Desde que moro no Rio de Janeiro utilizo as férias para visitar familiares, sendo que nos últimos anos tenho viajado maiores percursos para encontrar outros parentes, amigos e irmãos espalhados por estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, procurando conhecer melhor pessoas e contextos, bem como rogar a Deus por demandas pessoais, sociais e espirituais de nosso povo.

Há dois anos, por exemplo, sempre em companhia de minha esposa e filha e mais outros familiares próximos, lotamos uma Kombi, saímos de Araguaína, no Norte do Tocantins, e rodamos mais de 1.200 quilômetros passando principalmente em cidades do Pará como Marabá, Curionópolis (Serra Pelada), Parauapebas e Eldorado dos Carajás. Nesta cidade nos emocionamos ao visitar o monumento aos 19 trabalhadores sem-terra, mortos naquele fatídico 17 de abril de 1994. Tempos melhores foram alcançados, porém injustiças, além de teimosas esperanças, continuam a ser distintivos dessa região da Amazônia.

Maranhão: elites ricas e povo pobre
Neste início de 2012, saindo outra vez de Araguaína, viajamos cerca de 1.700 quilômetros na mesma Kombi e com o mesmo grupo visitando cidades maranhenses como Imperatriz, Açailândia, Pinheiro, a capital São Luís, Tuntum e Porto Franco. Pelo interior do Maranhão – estado com os piores indicadores sociais conforme dados recentes do IBGE – constatamos obscenos contrastes de riqueza e pobreza, uma realidade de imoralidade social que causa tristeza e indignação. Como a falta de água tratada e encanada para os moradores, o que obriga mulheres a transportarem, por longas distâncias, latas de água na cabeça, retirados de riachos ou açudes para suas casas. Casas é quase um eufemismo, pois são habitações feitas de palha de coqueiros ou de pau a pique, em condições precárias, constituindo-se num desrespeito à condição humana, segundo a “ordem do Éden”, feita por Deus no princípio da criação. Crianças desassistidas de seus direitos básicos ainda trabalham para ajudar no sustento da família, apesar da casa, à beira da estrada anunciar o serviço ali prestado: “Programa de erradicação do trabalho infantil”. Homens pescam em pequenos açudes – se é que se pode assim denominar – poças quase de lama, pois a água vai escasseando, em busca de alimento. Por entre cidades e lugarejos extremamente pobres passa, paradoxalmente, a ferrovia que transporta abundantes riquezas, como o minério de ferro da Serra dos Carajás para São Luís e daí para ser exportado.

Às margens das rodovias, por centenas de quilômetros e a perder de vista, o cultivo continuado de eucaliptos feito por grandes empresas que aumentam permanentemente seus lucros. Uma tragédia ecológica anunciada, pois, como é sabido, após reiterados plantios, essas árvores tornam o solo arenoso, portanto, improdutivo. Isso inclusive num município de nome curioso: Bom Jesus das Selvas. Gostei dessa versão ecológica de Cristo, embora não haja mais selva nativa, apenas eucalipto.

Como precisamos voltar aos ensinos básicos de Deus quanto à relação com o meio ambiente! (Gn 2.15). Como precisamos aprender a cuidar da terra conforme exemplo dos índios Guajajara que habitam especialmente a região de Barra do Corda (MA)!

Ao passar por diversas aldeias um fato despertou nossa atenção: templos da Assembleia de Deus. Na parede frontal estava escrito o nome da igreja tanto em português, como é comum, como na língua dos indígenas. Então recordei que diante do trono de Cristo estarão povos, tribos, línguas e nações exaltando o Cordeiro de Deus (Ap 7.9, 10).

Tocantins: inspiração e ação missionárias
Voltando a Araguaína, após as aventuras com a Kombi, passamos a viajar de transporte rodoviário, indo para Palmas, num percurso de 400 quilômetros. Da capital do Tocantins fomos a Tocantínia, onde encontramos a valorosa missionária que merece todas as honras e méritos dos batistas e evangélicos brasileiros, D. Margarida Lemos Gonçalves. Era sábado, à tarde, tempo propício para o descanso, entretanto, a despeito de seus quase 85 anos, a mulher que tem dedicado já seis décadas ao trabalho de Deus no Tocantins liderava uma reunião com professores e gestores públicos em prol da reabertura do famoso e querido Colégio Batista do Tocantins (que aconteceu em fevereiro) numa parceria com os poderes públicos. Nessa nova fase, após mais de 70 anos de atividades, o colégio vai se dedicar à formação profissionalizante. Quanta fé, ousadia e disposição dessa missionária especial para servir a Deus numa idade em que muitos querem desfrutar, merecidamente, sua aposentadoria.

Dona Margarida: seis décadas de trabalho missionário em Tocantins

Emocionamo-nos ao visitar os belos, antigos e amplos prédios, numa grande área verde, que têm servido por diversas gerações à formação de crianças e jovens, com sólidos valores cristãos e de cidadania, para o bem de nossa pátria. Ali, com D. Margarida e seus colegas de reunião, oramos agradecendo a Deus pela vida de pioneiros que se dedicaram ao serviço de Deus, como Zacarias Campelo e família, casal Colares, Beatriz Silva e tantos outros, como a própria D. Margarida, também intercedendo pelo novo desafio ora assumido por ela. Com gratidão e alegria abraçamos a querida e corajosa missionária.

Em frente ao “Lar no sertão”, casa que serviu de residência a D. Beatriz e também a D. Margarida,, além de outras missionárias, e que também hospedou tantos servos de Deus em passagem pela cidade e região, paramos e fotografamos, marcados pela emoção e gratidão ao Senhor. A rua não poderia ter outro nome: Beatriz Silva, cujas placas com a referida inscrição estão em todas as esquinas da rua. Nessa pequenina cidade, bem próximo ao colégio e ao Lar no sertão, está o grande templo da Primeira Igreja Batista, que tem alcançado e abençoado centenas de vidas. Os índios, próprios da região, estão por toda a parte, inclusive inseridos nas igrejas. Nessa mesma região está o casal de missionários Gunther e Vanda Krieger, que há mais de 50 anos trabalham entre os índios Xerente. Mas isso já é assunto para outra viagem…

Aproveito para recomendar um livreto recentemente publicado pela União Feminina Missionária Batista do Brasil (UFMBB – www.ufmbb.org.br), da autoria de D. Margarida, que abençoou muito minha vida. Trata-se de A missionária que veio para ficar sobre a vida preciosa e cheia de boas histórias de Beatriz Silva, que também envolve a própria autora, outra forte legenda da ação missionária dos evangélicos e batistas brasileiros no interior do Brasil.

De Itacajá a Palmas
De volta a Palmas, agora usando carro, estivemos na Primeira Igreja Batista onde participamos da Escola Bíblica Dominical e depois, por generosidade de um irmão, seguimos para conhecer as novas instalações do Lar Batista F. F. Soren, que completa nesse 2012 exatos 70 anos de existência sendo efetivamente bênção divina para crianças e adolescentes. Fundado em Itacajá pelo casal Colares, o Lar foi transferido há dois anos para a capital do Tocantins, com instalações e ambiente social capaz de alegrar e até orgulhar, além dos batistas brasileiros, qualquer pessoa que se preocupa seriamente com o cuidado de crianças e adolescentes em situação de risco social. Ficamos mui bem impressionados com toda a estrutura e o trabalho que é desenvolvido pelo Lar Batista. Crianças de todas as idades, até 17 anos são acolhidas e bem cuidadas por missionárias e missionários que têm empregado suas vidas para servir integralmente a Deus. Vale a pena conhecer e investir neste espaço cristão, sobretudo de orar por todos que compõem o querido Lar Batista F. F. Soren. Para mais informações: www.jmn.org.br

Voltamos a Palmas e de lá para Formoso do Araguaia, onde pregamos em algumas igrejas. Deixamos o Tocantins e fomos a Goiânia, já em Goiás, onde também oramos e proclamamos a Palavra de Deus. As férias se encerraram e regressamos ao Rio de Janeiro, onde a missão e as orações continuam.

Uma marca dessa viagem, por tão diferentes espaços do Norte, Nordeste e também Centro-Oeste do Brasil, é que por onde passamos e com quem estivemos, oramos a Deus por pessoas, contextos e desafios de nosso país. Afora os percursos aéreos, rodamos ao total cerca de 4 mil quilômetros, quase nada para um país que tem mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, cheio de belezas, injustiças e também esperanças. Como denota a casinha pobre, feita de pau a pique, perdida no interior de um lugarejo isolado do Maranhão. Sobre a janela, três vasos rústicos de barro com bonitas plantas ornamentais evocam a teimosia da vida e da esperança.

Precisamos continuar a rogar, a amar, a contribuir e a participar da missão de Deus, seja nos cantos e recantos de nossa pátria como em outras partes do mundo, para que haja mais alegria, mais justiça, mais redenção.

P.S: Além do livro acima indicado, para conhecer mais sobre a obra missionária e os pioneiros no Tocantins recomendo outro livro recém publicado numa edição atualizada, escrito para adolescentes, mas abençoador para qualquer idade. Trata-se de O Aventureiro que Deus Usou sobre a vida singularmente impressionante do pastor Zacarias Campelo, publicado pela mesma UFMBB.
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Clemir Fernandes, pastor e sociólogo, apaixonado por conhecer pessoas e distintos contextos, especialmente os mais simples do interior do Brasil. Membro da Igreja Batista Memorial da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ.

 

  1. Que relatório emocionante, cheio de sinais de vida e bênção nos rincões mais isolados de nossa pátria. Que Deus continue a abençoar a todos os e as valentes comprometidos com sua obra, a serviço do povo, especialmente nas regiões mencionadas.
    Parabéns pelo relato,
    Tonica

  2. “D. Margarida Lemos Gonçalves… quase 85 anos, a mulher que tem dedicado já seis décadas ao trabalho de Deus no Tocantins…
    É esse tipo de exemplo que devemos copiar e divulgar pra igreja atual. A Missão não exige idade. Exige um coração disposto e corajoso.

  3. Parabens Clemir Fernandes, me orgulho de ser sua irma biologica, sua irma em Cristo, sua amiga, ou melhor de voce ser meu amigo, kskksk. e de ter feito parte desta viagem tao emocionante e gratificante. realmente so sabe quem viveu o que vivemos nesta aventura mundao afora.

  4. Estas noticias muito me encoraja a continuar a percorrer as estradas do sertão nordestino com a minha águia branca(kombi) como a chamo cariosamente e espero em DEUS poder ser usado pelo um bom tempo com vigor como a irmã Margarida.

  5. São depoimentos como estes que me anima a perseverar orando e contribuindo com tanta alegria pela obra missionária. Lendo o relato desta viagem me lembrei do mergulho que dei em uma viagem profissional no Sertão baiano e constatei os contrastes verificado pelo irmão Clemir. Parábens.

  6. Um relato de viagem que me fez andar lado a lado com você pr. Clemir. Eu lia, caminhava e parece que via cada paisagem citada no texto. Obrigada por esse momento. Obrigada Senhor pela vida da Missionária Margarida Lemos Gonçalves

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