Quando o professor de direito Boz Tchividjian, afirmou para um grupo de jornalistas que a resposta que os evangélicos dão ao problema do abuso sexual é pior do que a dos católicos, sua afirmação circulou pelos meios de comunicação pelo mundo todo. Afinal, ele tem autoridade para emitir tal opinião. Além de ter sido promotor de justiça por mais de uma década no estado da Flórida, ele está intimamente ligado ao movimento evangélico norte-americano. Aliás, seu avô, Billy Granham, foi talvez o maior líder do movimento evangelical no século XX.

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COMEÇA CEDO

Veja abaixo opiniões de duas pessoas intimamente ligadas ao movimento evangélico brasileiro e que estão, ao mesmo tempo, inseridas no movimento de defesa e cuidado da criança:

De fato, a Igreja Evangélica tem feito muitas vezes vistas grossas na questão do abuso, limitando-se a desligar a pessoa. Isto faz com que a oportunidade exista para a mesma pessoa repetir seu comportamento em outra instituição. Vimos isto acontecer em João Pessoa, onde, após 10 anos do mesmo comportamento repetido em várias instituições, a Tearfund foi a única que teve a coragem de encarar e processar o abusador. Mas o processo foi arquivado por falha da justiça.

Sabemos também que a prisão não cura ninguém e ainda estigmatiza a família. Eu tive a oportunidade de participar do processo de cura de uma família. Hoje, estão todos restaurados e firmes na igreja.

Por isto, a ênfase na prevenção e no tratamento das famílias me parece prioridade. 

Isabelle Ludovico, psicóloga, especialista em terapia familiar 

Na oficina Um Lugar Seguro – Politicas de Proteção para Igrejas, ministrada por mim no Encontro RENAS, Fortaleza, em setembro deste ano, recebi a seguinte pergunta de uma das participantes: “Você tem uma pesquisa ou estatística de casos de violência sexual em igrejas evangélicas?” Eu respondi que desconheço alguma estatística desse gênero, embora já tenha tentando pesquisar algo nesse sentido. Temos visto e ouvido dos casos da igreja católica, mas de igrejas evangélicas são poucos os denunciados e registrados.
Fazendo um link com esta noticia, parece-me que  estas colocações de Tchividjian  são reais, embora eu questione algumas delas. Comecei a listar as que vem nessa notícia. Ele diz que:
 
“O campo missionário é um ímã para abusadores sexuais”
Imagino que ele fala baseando-se em seu contexto. Pode ser que seja um ímã, mas eu diria que o campo missionário pode ser um facilitador para agressores sexuais terem acesso a suas vítimas. Se pensarmos que  igrejas (pessoas e os espaços de convivência) oferecem muitos riscos para a proteção das crianças e adolescentes, por não estarem devidamente sensibilizadas e mobilizadas para implementar políticas de proteção preventivas, podemos dizer que sim, que o campo missionário pode ser um facilitador, pois os missionários vêm das igrejas.
Além da oração, do testemunho pessoal e experiencia ministerial, se as igrejas não atentarem para mecanismos e processos para a seleção de seus vocacionados, há grandes riscos destas agencias missionárias (que servem e cooperam com as igrejas no envio de missionários aos campos) facilitarem o processo de uma pessoa com o distúrbio da pedofilia e potencial agressor ter acesso fácil a crianças e adolescentes. Entendo que os mecanismos e processos de seleção podem ser grandes auxiliares para verificação dos frutos na vida dos vocacionados. “Pelos seus frutos os conhecereis…”
 
“Ele acha que estamos pior que os católicos. Muitos evangélicos sacrificam almas de jovens vítimas”
Não sei se estamos melhor ou pior. Entendo que assim como na igreja católica, há também vários tipos de violências nas suas mais diversas categorias entre os evangélicos. O fato é que muitos casos da igreja católica têm se tornado públicos, mas poucos são os que vemos publicados das igrejas evangélicas. Nesse sentido sim, acho que muitas crianças, adolescentes e jovens tem sido sacrificadas pelo  silêncio, desatenção e omissão de lideranças evangélicas em muitos casos, para proteger suas instituições. Porém essa não é a proposta  de ações de justiça do Reino de Deus compartilhadas por Jesus no Sermão do Monte.  Este é um caminho delicado e difícil, mas possível, afinal a proteção é intrínseca aos valores do Reino. Não há como um missionário sinalizar este Reino sem amar, sem valorizar e proteger as pessoas, especialmente as crianças e adolescentes, para o saudável desenvolvimento das potencialidades dadas por Deus.
 
“A cultura protestante é definida pela independência. Evangélicos frequentemente desaprovam a transparência e a prestação de contas.”
Não concordo com a segunda parte desta colocação. Não dá para generalizar que os evangélicos desaprovem a transparência e a prestação de contas. Atualmente vejo que há um movimento sério no sentido de buscar mais transparência mesmo em questões tão delicadas. Como ele próprio disso, há movimentos positivos.
Penso que apesar das tristes constatações há lideranças que realmente procuram pregar e viver o evangelho da paz, promovendo uma cultura de justiça do Reino. Há esperança na prática!  São muito positivas es campanhas e mobilização de Renas, Mãos Dadas, Movimento Juntos pela Infância no Brasil e América Latina na promoção e garantia dos direitos das crianças e adolescentes, contra qualquer tipo de violência e exploração. A igreja evangélica está aí nesses movimentos, embora, como instituição e de forma mais organizada precisa se envolver mais e fazer mais.
As ações desses movimentos também ressoam para as agencias missionárias que a meu ver, nesse momento estão se despertando para a temática diante da necessidade de refletir e de se organizar de forma mais consistente, construindo e implementando suas políticas de proteção. Na Junta de Missões Mundiais, da Convenção Batista Brasileira, estamos no momento construindo e pensando em ações de implementação dessa política de proteção à criança. Sei que é um processo a médio/longo prazo, mas é algo positivo que está se fazendo e esta semente pode influenciar a outros.
Oro que a realidade que esta notícia nos traz seja transformada. Que nos campos missionários, através das igrejas, dos missionários, seus programas e projetos possa haver maior e melhor prevenção contra qualquer tipo de violência e exploração de crianças. Que as agencias missionárias sejam também promotoras de espaços seguros onde crianças e jovens possam conhecer a  Jesus, serem verdadeiramente libertos, restaurados e desfrutar de todo o potencial que Deus lhes tem dado.
Terezinha Candieiro, missionária e coordenadora do PEPE Internacional da Junta de Missões Mundiais.
 
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  • Baixe e visualize a cartilha uma ação educativa contra exploração e o abuso sexual de crianças e adolescentes (aqui)

 

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