apesar de muita solidão, eu não conseguia trocar aquele local por nada. Deus estava ali de uma forma que nunca tinha visto antes. Eu me tornei “pentecostal” no sentido da palavra. Porque o Espírito de Deus agia de forma quase visível e palpável.
A partir daquele episódio de denúncia, as notícias chegaram às igrejas no exterior e assim vieram muitos convites para conferências missionárias, consultas teológicas, sínodos de igrejas históricas. Fui várias vezes aos Estados Unidos, Canadá, Jamaica, Malásia, Nairóbi, Inglaterra. O mundo estava alarmado com o poder que a Igreja tem de trazer transformação a uma situação de injustiça e aquelas igrejas queriam ouvir o que Deus pode fazer.
A comunidade de Aguazinha continua pobre, mas não miserável. O número de mortandade infantil reduziu e sinais do reino estão presentes ali: jovens estão concluindo os estudos na faculdade; valores do reino para o casamento fazem parte das escolhas dos jovens; podemos ver criação de filhos felizes; lares fundamentados na Palavra de Deus. Marcas que não existiam antes da chegada da Igreja.
Oramos por um Brasil mais sensível às causas socioambientais, por uma igreja que pratique a missão que Deus nos entregou e seja sinal do reino de Deus em todo lugar onde a ordem da criação esteja sendo destruída promovendo o jardim de Deus no meio da cidade.
Nota: Artigo publicado originalmente na seção Meio Ambiente e Fé Cristã, na revista Ultimato, edição 356.
• Siméa Meldrum é pastora da Paróquia Anglicana Água Viva em Olinda e assessora da Visão Mundial.