Por Fernando Freitas

 

Em 2024 participei do Congresso Lausanne IV (Seul), que, mais uma vez, ofereceu uma visão ampla do que Deus tem feito por meio de Seu povo nas nações. Vozes de diferentes línguas, culturas e contextos compuseram uma tapeçaria vibrante de testemunhos, reflexões e desafios. Entre relatos de avanço missionário, estratégias colaborativas e movimentos globais, emergiu uma percepção sutil, porém significativa: entre os painéis principais, não houve um espaço dedicado exclusivamente ao cuidado emocional do missionário e de sua família.

Embora ausente da programação central, o cuidado integral do missionário se fez presente em conversas nos corredores, fóruns paralelos e encontros informais. Surgiram ali relatos de esgotamento, tensões familiares, conflitos interpessoais, desânimo e abandono emocional. Não eram apenas histórias isoladas, mas expressões de uma realidade compartilhada e, muitas vezes, silenciosa. O que se ouviu não foi apenas o lamento pelo cansaço de alguns, mas a sinalização de uma urgência estrutural: o cuidado emocional precisa ocupar um lugar mais visível nas reflexões e práticas missiológicas.

 

O cuidado emocional precisa ocupar um lugar mais visível nas reflexões e práticas missiológicas.

 

Por muito tempo esse tipo de atenção tem sido empregado como algo pontual, um gesto de boa vontade oferecido em momentos de crise. Muitas vezes, é acionado quando o missionário já se encontrava à beira da exaustão física, emocional ou espiritual; e, mesmo assim, de maneira informal ou improvisada. Mas os tempos mudaram. O contexto global é mais instável, os deslocamentos são mais frequentes e o serviço missionário está cada vez mais permeado por pressões culturais, espirituais e relacionais. Diante disso, uma coisa se torna clara: missão saudável requer obreiros saudáveis.

É tempo de consolidar essa consciência como cultura. Agências missionárias, igrejas enviadoras e organizações parceiras precisam rever prioridades e estabelecer estruturas permanentes de apoio emocional e espiritual. O cuidado não pode continuar sendo apenas emergencial ou reativo. Precisa ser intencional, preventivo e contínuo. O modelo do “socorro de última hora” frequentemente chega tarde demais.

Como mudar essa realidade?

Essa mudança se expressa em ações concretas. Significa formar lideranças pastorais mais sensíveis, criar protocolos institucionais que envolvam acompanhamento psicológico, supervisão espiritual, aconselhamento conjugal e espaços de escuta segura. Significa que as igrejas devem caminhar com seus missionários de forma mais integral, indo além do suporte financeiro. Devem oferecer presença, afeto e empatia ao longo de toda a jornada. Cuidar da saúde emocional e espiritual do missionário é responsabilidade compartilhada, e não um gesto opcional.

Em recentes pesquisas com dados sobre missionários transculturais, há um indicador que merece atenção: os conflitos entre obreiros, crises conjugais e esgotamento espiritual estão entre as principais causas de retorno precoce de missionários ao seu país de origem. E essas causas, muitas vezes, estão diretamente relacionadas à ausência de um cuidado preventivo e contínuo. Tal realidade não pode mais ser ignorada, relativizada ou tratada como exceção. É preciso enfrentá-la com seriedade e compromisso pastoral.

Há uma urgência pastoral na missão que pede mais do que boas intenções. Exige investimento real em pessoas reais. Missão não se faz apenas com planejamento e estatísticas, mas com gente. Gente que sente. Que se cansa. Que enfrenta conflitos internos, dúvidas existenciais, saudades dolorosas. Gente que precisa ser cuidada para continuar cuidando. Uma igreja que acolhe e acompanha seus enviados comunica ao mundo que o Evangelho que proclama é também o Evangelho que vive. A mensagem de reconciliação, cura e graça deve ser realidade tanto para os povos a alcançar quanto para os obreiros no campo.

O cuidado pastoral na missão é o invisível essencial. Pode não ocupar os palcos ou os relatórios estratégicos, mas sua ausência, quando ocorre, reverbera com dor e perda. Ele sustenta os bastidores da missão: os lares, os casamentos, os filhos em adaptação, os corações sobrecarregados. E isso não é secundário — é essencial. A missão continua. E o cuidado precisa seguir com ela. Tornar visível o essencial é um compromisso urgente. E inadiável.

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Conheça o CIM (Cuidado Integral Missionário), um departamento da AMTB.

 

> Imagem destacada: Pixabay


  • Fernando Freitas é pastor ordenado há 41 anos, professor de Teologia de Missões e ex-missionário na África por 16 anos. Desde 2010, reside nos EUA, onde lidera o ‘Ministério Escolhas’, oferecendo cuidado emocional a missionários, pastores e suas famílias. É membro da American Association of Christian Counselors (AACC). Participou do Congresso Lausanne IV, em Seul, 2024.

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O Movimento de Lausanne conecta influenciadores e ideias para a missão global, com a visão do evangelho para cada pessoa, igrejas, fazedores de discípulos para cada povo e local, líderes como Cristo para cada igreja e setor, e o impacto do reino em cada esfera da sociedade.

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  1. Antonia Leonora van der Meer

    É uma boa e necessária reflexão, muito mais tem sido feito do que há uns 30 ou 40 anos atrás, mas ainda há faltas e falhas, ainda há necessidade de continuar aprendendo, ouvindo, servindo e acompanhando os missionários e suas famílias.

  2. LUCELENE DE OLIVEIRA SILVA

    Maravilhoso, imprescindível, sempre tive esse sonho de ter um projeto assim dentro de missões por necessidade mesmo, por sentir falta disso em vários momentos de nosso ministério. Que Deus abençoe muito. O invisível essencial!

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