Paralelo10 leva revista Ultimato a quatorze estados do Norte e Nordeste
No início deste mês, nosso setor de expedição enviou mais de 300 exemplares da edição atual da revista Ultimato para representantes do Paralelo10. São colaboradores espalhados em quase todos os dezesseis estados do Norte e Nordeste, com exceção apenas de dois: Tocantins e Acre, onde ainda não temos nenhum representante do projeto.
Os representantes receberam em casa a edição 360, que tem como matéria de capa “As muitas espiritualidades em São Thomé das Letras e a graça de Deus”. O título e a reportagem (pág. 21-34) foram inspirados pela visita do redator (o Mineiro com Cara de Matuto) a São Thomé das Letras, MG, considerada uma das cidades mais esotéricas do país.
Entre os artigos dos articulistas e das diversas seções de Ultimato, esta edição traz o texto “Cantando sem medo para o Deus verdadeiro”, de Héber Negrão. Ele é paraense, mestre em etnomusicologia e atua como missionário entre o povo Tembé. Sua reflexão conta a experiência de compor canções com ritmo, melodia e fraseado característicos da musicalidade do povo indígena Ka’a, que vive à margem de um rio no Pará.
Disponibilizamos a seguir o texto na íntegra. Confira:
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Cantando sem medo para o Deus verdadeiro
O povo Ka’a vive à margem de um rio no Pará e tem contato recente com a sociedade não indígena. Os missionários que me convidaram para fazer uma pesquisa de etnomusicologia naquele lugar trabalham entre eles há mais de trinta anos.
Com o desenvolvimento da igreja, viu-se a necessidade de uma liturgia adequada à cultura do povo. Eles queriam que a igreja começasse a cantar músicas para louvar ao Senhor em seu próprio sistema musical.
As músicas do povo Ka’a são executadas apenas durante as festas e estão relacionadas aos animais predadores da floresta que são as almas de pessoas que morreram.
Junto com John — missionário etnomusicólogo — tivemos o desafio de compor canções que soassem como as músicas dos Ka’a, mas sem gerar associação com as canções das festas. Dessa forma, nós gravamos algumas de suas canções tradicionais e analisamos a sua composição: ritmo, melodia, fraseado, intervalos recorrentes.
Nossa estratégia foi usar as letras de canções ocidentais já traduzidas para o dialeto local e substituir a melodia original por uma melodia que fosse adequada ao próprio estilo musical daquele povo. E deu muito certo.
Quando alguns do povo Ka’a ouviram a nova canção, eles sorriam dizendo: “muito bom, muito bom”. Apesar de reconhecerem a letra com outra melodia, eles disseram: “é assim mesmo, isso parece com a nossa música”.
Uma indígena estava com o filho muito doente e uma missionária orava com ela pelo restabelecimento da criança. Alguém havia dito para a mãe levar seu filho ao pajé, ao que ela respondeu: “Não. Só existe um único Deus verdadeiro”. Aproveitamos esse fato para criar uma canção.
As crianças sempre cantavam as músicas tradicionais bem baixinho demonstrando medo das almas predadoras. No entanto, quando elas cantavam as novas músicas da igreja, faziam-no com todo vigor e bem alto.
Percebemos então que as novas canções não estavam mais associadas às almas predadoras e ainda assim soavam como Ka’a. Agora, eles podem cantar sem medo, para o único Deus verdadeiro.
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