Para superar os obstáculos foi preciso aprender a ver Uadson com outros olhos
Como parte da 6ª Campanha Meu Educador Social Cristão, a Rede Mãos Dadas buscou uma história de superação para te ajudar a continuar sempre.
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Sou Jamira Alves Muniz. Lembro-me como se fosse hoje o dia em que cheguei à Escola Comunitária Luiza Mahin através da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia. Foi em julho de 1992 e a minha missão era dividir com outra professora os educandos.
Foi assim que começou um verdadeiro desafio. A turma era de 30 alunos que não cabia na sala que era muito apertada para um trabalho de socialização do conhecimento.
Então resolvemos dividir em duas turmas. Quinze ficariam no mesmo local e os outros quinze foram para uma sala, alugada para atender essa turma, que funcionava do outro lado da rua.
A turma era animada, mas tinha muitas dificuldades. Acredito que suas dificuldades eram mais ligadas às relações familiares do que à questões pedagógicas. E eu aceitei o desafio de tentar responder aos desejos e necessidades daquela turma.
Cada um apresentava sentimentos e olhares diferentes. Entre esses estava Uadson Silva Santana que tinha 9 anos de idade. Ele me surpreendeu com um comportamento mais próprio a crianças de 4 anos. Assim que a aula terminou a própria mãe veio para informar e me disse: “Professora, estou aqui para dizer logo que meu filho é doente mental”. Como prova, ela trouxe os remédios e pediu para eu anotar, assim eu não ia ficar preocupada.
Deixei que o meu coração operasse naqueles dias e fui observando a personalidade de cada um. Sabia que cada um trazia um comportamento fruto das famílias e que meu papel ali não era de julgar e sim de me tornar apoio para aquelas meninas e meninos.
Uadson foi o menino que mais me inspirou a não desistir e a buscar mais conhecimento. Comecei a estudar muito. Lia livros de psicologia. Conheci as ideias de Paulo Freire em uma Roda de Conversas muito rara que acontecia pela CECUP (Centro de Educação e Cultura Popular) que se tornou uma escola para mim. Foi para mim um prêmio por acreditar na educação popular e lutar para que isso fosse a minha libertação.
Li o livro Pedagogia da Autonomia buscando entender cada capítulo — não porque queria desenvolver uma tese e sim para entender o que eu vivia enquanto educadora dentro daquela sala. Descobri o quanto aprender a ler e escrever seriam habilidades desenvolvidas no momento de cada um, o quanto vivenciar a arte era importante, etc.
A arte foi o que fez Uadson se descobrir como um educando cheio de possibilidades de leituras de vidas e leituras do mundo no qual ele fazia parte.
As facilitações levaram Uadson a dançar e a entender os mistérios do seu corpo, a tocar flauta, a aprender que a música está dentro de nós, a desenhar fazendo do interno um elo para expor ao externo os seus sentimentos.
Todos esses talentos ali recolhidos e agora expostos porque eu tinha conseguido estabelecer um espaço de educação que acredita no ser humano.
Na verdade, ele era um educador brilhante que só agora sentia o desejo de ler para o mundo as letras formais. O trabalho continua e os desafios são outros.
Já se passaram 28 anos e de lá para cá muitos outros Uadsons se achegaram para o meu ciclo de construção pedagógica. Uadson foi o primeiro e nesse momento eu só quero dizer: “Obrigado, Uadson e a tantos outros que passaram na minha vida de educadora social. Eu me orgulho muito de todos vocês”