Sobre o Dilema Estético-Sentimental da Política Evangélica Contemporânea
Escrevo a contragosto, arrancado do meu exílio blogosférico pela força das circunstâncias. Deveria estar agora trabalhando em meu livro encomendado em eras passadas, inacabado e, aparentemente, inacabável. Mas é dura cousa golpear os aguilhões do processo histórico.
Para encurtar, lancemo-nos diretamente ao assunto, introduzido de forma pedante no título por uma absoluta falta de imaginação nessa tarde fria de sexta feira: afirmo que o problema da política evangélica hoje é um problema estético; um problema de aisthesis, de distúrbios de percepção e de efeito sentimental, que ocultam uma fragilidade mais profunda: a falta da fonte verdadeira dos sentimentos verdadeiros, que é a beleza verdadeira, a que nasce da união entre o bem e a verdade.
DOIS EVANGELICISMOS POLÍTICOS
Assisti ontem a dois vídeos emblemáticos. O primeiro, publicado pela Carta Capital (VEJA AQUI), mostra alguns líderes Cristãos bastante conhecidos, como Ed René Kivitz, Levi Correa e o Deputado Carlos Alberto Bezerra explicando ao público estupefato da TV Carta que os evangélicos não são todos iguais: há evangélicos progressistas que compreendem as complexidades da vida moderna, que são pluralistas e dialógicos e, acima de tudo, que não devem ser confundidos com a “bancada evangélica”, a famigerada corja fundamentalista e (na maioria) neopentecostal que se apossou da representação política do protestantismo nos últimos anos. No conjunto, o vídeo constitui um ato político pedagógico ou educacional, visando publicizar divergências políticas dentro da comunidade evangélica; seu interesse parece duplo: (a) proteger a respeitabilidade pública do evangelicismo progressista e, quem sabe, de quebra, da fé evangélica; e (b) agremiar e capitalizar o setor mais progressista da igreja evangélica, hoje bastante “órfão” ou, ao menos, abandonado diante do crescente avanço do neopentecostalismo fundamentalista.
O segundo vídeo, gravado pela TV Câmara ontem (VEJA NOTA AQUI), mostra mais uma façanha do excêntrico e impagável Silas Malafaia. Poderia ser uma comédia, se o assunto não fosse tão grave. No vídeo o pastor, ícone, para as esquerdas, da bancada “BBB” (Bíblia, Bala e Boi) submete as ideias da deputada esquerdista Erika Kokay a um impiedoso escrutínio público, mostrando as inconsistências manipulativas de seu discurso, sua flagrante inconstitucionalidade, sua dependência da ingerência do ativismo judiciário brasileiro sobre o legislativo, e sua visão distorcida sobre a laicidade do Estado, que faria do legislativo uma casa laicizante – sonho impossível e perverso, como apontou o pastor, já que a casa representa toda a sociedade em sua pluralidade, incluindo, com isso, as populações religiosas. A deputada abandona o plenário a certa altura, enquanto as expressões de apoio ao BBB e a chacota à dignitária humilhada em público transformam o lugar em um campo de futebol. Fragorosa derrota.
“O BELO, O FEIO E O MAU”*
O problema é notoriamente estético. Não apenas isso, naturalmente; mas é impossível não observar a trama estética que se desenha. O pastor Silas Malafaia é um desastre estético; fere a percepção; é iracundo, agressivo, gritando atropeladamente seus argumentos com aquela vozinha desesperadamente irritante, sem pausas, sem nuances, sem pedir atenção, gesticulando loucamente, como se estivesse em um bate-boca de adolescentes no intervalo da escola. Uma coisa horrorosa.
Horrorosa, sim; mas só ouvi verdades. Não humilhou Erika Kokay porque foi indelicado, ofensivo ou estridente, mas porque expôs a hipocrisia biopolítica da esquerda. Expôs sua perversa intenção de contornar instâncias menores da estrutura social – a família, acima de tudo – para atingir diretamente a criança e o adolescente através da pregação politicamente correta de um estado aparelhado pela ideologia de gênero (que alguns “evangélicos” a serviço sabe-se lá de quem, insistem em negar). Um amigo disse que Malafaia “mitou”. Mitou mesmo, meus amigos; odeio admiti-lo, pois odeio a teologia da prosperidade pregada e praticada por esse indivíduo, mas… Noblesse Oblige.
Mesmo assim, foi feio, desagradável, indigesto; esteticamente desastroso. Nesse sentido, a fala do Pastor Levi Correia no vídeo da Carta Capital é mais do que iluminadora:
“de repente se juntam, formam uma tal de uma bancada da bíblia, que junto com a bala, que junto com a bancada do boi, que junto com a bancada da jaula, formam a bancada mais horrorosa que esse país já teve, e o pior: com batuta de camarada que se diz evangélico…”
Claro, claro, o termo “horrorosa”, aqui, tem o sentido de uma analogia estética; é como quando dizemos que “o fulano teve uma vida bonita”, querendo com isso dizer que foi uma vida ética e coerente. A bancada é horrorosa porque é imoral, ou injusta, ou perversa.
Mas isso está claro? De jeito nenhum. A bancada mais horrorosa que o país já teve não é a bancada da Bíblia; ou melhor: talvez ela seja a mais horrorosa, mas isso é insuficiente. A feiura é a desproporção, a desarmonia; muitas coisas podem tornar algo horroroso; entre elas, o desarranjo de uma coisa bela forçada entre coisas feias. A bancada da Bíblia pode ser horrível porque há uma desarmonia entre suas bandeiras e o seu comportamento; ou pode ser horrível porque suas bandeiras são todas horrorosas; ou pode ser horrível porque não combina com a estética política da esquerda.
Mas sem dúvida há coisas igualmente ou até mais horrorosas do que a bancada da bíblia, no circo de horrores da política Brasileira. Por exemplo: o governo petista tem se tornado uma das coisas mais feias que o país já viu. Lula virou o sapo-barbudo de novo. E os evangélicos progressistas que apoiaram o avanço recente da esquerda, estão, em sua incrível recalcitrância, virando sapos também, um a um – pelo menos do ponto de vista do evangelicismo e do catolicismo conservador. A esquerda perdeu grande parte da sua “beleza” nos últimos meses, e a feiura da conivência e do silêncio está ferindo os olhos e ouvidos até dos mais simpáticos.
Feiuras sem fim. Sabe aquele rosto que parece bonito mas nos é desagradável, e não sabemos dizer exatamente porquê? É o caso do progressismo evangélico. É difícil dizer aonde está a desproporção, mas ela está lá: no silêncio conveniente sobre o casamento igualitário, sobre a ideologia de gênero na escola, sobre o desempoderamento familiar, sobre o desaparecimento progressivo da justiça retributiva, sobre o aparelhamento ideológico da juventude (evangélica inclusive), sobre a ausência de direitos para nascituro, sobre o livre emprego do obsceno para forçar a conflitividade social, sobre a colonização da sociedade civil pelo estado através dos “novos movimentos sociais”, sobre o desprezo consumado pela ortodoxia teológica (como se toda ortodoxia fosse “feia e sem amor”, nas ridículas paródias de Schaeffer que repetidas por estudantes que o desprezam), sobre o enfraquecimento ideologicamente orientado das instituições republicanas, sobre a cobiça pelo controle da imprensa, sobre o ativismo do STF, sobre o batismo da luta de classes dentro da igreja evangélica, em nome da “sede de justiça”, sobre a perseguição, dentro das instituições públicas, contra oponentes do PT, sobre a conivência diplomática do Brasil com absurdos políticos nas casas vizinhas e em bairros mais distantes do globo, etc, etc, e etc – feiuras a perder de vista.
Mas essas feiuras, evidentes para os Cristãos e brasileiros conservadores, são devidamente maquiadas no vídeo da TV Carta, enquanto se destacam os traços belos do evangelicismo progressista e a conveniente ausência, em seu meio, de qualquer bandeira “desarmônica” com o mindset secularista contemporâneo. Ficou lindo.
Ora, o problema é, sem dúvida, ético também. É um problema quanto ao que seria verdadeiramente “bom”. As duas alas do evangelicismo divergem sobre o que é bom em temas bem específicos – manter ou reduzir a maioridade penal? É uma questão social, justicial e também moral; e a esse respeito já grande desafinação entre os evangélicos. A bem da verdade, esse foi tão somente o ponto enfatizado no vídeo da TV Carta; e não tiraria dos colegas progressistas nem o direito nem a razão, quando problematizam algo tão grave. Dou a mão à palmatória; sua defesa nesse ponto tem um fundo moral genuinamente belo, e não pode ser reduzido ao politicamente correto. Mas o ponto de vista conservador também tem suas razões, e suas belezas. A divergência sobre moral e justiça, aqui, não é suficiente para explicar o grau de desafinação entre esses dois extremos ideológicos; a desafinação está demasiado acentuada; penso que feiuras aqui são mais do que analogias; são distúrbios estéticos mesmo e, por isso, sentimentais.
Tomemos como exemplo outra declaração: a do Pastor Ed René Kivitz, para quem, segundo a chamada da BBC, o “Tom ‘bélico’ de alguns líderes evangélicos cria clima propício à intolerância” (VEJA AQUI). Kivitz diz que “a face evangélica que está exposta para o imaginário coletivo do brasileiro é a face mais grotesca, mais triste, e que não representa a índole da Igreja Evangélica brasileira”; mas não usa explicitamente a palavra “tom”, empregada pelo jornalista. A despeito disso, a questão é obviamente estética; é uma questão de “tom”.
Novamente, não quero ser injusto; o pastor procura deixar claro que se opõe a qualquer hegemonia intolerante no congresso, seja ela evangélica, ou petista, ou, por implicação, do movimento lgbt. Mas além da notória barbaridade de dizer que o deputado evangélico, na câmara, “deveria deixar de ser evangélico e se tornar um defensor da cidadania” – como se uma coisa excluísse a outra – é impossível não notar a condescendência para com o absurdo maquiavelismo e agressividade simbólica dos movimentos feminista, lgbt e do secularismo de esquerda, em geral. Não é um silêncio perdoável; não é equilibrado, não é harmônico.
A bancada evangélica está, sim, fora do “tom”, mas não unicamente por sua agressividade grotesca; também e, acima de tudo, suspeito, está fora do tom porque várias de suas notas originais, que refletem a fé evangélica clássica e que NINGUÉM MAIS NO MUNDO MODERNO TEM CORAGEM DE TOCAR, estão sendo estridentemente tocadas, com imperícia mas com ressonância pública; por seu lado, a ala evangélica progressista não quer tocar essas notas jeito nenhum, porque elas são demasiadamente dissonantes para os ouvidos da mídia “do bem”.
DE NOVO, A REVOLUÇÃO AFETIVA
O que está por trás do discurso sobre o belo, o feio e o bom, é a revolução afetiva hipermoderna, tema de que venho tratando há algum tempo (VEJA UMA BREVE SÍNTESE AQUI). Desde o grande giro afetivista gestado no romantismo do século XIX, efetivado com a emergência da psicologia moderna, e elevado ao establishment com a conversão do capitalismo de consumo em capitalismo emocional ou afetivo, a capacidade de reunir e demonstrar a posse de capital afetivo tornou-se um imperativo para a ascensão social.
O capital afetivo, como descrito pela socióloga Israelense Eva Illouz, seria uma variante do que Bourdieu chama de “capital simbólico”, interpretado a partir do reconhecimento, em Michael Walzer, de uma diversidade de “esferas sociais” com seus capitais e critérios de justiça internos – daí o seu conceito de “esferas de justiça”. O capital afetivo nasce das competências afetivas, que envolvem a capacidade de comunicação emocional, de empatia, de interpretação da vida interior e das emoções dos outros, da manipulação e do emprego inteligente e construtivo dos estados emocionais de indivíduos, grupos e da massa; essas competências tornaram-se essenciais para os relacionamentos interpessoais, a gestão de pessoas no mundo empresarial, na mídia, na educação e, agora, na política, com o movimento dos “direitos afetivos”. Há “minorias” inteiras, empoderadas e manipuladas pela New Left, que identificam na realização afetiva os seus “eixos identitários”, desde que a emergência do campo afetivo na sociedade contemporânea permite a muitos indivíduos a construção de narrativas identitárias centradas na realização afetiva.
Mas nosso assunto hoje não é a exposição da natureza e do metabolismo interno do campo afetivo; é apenas destacar que, com a emergência do capital afetivo, emergiu um outro fenômeno, similar ao que acontece em outras esferas sociais: o reconhecimento dos bens afetivos em geral e, o que nos interessa mais: a produção de bens afetivos de baixo custo e fácil descarte, cuja finalidade é acelerar os processos de troca intersubjetiva e simplificar a comunicação entre as elites do campo afetivo e sua base social. Em termos bem simplificados: a maquiagem sentimental do feio social.
A MAQUIAGEM SENTIMENTAL DO FEIO
Poucas pessoas compreendem, hoje, a diferença entre o “sentimento” e o “sentimentalismo”. O sentimento diz respeito às nossas respostas pessoais, virtuosas ou não, aos estímulos externos. Sentimentos são mais do que sensações; estas ligam-se mais propriamente aos sentidos, ao passo que os sentimentos dizem respeito às nossas respostas pessoais – daí ser concebível falarmos em uma educação dos sentimentos para as relações; Adam Smith, para quem não sabe, não era inicialmente professor de “teoria econômica” (disciplina ainda em construção, à época), mas de “teoria dos sentimentos morais”.
“Sentimentalismo” é algo distinto; é uma espécie de treinamento dos sentimentos para a produção de respostas estéticas fáceis, susceptíveis ao kitsch, o lixo estético. É de Jeremy Begbie a ótima citação de Milan Kundera:
“O kitsch faz duas lágrimas correrem em rápida sucessão. A primeira lágrima diz ‘que lindo ver essas crianças correndo na grama!’ A segunda lágrima diz ‘que lindo ficar emocionado com toda a humanidade pelas crianças correndo na grama! Essa segunda lágrima é o que faz o kitsch ser kitsch”.
O kitsch é a arte que tem como objeto não a realidade, mas os bons sentimentos sobre a realidade; é a arte que quer nos fazer sentir o que “devemos” sentir diante de certas situações – mesmo que isso a torne ridiculamente desproporcional.
Emoções sentimentais, segundo Roger Scruton em sua “Estética da Música”, são artefatos designados para disparar as emoções corretas e produzir crédito sobre aquele que as reivindica.
“O sentimentalista está atrás de admiração e simpatia. É por isso que existe o amor sentimental, a indignação sentimental, o lamento sentimental, e a simpatia sentimental; mas não há malícia sentimental, despeito, inveja ou depressão, uma vez que ninguém admira esses sentimentos”.
Ora, os “sentimentos sentimentais” são flores de plástico; são factoides emocionais que não se baseiam na verdade, ou nas relações reais entre as pessoas, mas no esforço para produzir efeitos intersubjetivos imediatos. Eles são de baixo custo porque não exigem o cumprimento de obrigações morais ou de sacrifícios, mas tão somente a suavização do contato com a realidade, o ocultamento de seus traços feios e angulosos. Dick Keyes cita D.H. Lawrence como uma das descrições clássicas do sentimentalismo:
“O sentimentalismo é a produção em nós mesmos de sentimentos que não temos realmente. Todos queremos ter certos sentimentos: sentimentos de amor, de sexo apaixonado, de cordialidade, e assim por diante. Pouquíssimas pessoas realmente sentem amor paixão sexual ou cordialidade, ou qualquer coisa tão profunda assim. Então a massa simplesmente falsifica esses sentimentos dentro de si. Sentimentos falsificados! Com eles o mundo fica mais suave. Eles são melhores do que sentimentos reais, porque podemos cuspi-los quando escovamos os dentes; e então, amanhã podemos falsifica-los de novo”.
Este é o apelo do sentimentalismo: é barato como um souvenir em uma loja de R$ 1,99. Nos identificamos com aquele sentimento fácil, vendido na comédia romântica, no best-seller, no sermão dominical, no discurso do político, no vídeo da TV Carta, o compramos e usamos por alguns momentos. Não precisamos alterar nossas relações com o mundo; basta adquirir e usar os sentimentos corretos, e então… aparentamos ter abundância de capital afetivo.
E essa é a raiz do problema: a pretensão de produzir e manter capital afetivo sem o lastro do capital moral, que é a modificação efetiva da relação do indivíduo com os outros, de um modo que se preserve o sentido da pessoa, a virtude do caráter e confiabilidade nas relações interpessoais. Pois a produção de capital moral é cara; ela envolve conflitos morais, sacrifícios pessoais e gasto de capital afetivo (o “não” contra o mal sempre causa desconforto emocional em ambas as partes); por outro lado, o capital afetivo de alta qualidade exige lastro de capital moral de alta qualidade, pois emoções genuínas dependem de virtudes morais (lembrando a “ordo amoris” de Agostinho a Tomás). Daí que a coexistência de capital afetivo e de capital moral é difícil; produz-se capital afetivo de alta qualidade com grande lastro ético; por outro lado, o capital afetivo de baixa qualidade é fácil de adquirir. Basta dispor-se a ser politicamente correto; qualquer pobretão moral pode exibi-lo.
O sociólogo croata Stjepan Meštrović descreveu a nossa sociedade como uma sociedade pós-emocional. Ela seria pós-emocional não por ignorar as emoções, mas pela necessidade de administrá-las racionalmente e, na lógica do capital, barateá-las, dada sua grande importância imediata, necessária ao bem-estar continuado e à aceitação pública superficial. Temos carros, relógios, celulares, e computadores mais baratos; porque não teríamos emoções também baratas e acessíveis ao consumidor já sobrecarregado com outros custos no mercado da felicidade pessoal?
Emoções tornam-se assim um objeto primário de manipulação, troca de alta velocidade e “contaminação” das massas (vide o provável experimento de “contaminação emocional” em redes sociais, promovido recentemente no facebook por Mark Zuckeberg, dos padrões de “colorização” de perfis após a decisão da suprema corte dos EUA sobre casamento igualitário AQUI. Não é preciso dizer que não faltaram cobaias voluntárias). A comunicação afetiva deixa de ser uma forma de facilitar o encontro ético entre indivíduos, para tornar-se a produção de sentimentos, o gerenciamento dos sentimentos do outro, e o espalhamento de clichés emocionais; e na medida em que o marketing político se apossa desse instrumento, a manipulação dos sentimentos da massa com o fim de galvaniza-la politicamente, sem o custo de envolve-la em um exercício realmente profundo de juízo moral e de aquisição de virtudes éticas.
E, com isso, as emoções verdadeiras, tanto as boas quanto as ruins ou “incorretas”, ficam enterradas sob toneladas de sentimentalismo kitsch religioso, artístico, midiático e político.
É essa manipulação que torna possível a maquiagem sentimental do feio moral. O feio é a desarmonia moral, mas a nota desarmônica depende do acorde que se toca. No acorde da fé Cristã, o liberalismo moral da ética sexual hipermoderna é terrivelmente feio; é horrível (VEJA MAIS AQUI). Mas é belo para alguns, no acorde da “inclusividade”. Igualmente, a oposição aberta à biopolítica, deixada devidamente nua e sem maquiagem, apresenta-se como a revolta fundamentalista de pastores iracundos e fora de controle. Especialmente, é claro, quando eles são assim mesmo. Mas essa é a magia da manipulação sentimental: galvaniza-se a opinião das pessoas “do bem” contra a opinião moral diversa, e de repente ela se torna feiíssima e, por isso, “do mal”, independentemente do caráter verdadeiro de quem a sustenta.
O problema é que esses não são os sentimentos reais; são os sentimentos “sentimentais”, politicamente validados e baratos. Os sentimentos “puros” e as emoções autênticas estão enterrados sob os sentimentos que “devemos” ter por serem politicamente corretos, nos fazendo não apenas pensar por clichés mas, como observou T.S. Eliot, sentir por clichés.
Este é o verdadeiro poder simbólico por trás do pseudoconceito (ou no mínimo, da peça demasiado polissêmica) da “homofobia“. Não é que não possa haver um verdadeiro conceito de homofobia; mas ninguém sabe honestamente, hoje, o que isso significa (Patologia psíquica? Crime? Ódio imoral?). Ou melhor: uns poucos entre os que o empregam e nenhum entre os que o temem entendem sua função comunicativa. Na verdade trata-se de um “meme pós-emocional”; um rótulo similar à estrela de Davi antes e depois da Kristallnacht, mas em uma versão apropriada à revolução afetiva. Sua finalidade é despertar uma resposta não-racional, nos fazendo sentir por clichés e suprimir o que realmente sentimos ou pensamos; uma espécie de galvanização sentimental do sentimento moral. Tudo leva a crer que a palavra “homofobia” representa um sequestro ideológico da problemática da relação homossexual, do campo ou esfera originária, que é a da ética (ou da ética sexual) para o campo meramente afetivo (“emoções” e “fobias”, “repressão”), com a finalidade de… controle social. Em outros termos: seria uma ferramenta psicopolítica.
A revolta “popular” contra a “homofobia” é hoje, digamos, 10% autêntica, e 90% kitsch.
QUANDO A MAQUIAGEM SE BORRA E OS ZUMBIS ACORDAM
Os sentimentos “bons” nutridos pela manipulação da mídia “do bem” são artificiais, clichés, kitsch; fala-se em tolerância, em paz social, em inclusão, mas a verdade é feia como um sepulcro caiado, e às vezes sua imundície vaza.
Considere-se o caso emblemático do embate recente entre o pastor Silas Malafaia e o jornalista Ricardo Boechat. Este último atacou o feioso-mor com expressões surpreendentemente pesadas:
“Não me enche o saco. Você é um idiota, um paspalhão, um pilantra, tomador de grana de fiel, explorador da fé alheia […] Ô, Malafaia, vai procurar uma rola!”
O caso é trágico; mas é fascinante. Fiéis e infiéis tanto se deliciaram de prazer quanto perderam o fôlego diante do horror; o que aconteceu? Os clichés sentimentais se desvaneceram, e os sentimentos reais se mostraram em toda a sua nudez: um profundo, enraizado e amargo desprezo do jornalista de esquerda pela figura do “pastor neopentecostal” – e pelo neopentecostalismo, de um modo geral. Mais do que isso: o desprezo que poderia ser corretamente classificado pelos defensores da ideia como um desprezo “homofóbico”, patente no conselho sobre procurar… certo passarinho.
O público amou. A ala da igreja evangélica que detesta a teologia da prosperidade pregada pelo pastor (entre os quais eu) amou. A que detesta sua figura de pastor-caudilho, por demais odiosa entre evangélicos contemporâneos (de novo, me vejo entre estes) amou também.
Mas, acima de tudo, amou, aquela faixa da população brasileira que despreza a ética sexual e social evangélica tanto quanto a todos os que a defendem; e que sente ojeriza por essa plebe maldita, os crentes fundamentalistas, ignorantes, retrógrados, machistas, coxinhas, fanáticos, anti-intelectuais, intolerantes religiosos, arrogantes, exclusivistas, reacionários, e fascistas, entre outras prendas.
E assim, tal qual uma horda de zumbis, de mortos-vivos desorientados, testemunhamos os verdadeiros sentimentos na maior parte do tempo enterrados sob as lápides sentimentalistas se manifestando, lutando para sair para fora, devorando cérebros nas redes sociais: sentimentos de frustração, de ódio contra a religião, de antipatia contra qualquer ética sexual, de desprezo por pessoas que constroem sua identidade a partir da fé, e não da emoção. E, diga-se, também os sentimentos sujos de evangélicos contra evangélicos – alguns deles agora pintados como o próprio Darth Vader – e de evangélicos contra o “maldito Boechato”.
Boechat esforçou-se por redimir-se citando pastores mais éticos e socialmente responsáveis, mas o estrago foi feito; a máscara caiu de novo, como sempre cai na seletividade com que a mídia trata a antipatia antievangélica que grassa os ambientes acadêmicos brasileiros, a perseguição cultural ao cristianismo no ocidente, e a perseguição global contra o Cristianismo, em comparação com o sofrimento de minorias mais… bonitinhas.
PORQUE A BELEZA POLÍTICA IMPORTA
Boa parte do discurso da esquerda sobre direitos está, infelizmente, maculado pela manipulação sentimental, a psicopolítica dos sentimentos corretos, embora artificiais e sem fundamentação moral consistente. E isso nos leva enfim, ao meu ponto crítico: a política evangélica está, hoje, diante de um dilema estético: usa ou não usa o sentimentalismo político como forma de obter capital político e social?
Na minha opinião, a ala evangélica reacionária reage irracionalmente contra a emergência do campo afetivo, e é cada vez mais alienada desse campo porque não se dispõe a reconhecer, produzir e negociar o capital afetivo, que é a moeda dominante nessa esfera. Nesse sentido, é literalmente reacionária, e, com toda a franqueza, “burra”. Não é que não saiba se maquiar, apenas; é que seu corpo e seu rosto comunicacional são ridiculamente feios, e isso também é uma questão moral. Desprezar alegremente os sentimentos dos outros é uma forma sutil de imoralidade. Não podemos nos esquecer aqui do que disse Francis Schaeffer, a respeito disso:
“ortodoxia bíblica sem compaixão é com certeza a coisa mais feia do mundo”.
O que temos aqui? Beleza; mas a beleza que é fruto da união entre verdade e amor: ortodoxia, com ortopraxia, revelando ortopatia (VEJA MAIS AQUI). Essa é a beleza que queremos, não outra; não a beleza que custe R$ 1,99. Essa beleza é a beleza da coerência; e é, sim, uma beleza também afetiva e emocional.
Sabemos, por exemplo, que uma das maiores falhas do conservadorismo cristão hoje se encontra no terrível fracasso em realizar uma comunicação genuinamente afetiva ou afetivamente sensível. A comunicação envolve, acima de tudo, conteúdo; mas o meio também vai com a mensagem. Como diz Schaeffer:
“O homem do mundo moderno pergunta se há personalidade real, se a comunicação é real, se há significado. Nós, Cristãos, podemos falar até ficarmos com as caras roxas, mas tudo será inútil se não exibirmos a comunicação. Quando, como Cristão, me coloco diante de um homem e digo: “sinto muito”, isso não é apenas legalmente correto e agradável a Deus, mas também é verdadeira comunicação em um nível altamente pessoal”.
Consideremos um caso também emblemático: o movimento “Jesus Cura a Homofobia”, na parada lgbt deste ano (2015). De modo geral, o movimento me pareceu sentimentalista, dada a natureza dos testemunhos apresentados na mídia (todos perfeitamente centrados em fenômenos afetivos: abraços, sorrisos, choros, comoção; mas nenhuma tensão moral). Mas ainda que excessivamente afetivizado e, talvez, sentimentalista, é preciso admitir que o movimento procurou realizar um ato de comunicação verdadeira e, nisso, tratou os militantes lgbt’s como pessoas. E é preciso admitir que os Cristãos conservadores não apresentaram nenhuma versão “melhor” do que isso. Mas esse é o ponto de Schaeffer em “A Verdadeira Espiritualidade”: a comunicação precisa ser pessoal.
“A igreja local ou grupo Cristão deve ser correta (right) em seu ensino, mas deve também ser bonita (beautiful). Os grupos locais deveriam ser exemplos do sobrenatural, ou de relacionamentos curados substancialmente nessa vida presente, entre pessoas”.
Deve haver beleza! Mas note que a beleza Schaefferiana é a beleza da cura sobrenatural. É claro que essa beleza pode e deve ser demonstrada aos incrédulos e, particularmente, em relação com nossos oponentes históricos; mas ela é inseparável da ortodoxia, e não deveria ser confundida com a beleza fácil e barata do sentimentalismo. É uma beleza custosa, ligada a sentimentos custosos, porque produzidos num ambiente em que não reduz os parâmetros morais para garantir aceitação pública.
“Aos Crentes que verdadeiramente creem na Bíblia, em todas as linhas e campos, enfatizo: se não mostrarmos beleza no modo como nos tratamos uns aos outros então, aos olhos do mundo e de nossas crianças, estamos destruindo a verdade que proclamamos… cada igreja… cada grupo cristão… deveria ser um exemplo para que o mundo possa olhar e ver uma beleza nos relacionamentos humanos que possa se postar em exato contraste com a terrível feiura do que o homem moderno pinta com sua arte, com o que faz com sua escultura, com o que mostra em seu cinema, e com o modo que trata o próximo.”
“Estou falando agora sobre beleza, e escolhi essa palavra com cuidado. Eu poderia chama-la de amor, mas esvaziamos tanto essa palavra que ela se tornou sem sentido. Então uso a palavra beleza. Deveria haver beleza, beleza observável para o mundo contemplar no modo como nos tratamos mutuamente.”
Com essas observações de Francis Schaeffer, quero deixar muito claro que meu ataque ao sentimentalismo não tem a finalidade de justificar a disposição iracunda e agressiva empregada pelos setores mais reacionários do evangelicismo brasileiro. Sua explosão de sentimentos negativos é, na verdade, um reflexo de sentimentos negativos de toda a sociedade em relação aos desmandos da extrema-esquerda que se pensa, fantasiosamente, amada pelo povo brasileiro. Mas aí está o problema: não bastaria nos livrarmos dos sentimentos sentimentais, as emoções morais falsas; isso apenas nos levaria à barbárie de Boechat versus Malafaia e daí para pior. Precisamos, antes, cultivar a verdadeira comunicação, a verdadeira beleza, e verdadeiros sentimentos morais.
Mas essa moeda tem outro lado. O fato de a mídia e a política brasileira privilegiarem acriticamente o “capital” afetivo de baixo custo, que denominamos “sentimentalismo”, para gerenciar melhor seus esforços psicopolíticos ajuda a alienar ainda mais os conservadores, que percebem intuitivamente a fabricação. Para seus escrúpulos, o sentimentalismo político é intragável e obviamente falso. A mídia o vende como produto de alta qualidade, mas aqueles familiarizados com a ética Cristã sabem muito bem o que está acontecendo: “we are faking it”.
Acredito sinceramente que os irmãos que deram sua opinião no vídeo da TV Carta tenham sentimentos morais genuínos; mas não acredito na TV Carta, e penso que esses irmãos estão vendendo uma beleza barata e palatável, enquanto permanecerem tão obviamente seletivos e politicamente corretos em suas agendas públicas.
DE PRÍNCIPES E DE BEIJOS MÁGICOS
Do que precisa Silas Malafaia? Precisa aprender o caminho da paz com todos os homens, sim, como ensina Paulo em Romanos 12; precisa passar por uma conversão de seus afetos morais, por uma afinação ética e afetiva; mas acima de tudo, precisa sofrer um brutal alargamento de sua ética teológico-social. Do jeito que está, não representa a nossa tradição; não representa a igreja de Calvino, dos puritanos, de Wesley, de Wilberforce, de Kuyper, de Schaeffer, de Stott, ou de tantos líderes evangélicos, em tantos setores diferentes.
Naturalmente, há outras soluções disponíveis no mercado. Técnicos no assunto diriam que ele precisa urgentemente de um tipo de “Duda Medonça”, ou até do exemplar original. Não foi o beijo do marqueteiro o que transformou o “sapo-barbudo-comunista” Lula no príncipe “Lulinha paz-e-amor” em 2002? É disso o que Malafaia precisa, diriam. Um beijo de marketing, para transformá-lo em um príncipe da comunicação afetiva. O problema é que esse beijo é caro; não é para qualquer sapo não. E é difícil acreditar que exista maquiagem suficiente no mundo das fadas para embelezar esse anfíbio.
Mas o progressismo evangélico precisa de um beijo também. Só que é de outro beijo: o beijo da verdade. Um beijo capaz de revelar ao mundo a feiura/beleza do evangelho da cruz, da moral judaico cristã, do espírito do evangelicismo clássico; um beijo cheio de radicalidade atanasiana, um beijo Agostiniano, um beijo “Contra Mundum”; um bejio capaz de libertá-lo da psicopolítica e mostrar a incurável incompatibilidade entre o sentimentalismo da cidade dos homens e as afeições morais da cidade de Deus.
Esse é o beijo de Jesus: é de graça, mas custará a reputação do progressismo evangélico diante do presente século. Ele é feio, feiíssimo para o homem moderno, num grau incompreensível para um Gregório Duvivier; mas sua beleza é eterna.
*Não podia perder a oportunidade de uma piadinha exotérica sobre o clássico de Sergio Leone… Fica como “vinho ao cansado”, para esquecer por um momento as frustrações morais do dia 26 de Junho de 2015.
Excelente muito denso e profundo, mas a percepçao é perfeita.
Guilhereme, muito elucidativo o seu texto. Eu diria que temos um exemplo de linguagem afetiva na figura dos Valadões (Ana Paula, Mariana e Márcio, mais esfecíficamente), porém, afetada, superficial, forçada e com mera aparência de piedade. Abs.
Verborrágico eu diria. Desnecessário, talvez, poderia ter continuado no livro, que eu já perdi a vontade de ler.
Em meio a tantas incoerências, sentimentalismo e guerras sem causas, é maravilhoso ler um texto esclarecedor e inspirador como esse. Que Deus continue te fazendo sábio!
Texto genial! Fantástico! Esclarecedor e profundo, principalmente, equilibrado. Thanks.
Guilherme;
Fiquei fascinado com seu texto!
Excelente elucidação das causas destes fatos modernos.
Me abriu os olhos de um modo maravilhoso.
Que Deus continue te abençoando.
Abraço
“A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram.” – Salmos 85:10.
A Palavra de Deus consola e também confronta.
Se não fosse tão prolixo, mais pessoas poderiam ser elucidadas quanto aos dias nebulosos que vivemos, resultado de uma engenharia social bem articulada. De qualquer forma, agradecemos por dedicar seu tempo para esclarecer e compartilhar seus textos.
Olá Guilherme, muito obrigado por sair do exílio.
Texto muito enriquecedor. Certamente um diferencial. Uma observação e uma dúvida:
– sugiro que se esforce para escrever um pouco mais fácil. Não mais claro, pois está claro, mas mais fácil. Digo isso pois gostaria de compartilhar com muitas pessoas que sei que podem ser grandemente enriquecidas, mas que teriam muita dificuldade em acompanhar. Convenhamos, até mesmo pastores mais conservadores não possuem um nível de erudição para digerir este texto com facilidade.
Uma dúvida: o que pensa a respeito de Hernandes Dias Lopes? Só um exemplo de um pastor midiático, conservador, e ao mesmo tempo, julgo eu, consegue arrebanhar este capital afetivo. Mesmo defendendo ideas conservadoras, consegue ser popular e ‘afetivo’. No entanto, suas mensagens não repercutem e nem tem a mídia do Malafaia. Diante disso, será que uma postura menos grotescs e mais bela teria efeitos reais?
Grato.
… Eu posso estar enganada, mas tive algumas impressões sobre o texto. Inicialmente, ele tem uma linguagem bonita e filosófica, difícil até. E que engana bem… mas me pareceu que ele é muito simples, na verdade.
Além das críticas óbvias à “ala do Malafaia”, o autor parte de diversos autores e filosofias para dizer, basicamente, que quem é cristão progressista está errado e tem pensamentos rasos – sejam teológicos, sociais ou morais… O que este texto me disse, basicamente, foi que o que o Malafaia diz é certo, porém está sendo dito da forma errada.
Se falasse com mais jeitinho, seria melhor.
Acho muita pretensão dizer que os pastores que falaram ao video da Carta Maior, a título de exemplo,
estão sendo levados pelo sentimentalismo do nosso tempo, pela estética dos atos, pelo fazer bonito, pela vontade de não gerar tensão…. como se eles tivessem estas atitudes por medo do que a sociedade pensa. E não porque estudaram muito, refletiram, ORARAM, pediram ao Espirito Santo direção, e SIM: chegaram a conclusão biblica, ética e moral de que pensar e agir assim é o certo. É a vontade de Deus. É bíblico. É moral.
Entende? Achei este texto muito mais do mesmo. Achar que quem defende bandeiras que foram levantadas pela sociedade é não cumprir o mandamento de ser sal da terra… isso é tão igual a todos os dias…
É achar que estes pastores e pessoas que não concordam com a suposta “moral cristã” e que estão propondo mudanças na sociedade e no seio da igreja estejam “longe” da vontade de Deus, da Verdade.
É muita pretensão achar que existe UMA moral cristã. E que obviamente, ela é a do autor. As outras pessoas, que também oram, que também louvam, que também estudam, estão erradas. É achar que Deus não falou a elas…
Que Deus tenha misericórdia de nós. Um abraço.
Oi Rebeca,
assim como os pastores do vídeo fizeram críticas justas à bancada evangélica… eu acredito que fiz críticas justas ao sentimentalismo político da esquerda evangélica. Não acredito que ninguém tenha “imunidade diplomática” no Reino de Deus. Porque os pobres neopentecostais podem estar errados, mas não os irmãos do vídeo? Mas estou disposto a ouvir críticas; desde que tenham conteúdo. No caso, sua crítica não tocou em nenhum momento a substância do meu argumento. Então acho que ele continua válido.
Oi Guilherme,
muito pelo contrário. Acho que a crítica da Rebeca vai no cerne do seu argumento. Você considera a sua moral como a correta, o resto é sentimentalismo.
A ideia não passa nem por não poder criticar pastores A, B e C; mas porque você mistura o argumento contra o sentimentalismo junto com o que você considera moral (e correto).
Concordo plenamente com a ideia de pessoas que usam a emoção para disfarçar ideias, que você coloca como capitalismo afetivo (para mim, isso é teoria do discurso pura e se chama forma de transmissão de ideologia). Se o seu artigo se restringisse a isso, seria coerente, mas de fato mais do mesmo (como apontou a Rebeca).
Entretanto ele mistura com o fato de você ser contra alguns discursos, como, por exemplo, “Boa parte do discurso da esquerda sobre direitos está, infelizmente, maculado pela manipulação sentimental,”. E os discursos de direita quando dizem “defensores da família” não são apenas “sentimentais”?
Ou quando diz “Acredito sinceramente que os irmãos que deram sua opinião no vídeo da TV Carta tenham sentimentos morais genuínos; mas não acredito na TV Carta, e penso que esses irmãos estão vendendo uma beleza barata e palatável, enquanto permanecerem tão obviamente seletivos e politicamente corretos em suas agendas públicas.” Que argumento é esse? Ou seja, eles não acreditam no mesmo que você, por isso defendem uma “beleza barata”?
Achei bem baixo sua forma de argumentação, pois junta uma coisa é que um fato gritante (manipulação dos discursos através do sentimento) com SEU pensamento moral, dando assim um carácter “intelectual” ao SEU certo e os outros são apenas sentimentalistas…
A pergunta fica, onde na sua argumentação contra quem defende os direitos dos homossexuais não “envolve conflitos morais, sacrifícios pessoais e gasto de capital afetivo “?
Meus respeitos, Guilherme. Fazia tempo que não lia um texto cristão com a profundidade de análise dessas duas vertentes do mundo evangélico brasileiro. Que tal mostrar a beleza/feiura em relação aos escândalos políticos (Mensalão/ Petrolão, etc…)? Para mim é ainda mais nítida a maquiagem estética e a diferença entre as duas trincheiras. Abraços fraternos.
[…] Originalmente publicado aqui. […]
Prezado Guilherme,
Muito bom seu texto, compartilho de mais de 95% do seu parecer. Você mostrou uma radiografia bastante nítida da realidade evangélica atual. Só uma coisa poderia ser melhor, poderia ser mais sucinto e se expressar com palavras mais simples, pois poderia alcançar a maioria dos brasileiros. No entanto isso não tira a ‘beleza” do texto.
Gostei do texto, Guilherme, principalmente quando traz à tona essa tendência inconfessado dos “politicamente corretos a qualquer custo” de jogarem pra torcida, tanto quanto os Malafaias da vida (só as torcidas que são diferentes). Mas ainda acho que o extremismo liberal policialesco em voga é apenas refluxo de sua contraparte direitista-vitoriana-teapartyana rsrs que prevaleceu por muito tempo esmagando a tudo que não se enquadrasse na cultura dita cristã, como o renascentismo e o iluminismo o fizeram, com seu extremos posteriormente aparados em suas arestas. O problema é muita crítica e quase nada de autocrítica nesses movimentos, à esquerda e à direita, ninguém quer tirar a trave do olho, mas cisco no olho do outro é o fim do mundo. Em relação à política, essa direita batedora de panelas por exemplo não se manifestava durante décadas em que tivemos a maior parte da população brasileira em extrema pobreza. Aliás, roubo petista é mais feio que roubo tucano, por falar em estética. Por sua vez, a esquerda cristã parece ter adotado o malufático “rouba mas faz”. Ou seja, estamos num mato sem cachorro. Voltando porém, pra terminar, à questão estética desenvolvida no texto acima, quase tudo pode ser aplicado aos defensores da família cristã e da moral em sua aparência de piedade, idolatrando formas e modelos culturais de família, mas que nunca defenderam essas famílias de serem destruídas e desmembradas pela miséria e pela exploração. O casal gay do ap ao lado é feio né, mas os pobres sempre os tendes convosco… mas podeis fazer-lhes bem se quiserdes né rsrs. Na dúvida, converse com alguma viúva de marido vivo dos rincões no nordeste
Achei o texto longo, verborrágico, com uma linguagem pouco acessível e com o pior dos problemas, cai na vala que ele mesmo cria. Ou seja, ao criticar o sentimentalismo e apresentar o dilema estético sentimental da política evangélica contemporânea você é extremamente sentimentalista. Mas isso é minha opinião. Agora vamos ao que interessa: ao conteúdo do texto. Acho que apesar do seu argumento ser ligado a política você deixa de abordar o maior dilema da política moderna/contemporânea: o dilema entre público e privado. Na minha opinião o grande problema da política é a linha muito tênue que separa o que é público do que é privado. Nesse caso, os dogmas, valores e preceitos religiosos (de qualquer religião) estão, para mim, claramente na esfera privada. O problema está quando esses dogmas, valores e preceitos religiosos são transpostos para a esfera pública em forma de política pública e, principalmente, como lei. É aí que se encontra a maior disfunção da política contemporânea: os representantes políticos não lutam mais para a garantia e a manutenção dos seus direitos, mas sim para limitar e extinguir os direitos de outros cidadãos que pagam o mesmo montante de imposto. Esse para mim é o grande problema da política evangélica contemporânea, assim como é o problema de grupos como os ruralistas, os militares e alguns dos movimentos ativistas sociais. Eu entendo que é difícil estabelecer o limite de influência da esfera privada na pública, mas se fosse fácil não seria um dilema, né? Nesse sentido, eu acho que o dilema apresentado só é importante para quem acredita no que você acredita, o que não é meu caso. Mas o que realmente me incomoda é você tratar a política como algo meramente ligado a disputa de poder, o que infelizmente é o que se tornou. Para encerrar, eu acho que o único argumento válido do texto é que eu acredito que os evangélicos deveriam ganhar pelo exemplo e não pelo enfrentamento.
Caro, creio que seu comentário critica o meu texto por não falar algo sobre o que eu não pretendia falar. E não parece ter entendido o eixo da questão, que é a relação entre a psicopolítica e a revolução afetiva. Recomendo a leitura do livro “O Amor nos Tempos do Capitalismo” (Eva Illuz) para que vc compreenda melhor o elemento estrutural da minha crítica cultural. Abraços!
Vale a pena ler com atenção este texto tão inspirado. Os críticos certamente não se detiveram na leitura, de modo que não puderam ver o “fil rouge” e a perspicácia de cada seção. Que Deus possa iluminá-lo cada vez mais, e que essas reflexões possam penetrar o mundo cristão cada vez mais, como uma água fresca em solo árido e carente de uma boa crítica da cultura.
Texto muito bom, do tipo necessário para fazer com que muitos “saiam da matrix”, desde que tenham sinceridade para isso. Infelizmente, pode ser muito denso e longo para algumas pessoas, o que está longe de ser uma falha, já que isso é uma característica necessária para o tema abortado, além do texto de fato atingir a quem deve. Não se limita a crítica destrutiva ou ao desprezo aos pecados alheios, mas de um sincero chamado à correção.
Confesso que me incomoda a forte tendência dos progressistas em serem juízes cruéis das condutas alheias, comportando-se como se fossem superiores aos “terríveis reacionários”. Não se pode deixar de fazer o paralelo entre isso e os fariseus da época de Jesus. Seriam as acusações de insensibilidade social, muitas vezes sem sequer averiguar de fato qual é o comportamento de determinada pessoa ou igreja em relação a caridade, diferentes das condenações por não guardar o sábado? Seria a constante vigilância para pegar alguém em algum ato ou declaração que possa ser remotamente interpretada como algum “ismo” ou “fobia” diferente de buscar faça alguma declaração para que pudessem apedrejá-lo? Há pouca caridade e muita facilidade de apontar o dedo, principalmente quando isso te faz ser “um cara consciente” aos olhos do mundo.
Por sua vez, os cristãos mais ortodoxos parecem atônitos em relação ao desenvolvimento da sociedade, não sabendo direito como reagir ao mundo que vem emergindo. Faltam respostas a diversas questões. Em relação aos pobres, por exemplo, não se vê um esforço concentrado em substituir a mentalidade socialista pela caridade cristã, desprovida de elementos de luta de classes. É nessa falta de respostas que muitos buscam uma quimera entre religião verdadeira e religião política, esvaziando a essência da primeira.
Caríssimo Guilherme, embora o busílis do seu texto não seja propriamente a pertinência do posicionamento de esquerdo para os evangélicos, você trata, en passant , da questão, criticando esse posicionamento.Como me sinto enquadrado por ter essa posição, creio que devo comentar o que o seu texto aborda sobre o tema, se você não achar impertinente.
Saudações em Cristo.
Texto prolixo, etério e contraditório. Não há beleza nesse tipo de discurso, meu caro. Principalmente quando vc julga os cristãos progressistas como sendo sentimentalistas e destoantes da moral cristã. Vai ouvir os caras, de verdade, antes de julgá-los.
Dizer que está escrevendo a contragosto, quando se tem a coragem de se aventurar a abordar temas como, psicopolítica, capital afetivo, revolução afetiva e assumir que está fazendo uma crítica cultural, sem formação nenhuma nas áreas dos temas abordados é no mínimo muita desonestidade. Deve haver algum lugar neste mundo onde falar sobre o que não se sabe, sobre o que não se estudou é proibido. No ambiente sério da reflexão acadêmica, cada um se limita a versar sobre o que penosamente se debruçou durante décadas. Penso que só mesmo no mundo evangélico este tipo de comportamento exibicionista e desavisado é tolerado.Este texto pode até agradar os fieis de igrejas, mas não passa no crivo de um sociólogo, um antropólogo ou um psicólogo com bom boa formação. “Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar” (Wittgenstein).
Caro Alexandre, a formação técnica é importante, mas não é imprimatur. Me desculpe, mas ninguém precisa imprimatur para examinar a cultura e para fazer filosofia. Eu aceitaria isso se admitisse uma espécie de elitismo acadêmico que, na verdade, minha filosofia não autoriza, exatamente por afirmar a prioridade do mundo da vida sobre o pensamento abstrato. Me desculpe, mas o que vc fez aqui foi um Ad Hominem, e do mais óbvio possível.
Toda a minha crítica pressupõe um trabalho de 70 anos da escola de pensamento cristão que chamamos de “wetsidee”, ligada a Herman Dooyeweered, Bob Goudzwaard, Nicholas Wolterstorff, entre outros; o que desenvolvi foi uma aplicação bem específica de algumas de suas ideias. O fato de que vc nem mesmo tem uma pista de que empreguei outros autores para aprofundar a linha mestra dessa tradição, é uma pista, pra você, de que você deveria… não se calar, mas esperar um pouco mais para falar.
Sobre o que falei, sei muito bem do que falo. Se quer refutar, refute. De todo modo, defender um argumento como verdadeiro não é defendê-lo em termos aceitáveis para academia. Por sinal, se você pensa que a verdade é um souvenir que só pode ser encontrado na academia, afirmo que ela não o ajudou muito.
Olá, Guilherme
Seu texto foi pra mim bastante elucidativo. Muitos conceitos que apenas grosseiramente intuía vi claramente aplicados e exemplificados por você, mas quero aprofundar um pouco mais. Se não for abusar da sua boa vontade, gostaria que publicasse uma bibliografia básica dos conceitos que utilizou. Ou simples dicas de leitura pra quem quiser perseguir essas idéias de psicopolítica, capital afetivo, revolução afetiva, a dimensão estética do debate político.
Guilherme,
muito bom o texto, tenho remoído alguns trechos, especificamente.
Uma pergunta: qual o papel do existencialismo, especialmente o sartreano, nessa “revolução”?
Obrigado
Oi Guilherme. Gostei. Gosto do jogo franco, limpo e sem “imunidade” diplomática.
Abre um debate: e isso é bom.
Mas o texto é muito longo. E isso contribui para que seu sentido seja mais disperso.
Meus comentários são pontuais e devo me ater as aplicações ou aos alvos das aplicações.
– O neopentecostalismo impõe combatividade e uma disputa pela identidade evangélica no espaço público na linguagem do espaço público.
Ou se abandona o termo: o que não seria nenhum absurdo: o próprio Schaeffer não achou que beleza comunicava melhor que amor? Os termos são mutáveis e corrompiveis. Alguns traem completamente o sentido que originariamente carregavam. Em alguns casos isso é incontornável. Na própria história da tradição cristã isso é comum.
Ou se mostra a cara e se disputa a identidade.
Mas o que deve ficar claro que combater o neopentecostalimo nem sempre é ser politicamente correto. O próprio Robinson Cavalcante considerava o iurd, por exemplo, uma seita para-evangélica. Não passa a ser dever se dizer o que não é?
Nessa disputa pelo espaço público, as tradições tem entendido de modo diverso. Em seu texto tive a impressão de que você argumentava que o progressismo evangélico achava careta falar de sua confissão no espaço público (sem tensão moral). E precisa mesmo? Como alguém percebeu: ai não está em jogo qual a linha entre o privado e público? Malafaia leva Genesis para as audiências, e se outra tradição entende que deve discutir os assuntos civis, claro, em sua cosmovisão, mas que nem sempre deve-se usar a linguagem confessional, estão errados ou são diferentes? Isso é uma omissão ou em âmbitos que julgam mais próprios há tensão moral e convites éticos que demandam transformação e sacrifício?
Digo ainda que o tal evangelicalismo progressista pode não ser uma expressão feliz. Pode estimular incompreensões. Pode demarcar uma diferença e ignorar a semelhança. Será que você não estimula pessoas a sentir uma omissão das semelhanças quando elas estão lá?
Ou será apenas que não estamos diante de uma diversidade do que se considera coerente com os valores da fé cristã?
Em fim.
Parabéns. Gostei do texto. Teria o que dizer no que achei que ele foi oportuno. Sei que você vai ter que perdoar: pois li e escrevi do celular e da forma mais rápida possível. E certamente ignorei, de propósito, linhas centrais do texto.
Abs
Olá Guilherme,
Demorei bastante para ler o texto, mas enfim, estou aqui para parabenizá-lo e dizer o quanto fui abençoado por ele.
Tenho que dizer que não pude deixar de lembrar do trabalho de Calvin Seerveld acerca do aspecto estético da realidade. Seerveld define o momento central deste aspecto modal como a alusividade, sugestividade ou nuance (e não a “harmonia”, como Dooyeweerd definiu – veja a discussão em http://kgsvr.net/dooy/aesthetic.html). Isso o permite concluir que desobedecemos a ordem de Deus neste aspecto quando idolatramos a alusividade e a utilizamos como fim em si mesmo, sem base nos outros aspectos. Ou seja, é o kitsch, que você definiu no artigo e sobre o qual ele também faz excelentes discussões em “Rainbows for the Fallen World”.
Enfim, seu artigo pode ser olhado de uma maneira bem interessante em um pano de fundo filosófico dooyeweerdiano, hehe.
Abraços
Cara, faça isso… 😀
[…] 1. O problema do Sentimentalismo na Política Evangélica […]
[…] “Podres de Mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico”, de Theodore Dalrymple. (VEJA AQUI e também […]
Excelente texto. Agora uma pequeno comentário sobre um detalhe: foi colocado o progressismo do lado oposto ao conservadorismo, chamando-os de “extremos ideológicos”. Entretanto, neste contexto, desconheço qualquer elemento que coloque o conservadorismo como ideologia e muito menos como extremo, a não ser que se coloque o progressismo como ideologia que milita contra o cristianismo ideológico, no sentido “lato sensu”. Abraço!
Você está certo Guilherme. Vou rever este ponto!
Caro, muito obrigado pela percepção e esclarecimento. Sempre me senti desconfortável entre, o radicalismo neo pentecostal e com valores morais mais alinhados comas Escrituras e do outro lado o a onda cristã de preferência pelas esquerdas, e que esvazia o valor das Escrituras e não denuncia os absurdos de tantos anos da esquerda no poder no nosso Brasil. Você entendeu, discerniu e falou por muitos.
Mais um excelente texto! Lembrei muito de C.S. Lewis durante a leitura. Será por causa de “Abolição do Homem”?
A linguagem pode parecer feia para os mesmos que secundarizam a bondade e a verdade nos debates.
No fim, a honestidade da conversa cativa mentes e fortalece o entendimento de bons argumentos.
O problema dos cristão é que eles se tornaram ativista. O ativismo é reducionista demais em relação ao que a bíblia tem a dizer. O ativismo cria divisões. O evangelho prega separação 2 Coríntios 6:17, mas também tem a função de unir Efésios 2:14. Eu acho nojento o termo “cristão de direita” ou “cristão de esquerda”. Cristão de esquerda prega o comunismo, que é incompatível com a vida cristã. Mas cristão de direita adora o “capetalismo” que é o que a bíblia qualifica como “mundanismo”. Prefiro aprender teologia bíblica do que me identificar com uma ideologia política burra mundana.