Conflito doméstico vira tragédia nacional
Por Vanderlei Schach
Em tempos difíceis, ele me esconderá no seu abrigo. Ele me guardará em seu Templo e me colocará em segurança no alto de uma rocha (Sl 27.5).
Frequentemente a mídia exibe reportagens sobre atrocidades macabras cometidas contra pessoas. Os agressores não poupam crianças e mulheres. As reportagens trazem notícias sobre estupro em público, coletivo, chacinas, assassinato com esquartejamento e assim por diante. Estas notícias sempre são destaque nacional e até internacional.
Ao ler a Bíblia, o cenário parece não ser muito diferente. Ao ler alguns capítulos, dá a impressão de se estar lendo uma página policial de algum jornal. Mas o que é verdade mesmo é que a Bíblia não esconde a maldade e violência do ser humano. Tudo o que acontecia a milhares de anos passados em termos de violência, ainda acontece atualmente, apesar do avanço da ciência e tecnologia para combater o mal (ou para praticá-lo?).
Muito antes da época de Jesus Cristo, os israelitas fizeram um santuário para que Deus pudesse habitar no meio deles (Êx 25.8). Com a chegada de Jesus Cristo, Deus passou a habitar de forma individual e coletiva no meio do seu povo, ou seja, o santuário em que Deus habita não é mais de pedras e objetos, mas de vidas preciosas. A habitação de Deus deve ser um lugar onde as pessoas possam buscar segurança em tempos difíceis.
Contudo, a Bíblia relata um caso de violência de um homem, levita (membro da tribo de Levi e que servia no santuário juntamente com os sacerdotes). Após o desentendimento a mulher volta para a casa de seu pai, (Juízes 19.1-30). Um desentendimento doméstico que virou tragédia nacional, porque envolveu todas as tribos de Israel. Depois de quatro meses o levita resolve buscá-la de volta. Na viagem de retorno, teve que pernoitar na casa de um amigo. A lei da hospitalidade no Oriente Médio era forte e não se permitia que um viajante pernoitasse em zona rural ou mesmo numa praça pública. O amigo hospedeiro oferece-lhe sua própria casa, eles jantam e conversam assuntos do dia até que repentinamente surgem homens gritando em volta da casa. Estes homens são classificados pelo relato sagrado como vadios e gritavam “traga para fora o homem que entrou em sua casa para que tenhamos relações com ele!” (19.22). Mas o hospedeiro saiu e disse-lhes: não façam tal loucura contra meu hóspede. Porém eles continuavam insistindo, então o hospedeiro lhes entregou sua filha virgem e o levita a sua companheira para que fossem abusadas. Ao amanhecer o dia, deixaram a mulher e ela conseguiu arrastar-se até a porta da casa, onde caiu e morreu. O levita levantou-se para seguir viagem e ao abrir a porta encontrou a sua companheira “caída à entrada da casa, com as mãos na soleira da porta. Ele lhe disse: ‘levante-se, vamos!’ Não houve resposta. Então o homem a pôs em seu jumento e foi para casa.” (19.27-28). Ao chegar em casa, dividiu o corpo em doze pedaços, e enviou um para cada tribo. Todas as pessoas das tribos disseram: “nunca se viu nem se fez uma coisa dessas” […].
Desse trágico episódio, surgem alguns fatos: o levita foi tão culpado da morte da sua companheira como os que a estupraram até a morte, por que ele a entregou para preservar a sua própria vida; ele mentiu aos seus irmãos israelitas durante seu interrogatório dizendo que os homens vadios queriam matá-lo e estupraram a sua companheira; enquanto as pessoas se surpreendem com casos estupro, a Bíblia os descreve, porém referindo-se às pessoas que os cometem e que deveriam ser santuário de proteção aos mais fracos.
As tribos de Israel deveriam compreender a segurança de Deus entre eles, acolhendo e protegendo-se mutuamente, porém uma mulher é violentada brutalmente durante toda noite e morre com as mãos na soleira da porta da casa. Aqui cabe uma indagação: “a igreja, ou seja, as pessoas nas quais Deus habita, não permite que alguém fraco, explorado, violentado, morra fora do santuário, com as mãos na soleira da porta?” Como que um homem pode dizer para mulher violentada por vários homens durante toda noite: “levante-se, vamos seguir viagem.”? Faltou sensibilidade por quem poderia proteger.
Muitas mulheres mães e crianças chegam até a soleira da porta de proteção do santuário, mas são aconselhadas a seguir suas vidas em outro lugar, curar sua feridas com alguém ou, ainda pior, simplesmente são entregues aos assassinos. Quantos pais vendem suas filhas para exploração sexual, ou trocam por drogas?
Ao dividir a mulher em doze partes, o levita apenas estava tentando chamar atenção para seus irmãos para que fizessem justiça com aqueles que provocaram tamanha maldade, ao invés de protegê-los. Se tivessem eliminado os assassinos, muitas outras vidas poderiam ser protegidas da violência. Portanto, como filhos de Deus e membros do corpo de Cristo e santuário onde Deus habita, ou seja, a igreja, temos que dar atenção especial às crianças que são abusadas, adolescentes grávidas, pessoas traumatizadas desde a infância por questões de abuso sexual. Também temos que dar atenção àquela mulher abandonada com seus filhos pelo marido ou ainda às crianças que acompanham as brigas dos pais. Um simples conflito doméstico mal resolvido pode acabar numa tragédia familiar ou escolar e de repercussão nacional.
Questões para reflexão:
1- Como que a igreja, santuário de Deus para proteção tem se posicionado em relação à violência cometida contra mulheres e crianças?
2- O que pode acontecer no santuário de Deus quando ha pessoas que pecam prejudicando os mais fracos?
3- A violência nas escolas já não é uma repercussão nacional de conflitos familiares não resolvidos?