Sete livros de Stott que me ensinaram sobre vida cristã e missão
Por Héber Negrão
Em sua última carta Paulo exorta Timóteo a compartilhar o que ele havia aprendido com Paulo, passando este ensino a fiéis testemunhas (2 Tm 2.2). Mantendo as devidas proporções, posso dizer que este é o meu desejo com este texto. Quero mostrar o que tenho aprendido com as acuradas reflexões que John Stott tem feito da Bíblia, do Cristianismo e da Missio Dei. Eu já tinha conhecimento de quem era John Stott e o que ele representava no movimento cristão, porém nada substitui o contato com a obra do autor. O primeiro livro de sua autoria que eu li foi há 10 anos e desde então este homem de Deus tem marcado minha caminhada na vida cristã e no ministério.
Este texto é também um exercício para a minha mente e alma. Antes de escrevê-lo, eu decidi fazer uma lista mental de cada livro dele que li nos últimos anos e puxando apenas pela memória selecionei pelo menos um ensinamento que me marcou em cada livro, associando-o com a época de vida em que eu me encontrava durante aquela leitura. Com exceção das duas últimas obras, voltei-me aos referidos livros apenas para procurar as citações adequadas para cada tópico. Precisamos de exercícios como este de vez em quando. Confira a seguir o livro, o ano em que eu o li e as lições que aprendi.
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Porque Sou Cristão – 2006
Há dez anos tive meu primeiro contato com um livro de John Stott. Ganhei este exemplar da minha irmã quando me mudei para Belo Horizonte (MG) para fazer meu mestrado. Foi um ano de mudanças drásticas na minha vida, não apenas porque eu estava saindo de casa, mas também porque eu estava me embrenhando nas profundas reflexões acadêmicas da universidade. O que me chamou muito a atenção neste livro foi a maneira como Stott retratou Jesus: “O Cão de Caça do Céu” logo no primeiro capítulo. Que impacto! Para quem nunca havia lido John Stott você pode imaginar meu espanto com esta “falta de respeito”. Mas que deleite foi o meu quando entendi que o
próprio Jesus Cristo, que me perseguiu incansavelmente, mesmo quando eu estava correndo dele a fim de seguir meu próprio caminho. Se não fosse pela perseguição graciosa do Cão de Caça do Céu, hoje eu estaria na lata de lixo das vidas desperdiçadas e descartadas. (p 17)
Se nos tornamos cientes da incansável busca de Cristo, desistirmos de tentar escapar dele e nos entregarmos ao abraço desse ‘amante tremendo’, não haverá espaço para ostentação em relação àquilo que fazemos, mas somente uma profunda ação de graças por sua graça e misericórdia, e para a firme resolução de passar o tempo e a eternidade ao seu serviço (p 33)
Cristianismo Básico – 2007
Já no meu segundo ano do mestrado, morando em Belo Horizonte, participei do 1º Fórum Jovem de Missão Integral onde adquiri alguns livros da Editora Ultimato, entre eles Cristianismo Básico. Este foi pra mim um excelente renovo e reforço da minha fé cristã. Esse livro trata de assuntos elementares do cristianismo. Como garoto criado na igreja, eu tinha conhecimento da maioria deles, mas Stott, que ensina magistralmente, me levou a entender com mais clareza a profundidade do sacrifício de Cristo.
Me chocou entender que Cristo foi considerado maldito de Deus (não só por causa do nosso pecado, mas também por causa da maldição histórica de quem era pendurado no madeiro). Qual não foi a minha alegria quando eu entendi o cerne da doutrina da justificação, de que agora eu não era mais maldito, mas considerado justo porque Cristo se fez maldição em meu lugar.
O Filho de Deus identificou-se com os pecados dos homens. Ele não se contentou em assumir a nossa natureza; também levou sobre si a nossa iniquidade. Ele não apenas ‘se fez carne’ no útero de Maria; ele ‘se fez pecado’ na cruz do calvário. (p 124)
O fato de Jesus ter morrido pendurado ‘sobre o madeiro’ queria dizer que ele estava sob a maldição divina (…). A maldição que deveria cair sobre os pecadores por transgredirem a lei foi lançada sobre Jesus na cruz. Ele nos libertou da maldição, tomando-a sobre si quando morreu (p 127,128)
Eu Creio na Pregação – 2009
Qual pregador nunca se viu no dilema de ter que pregar duramente contra pecados que ele mesmo comete? Justamente pelo fato de nenhum pregador ser homem perfeito esse dilema ocorre com frequência seja no gabinete seja no púlpito. Passei por crise semelhante quando estava em meu segundo ano de seminário. Nosso professor de homilética nos deu uma lista de livros para lermos e fazermos uma resenha. Eu me voltei para John Stott e li “Eu Creio na Pregação”. O próximo parágrafo eu retirei da resenha que entreguei ao meu professor naquela ocasião.
“Iniciei a leitura na sexta pela manhã e no domingo à noite eu pregaria na congregação da Igreja Batista Sião. Quanto mais eu me debruçava na leitura menos eu me percebia capaz de assumir o púlpito poucos dias depois. Como poderia eu, cheio de pecado, fraquezas e limitações, desempenhar uma função tão importante quanto à pregação da Palavra? Essa pergunta não me saía da mente por um bom tempo durante minha leitura. O padrão para o pregador era muito elevado. Eu jamais estaria à altura de tal função. Com toda essa luta em mente, me deparei com a seguinte citação:
Certamente devemos reconhecer a verdade de que somos seres humanos com nossas fraquezas e nossa condição caída, vulneráveis à tentação e ao sofrimento, lutando com as nossas dúvidas, com o medo e o pecado, necessitados continuamente da graça de Deus que perdoa e liberta. Dessa maneira o pregador pode continuar a ser exemplo – mas exemplo de humildade e verdade (p 284).
Isso veio como uma bomba de conforto ao meu coração, uma verdadeira explosão de suspiros aliviados. Eu não precisava ser um super-herói que nunca errou para falar a um povo errante, eu não precisava ser alguém que estava acima da congregação por ter mais conhecimento da Palavra. Fechei o livro e orei pedindo misericórdia a Deus para que Ele me usasse naquela noite, apesar de mim.”
A Cruz de Cristo – 2010
No último ano do seminário consegui um tempo nas férias para ler o que muitos consideram a obra prima de John Sott: o livro “A Cruz de Cristo”. Quantos ensinamentos incríveis eu achei neste livro, estranhei que ele não foi pedido como leitura obrigatória na disciplina de Teologia Sistemática. A grande vantagem de ler nas férias era que eu podia desfrutar da leitura com calma e sem a pressa habitual para cumprir prazos de leitura e entrega de resenha que os professores pediam.
Dentre todas as coisas, o que me chamou a atenção neste livro foi a maneira como John Stott tratou sobre a cruz como um símbolo de morte e o quanto este símbolo “macabro” representa vida para os cristãos. Ninguém gosta de ter sua identidade associada a uma forca, guilhotina ou revólver, com exceção de nós, cristãos:
Todas as religiões e ideologias têm seu símbolo visual, que exemplifica um aspecto importante de sua história ou crenças (p. 13).
Os cristãos poderiam ter escolhido a manjedoura em que o menino Jesus foi colocado, ou o banco de carpinteiro em que ele trabalhou (…) ou a toalha que ele usou para lavar os pés dos discípulos (…). Outras possibilidades eram o trono, símbolo de soberania divina, ou a pomba, símbolo do Espírito Santo enviado do céu no Pentecostes. Qualquer desde símbolos teria sido apropriado para indicar um aspecto do ministério do Senhor. Mas pelo contrário, o símbolo escolhido foi uma simples cruz. (…) [Os Cristãos] desejavam comemorar, como centro da compreensão que tinham de Jesus, não o seu nascimento nem a sua juventude, nem seu ensino nem o seu serviço, mas a sua morte e sua crucificação (p. 14,15)
A Missão Cristã no Mundo Moderno – 2011
Depois de me formar no seminário ingressei com minha esposa ao ministério. E logo em nosso primeiro ano de trabalho missionário de tempo integral tive contato com este livro que é um excelente resumo da teologia de missão defendida por John Stott e herdada pelo Movimento Lausanne. Ler A Missão Cristã no Mundo Moderno foi um marco para mim porque não só corroborou, mas intensificou a minha visão sobre a integralidade da missão da igreja e sobre a nossa participação enquanto cristãos na Missão de Deus.
A discurso de John Stott no 1º Congresso Internacional para Evangelização Mundial realizado em Lausanne ecoa nas páginas deste livro. O Pacto de Lausanne, elaborado ao final daquele evento, e que hoje é a base para muitas organizações missionárias no mundo inteiro, está exposto neste livro de maneira fluida.
Aprendi em A Missão Cristã no Mundo Moderno que a missão da igreja é um reflexo da missão do Filho. Com esta leitura, Stott me chamou atenção para a tão ignorada Grande Comissão do evangelho de João: servir como Jesus serviu.
A forma crucial como a Grande Comissão foi entregue a nós (…), é a joanina. [Em Jo 17.18 e 20.21] Jesus fez mais do que traçar um paralelo vago entre a sua missão e a nossa. Precisa e deliberadamente, ele fez de sua missão um modelo para a nossa dizendo: ‘assim como o Pai me enviou, eu também vos envio’. Portanto nossa compreensão da missão da igreja deve ser deduzida da nossa compreensão da missão do Filho. Por que e como o Pai enviou o Filho? (…) É melhor começar com algo mais geral e dizer que ele veio para servir (p 27)
O Discípulo Radical – 2011
No final do ano de 2011 minha esposa e eu fomos a Londres participar de um treinamento para o nosso ministério. John Stott havia acabado de falecer e eu resolvi levar seu último livro para ler durante a viagem, em terras britânicas. Antes de retornarmos ao Brasil participamos do culto na All Souls Church, igreja onde John Stott pastoreou por muitos anos.
Visitamos a igreja no domingo de 11 de setembro, exatamente 10 anos depois do atentado terrorista às Torres Gêmeas nos Estados Unidos. Um momento da liturgia que mais chamou a minha atenção foi a oração pelo perdão dos pecados. A oração congregacional foi lida do começo ao fim (algo interessante para se experimentar pelo menos uma vez na vida), e o assunto abordado foi tanto uma intercessão pelas famílias das vítimas quanto um pedido de perdão pela omissão da igreja em fazer a diferença no mundo. Essa oração me lembrou um documento que Stott citou em seu livro O Discípulo Radical:
A igreja, juntamente com o resto da sociedade, está inevitavelmente envolvida na política que é ‘a arte de viver em comunidade’. Os servos de Cristo precisam expressar o senhorio dele em seus compromissos políticos, econômicos e sociais, e em seu amor por seu próximo, participando do processo político. Como então podemos contribuir para a mudança?
Em primeiro lugar, oraremos pela paz e pela justiça, como Deus ordena. Em segundo lugar, procuraremos educar o povo cristão nas questões morais e políticas envolvidas (…). Em terceiro lugar, agiremos. (…) Todos os cristãos devem participar ativamente do esforço pela criação de uma sociedade justa e responsável. (…) Como seguidores de Jesus, o Servo Sofredor, sabemos que o serviço sempre envolve sofrimento (p 67)
Crer é Também Pensar – 2012
Em meu segundo ano de ministério tive a oportunidade de lecionar a disciplina de “Introdução do Novo Testamento” no seminário onde eu havia me formado dois anos antes.
Sem lecionar por muito tempo, desde que terminei minha faculdade de Licenciatura em Música, eu reavivei minha paixão pelo ensino durante aqueles meses. Algo que sempre foi meu alvo enquanto professor em sala e enquanto pregador no púlpito era que meu ensino fosse o mais compreensível e o mais relevante possível para a minha audiência.
Tive o conforto ao ler Crer é Também Pensar, pois nele John Stott mostra que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e com capacidade para pensar. Não devemos ter medo de refletir sobre assuntos controversos, precisamos abordá-los com a mente cristã. Stott também mostra algumas evidências no Novo Testamento de que a comunicação do Evangelho deve ser feita de maneira acessível e inteligível. Ler isso renovou meu desejo de anunciar o evangelho contextualizado e relevante para meu público-alvo.
O argumento do apóstolo diz que deve existir um conteúdo sólido em nossa proclamação evangelística de Jesus. É nossa responsabilidade compartilhar Jesus Cristo na plenitude de sua pessoa divina-humana e de sua obra de salvação, para que essa ‘pregação sobre Cristo’ possa gerar fé no ouvinte.
Paulo estava ensinando um conjunto de doutrinas e argumentando para chegar a uma conclusão. Ele estava buscando convencer e não converter. (p 61)
Tornar-se um cristão é ‘crer na verdade’, ‘obedecer à verdade’, ‘reconhecer a verdade’. (…) O evangelho é para todos, independentemente da educação ou da falta dela. E o tipo de evangelismo que estou defendendo, que proclama Cristo em sua plenitude, é relevante para todos os tipos de pessoas: crianças e adultos, cultos e incultos, aborígenes australianos e intelectuais ocidentais. Pois a apresentação desse evangelho não é acadêmica, mas racional (p 63,64)
No exercício de memória que foi produzir este texto lembrei-me ainda de duas coisas. A primeira delas é que John Stott faleceu quatro dias depois de Amy Winehouse, cantora britânica que morreu de overdose com apenas 27 anos. Como era de se esperar, a mídia não noticiou a perda do teólogo de 90 anos, mas sem dúvida suas obras e sua vida ecoarão por muito mais tempo e causarão muito mais impacto do que os feitos da cantora.
A segunda coisa que percebi é que desde 2012 eu não leio um livro de John Stott. Já está mais do que na hora de voltar a aprender com o “Tio John”. Então me dá licença que eu tenho que dá um pulinho ali na minha estante.
• Héber Negrão é paraense, tem 34 anos, mestre em Etnomusicologia e casado com Sophia. Ambos são missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB) e da Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM). Residem em Paragominas (PA) e trabalham com o povo Tembé.
Ricardo
Gostei Heber. Obrigado pelas dicas 😉
Vou tentar ler (pelo menos) O Cristianismo Básico.
Héber
Grande Ricardo!!! Meu amigo, “Cristianismo Básico” vale muito a pena. E como ele tem uma linguagem simples, é possível usá-lo até em grupos de estudo bíblico.
Tenha uma boa leitura!
Maria Celi Taborda
Excelente! Amo ler os livros de John Stott, por sua simplicidade e ao mesmo tempo profundidade nos seus escritos.
Terminei de ler “O Mundo, uma missão a cumprir “.
Gostei muito do livro “Crer é também pensar.”