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João (2014)

Por Liz valente

Estou pensando sobre o momento em que peguei os meus pequenos pela primeira vez. Foram em circunstancias distintas que me vi grávida deles, mas ambas as gravidezes trouxeram o mesmo sentimento sublime de que a vida estava em curso. A vida estava compartilhada entre meu corpo forte e seus corpinhos frágeis ainda em formação.  Pegá-los pela primeira vez foi especial, a partir de então cada um era apenas um e começamos a jornada deliciosamente assustadora de nos descobrirmos.

Eu nunca fui daquelas meninas que sonham com a maternidade.  Mesmo na juventude eu não fantasiava com a ideia, ser ou não ser mãe era apenas uma coisa que poderia ou não acontecer. Por isso quando segurei o João em meus braços instantes após seu nascimento tive uma reação que me surpreendeu: imediataneamente o amei. Chorei aliviada da dor do parto e fui tomada pela presença palpável da misericórdia de Deus. A misericórdia de Deus pesava aproximadamente 4kg, e se enrolava feito tatu bola em meus braços inseguros. Ela parecia um marca texto destacando a beleza da vida humana tão inédita que ali respirou pela primeira vez.

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Davi (2016)

Não gosto da expressão “fazer um filho”.  De vez em quando amigas mais jovens me perguntam como é a sensação de estar grávida? Eu sempre digo que é muito curioso, as coisas acontecem sozinhas, me sinto figurante de um filme de ficção cientifica. Eu durmo, como, e basicamente sigo fazendo as minhas coisas, enquanto o neném lentamente multiplica-se de uma para duas células, de duas para quatro e… Voislà! Cérebro, unhas, rins e tudo mais! Eu não “fiz” nada, o filho se fez. Ou melhor, a misericórdia de Deus permitiu que mais um filho se fizesse, viesse a ser. Ser! Fazemos comida, coisas, ideias, a vida é outra historia. Já dizia o velho Livro “Nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus que faz crescer”(1Co3.7).

Quando o Davi apareceu, com seus fartos cabelos pretos, dentro segundos ele estava no meu peito. Olhando pra cuca dele de cima, como quem avista um mistério, novamente chorei de emoção. Mais uma vez fui tomada pela densa presença da misericórdia de Deus. Senti-me agraciada. Meu corpo aliviado concentrou toda energia que lhe restava para pulsar o coração largo e sorridente. Quem sou eu para segurar tanta graça? Quando se está diante de um evento tão sublime quanto um nascimento não há como não se encolher, a única pessoa que ousa falar gritando é o neném com seu choro espontâneo de pavor. Viver é assombroso.

Apelidei meus meninos secreta e carinhosamente de “filhos da misericórdia”. Não é uma expressão que uso em voz alta, apenas internamente quando penso sobre eles. É uma expressão que me remete ao motivo deles existirem: a misericórdia de Deus atuando no mundo, renovando a humanidade; dando vida a meninos preciosos, dando a experiência da paternidade a pessoas comuns como eu e o pai deles.


Publicado originalmente no Blog Paisagem Interna – Um pedaçinho de mim 

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