imag_opi_12_10_criancaPor Klênia Fassoni

– Uma história sem pé nem cabeça, do início ao fim divertida, ‘sem’ propósito e ‘sem’ coerência. Tinha ritmo e figuras. Um mundo de impossibilidades que parecia real por suas cores tão nítidas!

– Uma menina dançando, rodopiando, como se estivesse de olhos fechados sem notar ninguém. Tímida, naquele momento estava solta, feliz. Estava em outro mundo, devaneando. Eu a invejei.

– Uma pedra alta no caminho de casa, que virou monumento, onde sempre voltava e reafirmava pequenas certezas de criança, teologia difusa, mas sincera. Eu o acompanhava com o coração.

– Uma alegria “que doía”, de tão intensa, por causa de uma música “triste/alegre”. Ouvia de olhos fechados para senti-la melhor. Neste momento não estava ali, estava em outro lugar invadido por felicidade.

– Uma oração – o Pai Nosso orado como se de fato o Reino de Deus pudesse vir para todos os espaços da vida. Se na escola ensinavam sobre reciclar o lixo, o menino suplicava que “todo mundo do mundo” aprendesse a cuidar do lixo; se tinha dificuldade de dormir, pedia a Deus um bom sono e que isto se estendesse a “todo mundo do mundo”.

– Um prato de comida que era também a sua ilha onde guerreiros e dinossauros duelavam.

– Bolhas de sabão podiam ser tudo, nuvens no céu também. Vagalumes mensageiros. Bichos voadores. Que delícia de absurdos!

São algumas das relíquias que guardo da minha convivência com os filhos crianças. Dádivas do céu, eles tiraram um pouco da minha excessiva sobriedade, desorganizaram meu espaço e meu tempo e emprestaram novos significados a minha vida. Pouco imaginativa, recebi deles este precioso presente, que me permitiu uma inocência infantil que vê além do rigor racional.

Ainda hoje preciso das crianças para desenvolver esta habilidade. Os filhos cresceram; vieram as netas que à distância me oferecem pequenas doses de imaginação. Recorro aos filhos dos amigos e a outras crianças. Não nego! Roubo deles um pouco de sua imaginação. E recomendo que outros o façam.

Há alguns anos rascunhei a história de um personagem caricaturado, com o qual me identificava parcialmente. A história está só esboçada; ao final há uma anotação de que ele se redimiria de sua insuportável sensatez, e que isso aconteceria por meio de sua convivência com as crianças.

Amaro era grávido de ideias, dono de uma lógica impecável. Argumentava, especulava, questionava: a respeito de tudo e todos, de si para si. Respondia o que ninguém perguntava. Inferia intenções, pesquisava causas, pressagiava efeitos, antecipava juízos, vaticinava destinos. Desde que se conhece por gente é assim. Achava que era um dom, e houve época que até se gabava disto. Depois passou a ser um peso. Percebeu que a aridez de imaginação lhe empobrecia a vida, e, de uns tempos para cá, deu para se autoexaminar: investigava a si mesmo, acusava-se, defendia-se, replicava. Fora de controle, o autotagarela, o tiranizou. Exausto e infeliz, procurou ajuda.

Ainda bem que podemos contar com as crianças para nos levar de volta pelo caminho da imaginação. Que podem nos ajudar a desenvolver a habilidade e a usufruir a liberdade para imaginar, um dom dado por Deus!

Ilustração: Liz Valente

 

Publicado originalmente (Aqui!)

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