Nossa Janela 10-40
Por Ildemar de Medeiros
Nordeste brasileiro: Nossa Janela 10-40 Doméstica
Dos 222 municípios brasileiros, com menos de 1% dos evangélicos, 138 estão no Nordeste, representando 62,1%. Só na Paraíba há 35 municípios nessa situação. É a região denominada pelo missionário Sérgio Ribeiro de “nossa janela 10-40 doméstica”, comparando-a com a Janela 10-40, a qual representa a região predominante não evangelizada entre as latitudes 10° e 40° norte do Equador (paralelos à linha do Equador), um corredor maciço de pessoas não evangelizadas que se estende do Norte da África através do Centro Oeste e Sul da Ásia até o Japão.
Nesses municípios o clima é muito quente – O Nordeste é uma das regiões mais ensolaradas do globo: são 2.800 a 3.500 horas de sol por ano (mais de 8 horas por dia, em média), e a seca causada pela escassez e a má distribuição de chuvas, também afeta em vários aspectos os que são enviados como missionários, sobretudo os que são oriundos de outras regiões do Brasil, de clima mais frio ou ameno. Somando-se a tudo isso há a escassez e a má qualidade da água disponível para o consumo humano, o que pode provocar diversas enfermidades.
De onde se originam os missionários para o Nordeste?
Em geral os missionários que se dirigem aos municípios do interior do Nordeste são oriundos de grandes centros urbanos (tanto do próprio Nordeste como de outras regiões do Brasil) onde questões como transporte, luz, água, assistência médica, saneamento básico, estão disponíveis a maioria da população, realidade esta contrária à grande parte dos municípios nordestinos. Isto porque esses municípios possuem a maior parte da sua população morando em sítios, ou seja, casas, residências, nas roças, distantes uns dos outros até mesmo quilômetros. Isso se constitui em dificuldade para os missionários se locomoverem para evangelizar ou visitar até mesmo uma única família, bem como reuni-la a outras semanalmente para os cultos. Essa realidade, muitas vezes, mina a resistência dos missionários, exigindo-lhes fé e perseverança na evangelização, e principalmente na sua permanência na localidade por muito tempo.
Os missionários devem ser preparados psicologicamente
Para este contexto geográfico os missionários devem ser preparados psicologicamente para suportarem a ausência do conforto e dos recursos urbanos. Eles devem aprender a viver de maneira simples e humilde, buscando identificar-se com aquela comunidade para que pelo testemunho pessoal eles tenham credibilidade e, consequentemente, autoridade tanto moral quanto espiritual na pregação e ensino das Sagradas Escrituras.
Devem receber treinamento apropriado para enfrentarem a solidão, pois o deslocamento para outros municípios e cidades maiores é dificultado pela ausência de transporte coletivo adequado. Este, às vezes, é feito em carrocerias de camionetas ou caminhões, comumente denominados de paus-de-arara, ou usando-se motos, bicicletas, ou animais como o jumento, o cavalo ou o burro. Não raras vezes, o deslocamento de quilômetros é feito a pé.
Além destas questões há outras como isolamento em relação aos colegas de ministério, dos familiares, da sua igreja, e dificuldades em estar devidamente atualizado com o que está ocorrendo noutras partes do Nordeste, do Brasil e do mundo. Sua participação em eventos, seus estudos, podem ser comprometidos. Seus filhos também poderão sentir-se isolados e prejudicados quanto aos estudos. No quesito saúde, a assistência nesses lugares é extremamente precária. Estes fatores podem gerar stress, sentimentos negativos, desgastes emocionais e, consequentemente, sérios problemas de saúde. Entretanto, o cuidado e a prevenção aqui começam com os missionários sendo confrontados com a realidade que enfrentarão, não para que desistam, pelo contrários, para que devidamente cônscios, capacitados, avancem, e recebam da parte daqueles que os enviam todo o apoio e suporte necessários, para que perseverem.
Todos estes itens merecem bastante atenção, e com oração, planejamento e muita serenidade eles devem ser enfrentados. Entretanto, nenhum deles é suficientemente justo, razoável, para que a obra missionária não seja feita.
Quando lemos os diversos relatos da história de missões ficamos pasmos e envergonhados com a coragem e desprendimento de homes e mulheres que deram suas vidas na proclamação do Evangelho. Conforme o capítulo 11 de Hebreus, denominado a Galeria dos Heróis da Fé, nada é grande demais diante do sacrifício que o Senhor Jesus fez na cruz pela nossa salvação.
Os missionários devem ser preparados para o sofrimento
No seu livro “Missionários: preparando-os para perseverar”, a missionária Margaretha Nalina Adiwardana, no primeiro capítulo aborda a temática A necessidade de preparar candidatos ao trabalho missionário para perseverarem nas adversidades, na qual aponta as tendências culturais modernas como uma influência negativa sobre a vida dos missionários no sentido de fazê-los desistir do campo missionário:
Em suma, tendências culturais modernas podem ter ma influência negativa na capacidade de missionários perseverarem no campo de missão incluem o espírito de independência e autossuficiência, e expectativa de resultados instantâneos, a obsessão de eficácia no uso do tempo, o desejo de realização pessoal e a orientação para o sucesso (ADIWARDANA, 1999, p.29).
Dentre os quatro tipos de situações de risco no campo que levam os missionários a desistirem e voltarem para casa, a autora cita três que são muitíssimos comuns no Nordeste brasileiro: A pobreza, a enfermidade e a perseguição.
Os missionários devem receber cuidados pastorais
O cuidado pastoral do missionário quer dizer efetivamente, cuidar dos missionários que são enviados ao campo em um procedimento de pastoreio. É um estado permanente de alerta, de cuidado, de pastoreio, por parte dos que enviam visando o bem-estar dos missionários em todos os aspectos de suas vidas.
Infelizmente ao longo dos anos construiu-se e se solidificou a imagem do missionário como alguém que está acima dos cuidados pastorais e da sua relação com igreja local: Alguém que passa por todos os tipos de situações, mas resiste e vence como um super-herói. Daí, o missionário tornou-se um ícone, alguém que está acima de qualquer necessidade de cuidados ou acompanhamento.
Hoje, graças a Deus, já há melhor compreensão tanto por parte da Igreja, quanto das agências, seminários e, dos próprios missionários, de que é necessário prestar-lhes assistência pelos menos em três áreas? Saúde espiritual, corporal e mental.
Missionários no Nordeste brasileiro necessitam ser acompanhados por sua igrejas, agências de envio, líderes espirituais, através dos diversos meios de comunicação e, principalmente serem visitados pessoalmente, periodicamente, a fim de que recebam alento e encorajamento para continuarem. São muitas as histórias que temos ouvido de missionários abatidos, frustrados, por sentirem esquecidos no campo por seus líderes: Não recebem visita, nem correspondência, nem telefonema. A verdade é que dinheiro não resolve tudo.
O mais confortante que o Senhor Jesus Cristo ofereceu aos discípulos quando os enviou ao mundo, certamente foi a sua maravilhosa presença: “Eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos” (Mt 28.20b). O evangelista Marcos acrescenta: “E eles, tendo partido, pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra por meio de sinais, que se seguiam” (Mc 16.20). Os discípulos tiveram a promessa de nunca estarem sozinhos no campo de batalha! A promessa do Espírito Santo é outra maneira do Senhor Jesus garantir tanto a sua presença como a do Pai Celestial com os discípulos, “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; Vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (Jo 14.16-18).
O cuidado pastoral para com os missionários expressa a sensibilidade daqueles que enviam para com os que são enviados, e expectativa calculada de que os missionários conseguirão dar o melhor de si no campo e os frutos serão os melhores possíveis.
Nunca me esqueci da experiência vivida e narrada pelos pastores José Pontes e Sidney Xaxá, residentes em João Pessoa, que depois de passarem uma semana viajando pela zona rural, embrenhando-se na caatinga, visitando vários obreiros e suas famílias no sertão levando-lhes palavras de conforto, ânimo, e ofertas em dinheiro e vestimentas. E no sábado, ao retornarem para casa, não encontrando os familiares, foram procurá-los no shopping Center mais próximo; ao chegarem à praça de alimentação, eles se sentiram profundamente incomodados com toda aquela fartura de alimentos, bebidas, luzes, cores, vozes, gente, alegria. Lágrimas rolaram pelas suas faces; seus corações apertados balbuciavam: Que diferença! Esses pastores nunca mais foram os mesmos. Hoje eles continuam periodicamente fazendo visita aos obreiros e aos que se encontram no sertão.
Ora, se aqueles que vivem em grandes centros urbanos ao vivenciarem temporariamente a realidade sertaneja percebem o contraste, imagine aqueles que deixam tudo para ali permanecerem.
Faz-se necessário entendermos que o cuidado pastoral dos missionários diz respeito ao maior recurso humano de missões: o próprio missionário.
Os missionários devem ser preparados para relacionamentos profundos
Há também o fato de que os lugares a serem alcançados, nos quais as estatísticas apontam a inexistência de igrejas evangélicas ou até mesmo de crentes, são municípios com um número de habitantes que varia de 3 a 5 mil pessoas, o que implica dizer que os moradores facilmente conhecem uns aos outros, e quando alguém de fora chega, logo toda a cidade tomará conhecimento. Tal situação irá requerer dois missionários a consciência de que, diferentemente do homem urbano que prefere o anonimato, que valoriza a privacidade, a individualidade, o homem do interior, da zona rural, tem apreço em “saber”, conhecer, e até mesmo tomar parte na vida dos seus conhecidos, vizinhos, etc. Os missionários, então, terão de aprender a viver de modo mais relacional, sedo mais sociáveis, mais transparentes, seja com reação no contato com alguém que ele não conhece é de desconfiança, exigindo do visitante paciência e prudência na abordagem quando na tentativa de estabelecer uma amizade. Os missionários devem estar atentos às oportunidades que surgiram para mostrarem-se verdadeiramente interessados na vida das pessoas. Questões de ordem de saúde, escassez de alimentos, vestimenta, família, são meios propícios para isso.
No aspecto positivo, este tipo de convivência evitará a alienação, e os missionários não serão tidos como estrangeiros ou intrusos na comunidade, e se assimilarem corretamente este estilo de vida, logo serão considerados membros daquela comunidade. Vale a pena ressaltar um aspecto muito interessante: A integridade do missionário. O homem do interior, em especial o sertanejo, dá um grande valor ao caráter das pessoas, e certamente não aceitará o Evangelho se as ações e as atitudes dos missionários forem condizentes com aquilo que eles pregam e ensinam. Não há nada mais destrutivo para o testemunho cristão do que uma espiritualidade sem ética, sem integridade, incoerente.
Assim, eles devem ser treinados para que nesse convívio social intenso obtenham informações importantíssimas sobre seu público alvo, através das quais poderá desenvolver estratégias para realizar um trabalho consciente e profícuo. Desprezar este aspecto da vida da comunidade é incorrer em grave erro e colocar a si mesmo em desvantagem.
A capacidade de ouvir, observar, somadas às de falar, dialogar, estabelecer a conversação, são essenciais e fundamentais em tal contexto. Os missionários tanto devem se deixar conhecer, contando histórias sobre suas próprias vidas, como também buscar conhecer aqueles que eles desejam alcançar para Cristo ouvindo suas histórias e estórias.
Ildemar Nunes de Medeiros trabalhou como diretor acadêmico do Seminário Teológico da Missão JUVEP e é professor de Hermenêutica, Grego Bíblico e disciplinas na área de Missões. Texto originalmente publicado no livro Água & Luz – Os grandes desafios missionários no Nordeste.
Jean
Precisamos cuidar de nossa Jerusalem para depois ir a judeia samaria e confins da terra. Nordeste clama por missionarios.
Adm. Flavio de Deus
Não… basta isso… O intercâmbio e de tempos em tempos missões são necessárias… Os Missionários na maioria das vezes sabe onde está pisando, mas, a falta de apoio e o distanciamento da igreja urbana depois do envio, desanima.