A corda arrebenta para o lado da criança!

Transcrevemos aqui um relato retirado do livro Teoria e Prática dos Conselhos Tutelares. A pergunta que exige resposta é: o que fazer para que relatos como este se tornem raros ou até inexistentes? A Rede Mãos Dadas acredita que os elos mais vulneráveis em qualquer situação de crise são as crianças. Como cidadãos com dupla cidadania (cidadãos brasileiros e cidadãos do Reino de Deus), cada um de nós precisa se preocupar e lutar para que as “viúvas” e os “órfãos” modernos sejam o alvo de medidas protetivas eficazes. Queremos que o choro de mulheres como a Jorgina se transforme em ações de graça a um Deus que protege os pequeninos e os livra do mal.

 

A história da Jorgina aconteceu na chegada do século XXI (CAVALCANTI, 2002). Ela mora em um morro do Rio de Janeiro com dois filhos, uma menina de dois anos e um menino de um ano e três meses. Durante o dia, deixava-os a sós dentro de casa e saía à procura de trabalho e comida. 
O pai do caçula era traficante e estava preso. O pai da menina, também envolvido com drogas e ex-presidiário, morava no morro com a mãe e a família.
 
A supervisão do Programa Médicos de Família recebeu uma denúncia de negligência e a equipe foi averiguar. A médica encontrou as crianças sozinhas em casa. Cadastrou a família e relatou a situação à supervisora do serviço social. Mobilizaram a comunidade para que ajudasse a família. A Associação de Moradores doou um fogão e alimentos. As crianças continuaram a ficar sozinhas enquanto Jorgina saía à procura de subsistência e emprego. O conselho tutelar foi imediatamente informado; fez um relatório e solicitou vagas para as crianças em uma creche. Dessa forma, a mãe poderia trabalhar enquanto os filhos ficariam assistidos e seguros. Há poucas creches na região; algumas delas são pagas e nas gratuitas dificilmente encontram-se vagas. Além disso, as creches só aceitam crianças a partir de quatro anos completos e com a certidão de nascimento. O conselho tutelar conseguiu as vagas, mas as crianças não eram registradas. Elas só poderiam freqüentar a creche mediante a apresentação da certidão de nascimento.
 
A profissional da saúde, preocupada com a demora na execução das medidas de proteção para as crianças, foi ao conselho tutelar junto com a mãe pedir ajuda para registrar as crianças de forma mais rápida. Infelizmente, a burocracia emperrou o processo. Passados cerca de três meses, as duas crianças, que estavam sozinhas em casa, entraram debaixo do fogão  e o fundo caiu sobre elas, matando a menor.
 
O enterro só foi efetuado após a criança ser registrada (ação até então obstaculizada), tendo em vista a necessidade do atestado de óbito. Imediatamente a mãe perdeu a guarda da menina, que foi internada em uma instituição, por ordem judicial.
 
A médica e a supervisora do serviço social fizeram novo relato ao conselho tutelar e ao juiz, explicando que o conselho havia sido informado das circunstâncias antes do episódio fatal. A mãe estava sofrendo com a perda do filho e afastá-la da filha seria penalizá-la duplamente. Ela era uma mulher trabalhadora e uma mãe carinhosa. O juiz se dispôs a suspender a institucionalização, desde que outro adulto se responsabilizasse pela menina. O pai então recebeu a mãe e a filha em sua casa, assumindo a guarda da criança. Mais tarde, Jorgina conseguiu emprego e foi morar em outro local, retornando periodicamente para visitar a menina.

 

Para pensar

  • Como você analisa as ações da rede de instituições envolvidas no apoio a Jorgina e seus filhos?
  • Você concorda que essa rede de atendimento não se configurou como um atendimento em rede? De que forma as instituições poderiam ter se organizado para oferecer um atendimento eficaz?
  • Você acha que igrejas evangélicas locais, aquelas pelas quais a Jorgina possivelmente passava em frente todos os dias, têm alguma responsabilidade diante de Deus, para com esta família?

 

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