P10_09_07_14_Arte_indigenaPor Leonizia J. O’oro

O que antes era apenas um ornamento e parte do dia a dia da cultura de muitos povos indígenas, hoje serve como fonte de renda e pode ser encontrado e comprado em muitas lojas de artesanato ou sendo vendido pelos próprios indígenas, e, em alguns casos, até exportado para fora do país. Mas como aconteceu essa expansão na comercialização de artesanato indígena?

Sabe-se pela história que muitos povos indígenas usavam ornamentos como penas coloridas, cocares, colares, chocalhos, pinturas e outros apenas em festas ou rituais específicos. No dia a dia, eles produziam para o seu próprio uso panelas e potes de barros, cuias, colheres, flechas. Tudo era feito com matéria-prima encontrada na natureza que os rodeava, contendo detalhes que representavam um povo específico. Ouvia-se dos antigos que para certo povo foi dado o dom de fazer cestos e potes, para outro, o dom de fazer aturá, mas para nós, o dom de liderar e trocar com eles. Esse é apenas um pequeno exemplo de que nem todos os povos indígenas produzem naturalmente certos artesanatos.

Antes mesmo do contato com os “brancos”, a economia entre os povos indígenas já era presente. Naquela época, era comum a economia da troca: quem produzia potes, cestos, tipitis, peneiras etc., trocava-os por carnes de caça, frutas ou mesmo por outros artesanatos. O contato com o homem branco trouxe também o contato com o dinheiro. Percebendo que havia interesse nos artesanatos produzidos por eles, os indígenas passaram a especializar-se em produzir artesanato em grande escala, gerando, assim, uma fonte de renda. A partir desse momento, os artesanatos indígenas começaram a sofrer uma alteração, agora não sendo mais produzidos apenas para ornamentar rituais específicos, mas também para o sustento da família.

Convivendo com indígenas da região Centro-Oeste do Brasil, percebo que há muitos homens que produzem arte em madeira, e que este tipo de arte é uma forma de o homem participar na renda da família. Há uma família aqui onde moro que paga os estudos com a venda dos seus artesanatos, muito procurados na região por apresentar traços e pinturas exóticas típicas do seu povo.

Em alguns casos, esses artesanatos foram adaptados e aperfeiçoados para atender o gosto do cliente. Por isso, o que antes era feito apenas com matéria-prima proveniente da natureza, agora recebe alguns retoques “artificiais”, como miçangas, linhas, fechos para brincos e pulseiras. E tudo isso para que sua arte se ajuste ao mercado consumidor e continue sendo um meio de renda.

A inevitável convivência do índio com o mundo não indígena o fez adequar muitas coisas para a sua subsistência, sendo umas delas a sua arte.

• Leonizia J. O’oro, indígena da etnia tukano, missionária e coordenadora do curso TIB — Tradutores Indígenas da Bíblia.

 

Nota: artigo publicado na seção Arte e Cultura, da revista Ultimato 348 (maio-junho/2014).

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