Alain de Botton e a Evolução do Ateísmo
Ao contrário do que se costuma dizer, o ateísmo não é meramente uma descrença, uma negação. A descrença sempre esconde uma crença subjacente, um “texto” fora do “parêntesis”. E devemos agradecer a Alain de Botton por entregar de forma honesta a desonestidade do neoateísmo. Seu projeto de construção de um “Templo para Ateus” em Londres (vide link abaixo) expôs o sofrimento interno do secularismo e pegou muita gente de surpresa:
Filósofo propõe construção de templo para ateus em Londres | Editora Ultimato.
A proposta insólita deixa claro porque o projeto de intelectuais como Richard Dawkins é impossível; não apenas porque despreza o impulso religioso fundamental dos seres humanos, mas acima de tudo porque tenta escondê-lo de si, canalizá-lo para o subterrâneo, a partir da ilusão de que descrer em deuses é ser irreligioso. Mas isso só fará rachar ruas e danificar edifícios, segundo a analogia imaginativa de N. T. Wright. A águas da espiritualidade precisam correr livres, à superfície, em seus leitos originais. Por isso eu digo: ateu bom é ateu religioso. Ou melhor: ateu que reconhece honestamente sua religiosidade.
Mas antes de se converter no que realmente é, uma crença entre tantas, o ateísmo contemporâneo precisa descobrir no que crê, e porque crê, e até onde pode ir com sua crença. E isso ele ainda não está disposto a fazer; até mesmo quanto a Alain de Botton eu tenho minhas dúvidas; será que de fato ele reconheceu o elemento fiducial de seu projeto de espiritualidade secular?
De minha parte, considero a proposta toda um avanço em direção à honestidade intelectual e religiosa. Não parece interessante? Um evento de “especiação” ideológica dentro do ateísmo moderno! Talvez Alain de Botton seja mesmo a mutação do secularismo, e pode ser que isso lhe dê uma sobrevida em relação ao neoateísmo. Se esse for o caso, talvez de Botton seja até mesmo a evolução do ateísmo: uma desgraça moral para os neoateus, e um desafio apologético ainda mais difícil para o cristianismo.
Seja como for, um templo do ateísmo é o que Dawkins e seus seguidores merecem. Agora os neoateístas hard-line vão ter que ajoelhar no milho. Ao lado dos cristãos.
A tese de que há uma espiritualidade oculta no ateísmo parece-me decorrente de um equívoco na abordagem do autor do texto. Esta está relacionada ao pressuposto de que há uma inclinação natural (inata) da humanidade à crença religiosa (i.e, à metafísica). O equívoco que constato emerge justamente deste pressuposto, que privilegia uma abordagem dos agregados sociais em detrimento da análise dos indivíduos. Ao fazê-lo, conclui, baseado no fato de que há nas mais distintas sociedades e civilizações do mundo (mesmo entre as que não interagem com qualquer outra) alguma forma de religiosidade. Porém é facilmente possível confundir uma inclinação humana ao sobrenatural com uma busca natural à compreensão do funcionamento da natureza. Neste segundo caso, as explicações religiosas seriam preponderantes nas sociedades primitivas por suas próprias características epistemológicas, ao fornecerem narrativas reducionistas simples e de fácil assimilação. Sua aceitação estaria relacionada à verossimilhança da narrativa (ao não contrariar nenhum pressuposto lógico ou ferir alguma compreensão anterior). Em suma, o que muitos deduzem ser uma inclinação natural à religião e ao sobrenatural talvez seja nada mais do que uma predisposição intelectual humana à compreensão do funcionamento da natureza e do universo. E a predominância das explicações que apelam ao sobrenatural e ao místico pode estar relacionado a sua simplicidade relativa quando comparada à complexidade do pensamento filosófico/científico.
Caso se aceite que talvez não haja uma inclinação inata da humanidade ao sobrenatural, a tese de que há uma religiosidade oculta do ateísmo passa a se enfraquecer. É preciso estar atento para evitar a correspondência entre “religiosidade” e princípios/valores morais. Ainda assim, caso se entenda desta forma, a afirmação permaneceria apenas parcialmente verdadeira. Ao contrário das religiões, o ateísmo não possui um referencial claro de princípios e valores a serem seguidos. A expressão “ateu” não faz referência a algum tipo de doutrina como nas religiões, mas, em oposição ao que afirma o autor do texto, apenas explicita uma característica: a negação da crença religiosa (e seus elos morais pré-fixados). A ausência de um referencial moral claro é que garante a diversidade de percepções e valores, não sendo os ateus um grupo homogêneo de forma alguma. Os valores são definidos de acordo com os mapas cognitivos e suas percepções individuais. Este fato pode dificultar inclusive a classificação dos ateus como um agrupamento, exceto pelo distanciamento de todos os outros. Apesar disso, há alguma correspondência de valores e percepções (ainda que muito distante da homogeneidade dos religiosos) que está intimamente relacionados ao pensamento científico e filosófico. Porém, como sabemos, ambos não são reinos da convergência e de consensos. A aparência de “grupo” dos ateus possivelmente está relacionada a um posicionamento comum frente à religião e suas consequências para o pensamento autônomo. Em geral, se opõem ao peso da autoridade religiosa e das regras universais por considerar que estes destroem as bases para a contestação e para as investigações científicas. Nesse sentido, a maior oposição existente entre religiosos e não-religiosos talvez esteja em seus posicionamentos epistemológicos. Em suma, “ateísmo” não faz referência à uma doutrina ou grupo homogêneo, apenas descrevendo a negação de crenças religiosas, sem, no entanto, negar a existência de valores. Entretanto, na ausência de um referencial moral, os valores dos “ateus” são amplamente diversificados, sendo formados individualmente a partir das percepções particulares de mundo. A aparência de grupo surge simplesmente pelo distanciamento dos agrupamentos religiosos e pela oposição quanto a postura ante ao conhecimento. Portanto, a iniciativa de Botton parece-me mais um reconhecimento desse posicionamento comum neste grupo amplamente diversificado do que uma prova cabal de uma “crença oculta” do ateísmo.
Caro Reinaldo,
agradeço ao seu comentário respeitoso e lúcido!
Em princípio, eu concordaria com vc em que é difícil demonstrar uma inclinação universal a crenças sobrenaturais para com isso conferir plausibilidade a uma alegada universalidade do sentimento religioso. Não creio, no entanto, que a inclinação religiosa seja exatamente uma inclinação ao “sobrenatural”; e percebi ao longo do seu texto que em diversos momentos você identifica crença ou inclinação religiosa com a crença ou inclinação para o sobrenatural. Mas juntamente com outros camaradas (:-D) temos trabalhado com uma tradição de pesquisa segundo a qual a religiosidade deve ser identificada com crenças (e seus estados associados) a respeito de realidades supremas, sejam elas crenças metafísicas sobre o incondicionado (ex. “Deus”, a “vida”, a “natureza”, a “matéria”, etc) ou crenças morais (ex. atribuição de valor absoluto a “Deus”, ao “progresso humano”, ao “prazer”). Em outros termos: quaisquer crenças que estabeleçam o centro ou os centros organizadores do universo de significado de um indivíduo ou de um grupo humano. Segundo esse modelo da origem das crenças religiosas, não há nenhuma relação necessária entre religiosidade e sobrenaturalismo. Ainda segundo esse modelo, o naturalismo “soft”, i.é, enquanto metodologia científica, não é religioso; mas o naturalismo “hard”, i.é., como sistema metafísico, seria uma forma de religião metafísica (como o Platonismo ou o Aristotelismo), que desempenharia as mesmas funções que as crenças centrais de um sistema religioso tradicional desempenham.
Eu não teria condições, no momento, de expressar de forma completa minhas suspeitas de que o ateísmo é um movimento altamente irreflexivo sobre a sua própria natureza. Mas sugeriria a audição de uma palestra minha sobre o assunto e também a leitura de um paper meu (afinal, a nossa abordagem é pouco conhecida e bem diferente das defesas típicas do Teísmo). Seguem os links:
http://www.igrejaesperanca.org.br/preachit/series/5.html
http://independent.academia.edu/GuilhermedeCarvalho/Papers/1106428/A_Relevancia_do_Teismo_Cristao_par_a_Ciencia_no_Pensamento_de_Roy_A._Clouser
Um abração!
[…] Cf. Alain de Botton e a Evolução do Ateísmo […]
Como vai Guilherme?
Agradeço a indicação do texto que li muito atenciosamente. Antes de mais nada, devo esclarecer que desconheço o debate anunciado em seu paper. Sou um estudioso das relações internacionais. Nesse sentido, investigo o comportamento dos grandes agregados sociais e as interações entre sociedades. Mas mantenho particular interesse em metodologia científica e construções teóricas. Dito isso, reconheço que posso por vezes não compreender perfeitamente alguns conceitos ou ideias que possam ser óbvias a você. Por conta disso, peço vênia à qualquer falha de interpretação ou argumentos impróprios de minha parte. Acredito, porém, que há margem para um debate intelectual de valor, apesar da distância entre nossos campos de estudos.
Após ler o texto que me indicou (infelizmente, ainda não tive tempo de ouvir o audio), mantive ainda algumas dúvidas e discordâncias. Em primeiro lugar, percebo uma dificuldade elementar na tentativa de adotar um sentido mais amplo à expressão “religião”. Etimologicamente, o termo tem sua origem na expressão religare, expressando uma reconecção com o divino/sagrado/Deus. Na terceira página do seu paper você evidencia as condições para que uma crença seja considerada religiosa, segundo a definição do Clouser. Estas condições fazem referências a relação com o divino, conforme a expressão “religião” sugere. Li a argumentação do autor e a tentativa de indicar uma correspondência entre os pressupostos metodológicos, como artifícios investigativos na ciência, e as crenças religiosas. Percebo algumas falhas nessa linha de argumentação que me parecem comprometer o argumento geral do autor. Vou tentar resumir minhas impressões.
Ao meu ver, a linha de argumentação do autor cai em um dos tipos de falácias argumentativas ao adotar uma redução ao absurdo (isto é, ao simplificar complexos processos de investigação a um nível de abstração tamanha que torne possível equipará-los a pura crença, sem qualquer tipo de consideração ampla sobre as reais naturezas do conhecimento científico em oposição ao believe das religiões). Partirei de um ponto mais distante para esclarecer melhor meu argumento.
Em grande medida a ciência possui ainda por referência o modelo cartesiano de investigação científica, que parte de uma constatação básica: a realidade é infinitamente complexa e a nossa capacidade de compreensão é demasiadamente limitada. Isto é um reconhecimento de que a nossa mente e nossa racionalidade são instrumentos imperfeitos, que nos impede de conhecer as coisas em si (em sua forma pura e plena). Dito isto, a revolução intelectual do século XVI, impulsionada por Francis Bacon e Descartes, consistiu em erigir modelos que reduzicem as impressões falhas dos sentidos humanas e expandisse o grau de evidência das relações entre fatores. Nesse sentido, a ciência sempre foi e continua sendo caracterizada por um continuum que parte da ignorância (ausência de qualquer tipo de evidência) à certeza (aqui apenas como um ponto referencial-hipotético). O investigador possui a sua disposição diversos instrumentos e técnicas que o auxiliam nesta busca por evidência (experimentação, derivação por verdades lógicas/matemáticas, modelos comparativos etc. Por restrição de espaço, não cabe aqui citar todos). Nesse sentido, o modelo cartesiano de fato é, por definição, um processo reducionista que parte de verdades lógicas/matemáticas básicas e deriva suas conclusões auxiliado por instrumentos quantitativos que lhe conferem maior grau de evidência, permitindo vôos mais altos.
A argumentação de Clouster parte da constatação de que há diversas vertentes teóricas explicativas para a realidade. Vale ressaltar que os exemplos citados pelo autor são das ciências humanas (por natureza, um campo de estudo muito mais imperfeito cientificamente do que as ciência naturais por não permitir o isolamento ou a manipulação das variáveis). Nesse sentido, os modelos explicativos das ciências sociais parte, obviamente, de pressupostos que visam mitigar o grau de complexidade da realidade e torná-la mais palatável à mente humana (em reconhecimento à constatação básica do modelo cartesiano, como citei acima). Nesse processo de simplificação, o investigador social ressalta as variáveis que considera mais fundamental em detrimento de variáveis secundárias, havendo, necessariamente, uma perda de compreensão geral da realidade. O que se descreve nas teorizações das ciências sociais são modelos grossos que intencionam dar inteligibilidade ao funcionamento da sociedade, sem, no entanto, compreendê-la em sua plenitude. Muitos inclusive afirmariam que o termo correto a ser utilizado para as ciências humanas seja “entender” em vez de “explicar”. Complementarmente a isto, há nas ciências humanas a necessidade de partir de valores fundamentais (políticos e/ou morais) que não são deduzidos racionalmente, visto que grande parte da investigação social depende de posicionamentos e julgamentos de valor. Estas duas características explicam em grande parte a existência de tantas vertentes explicativas nas ciências humanas. Deve-se, no entanto, ter em vista a distância entre ciências naturais e ciencias humanas.
O argumento de Clouser, supondo que esteja correto, seria válido apenas às ciências sociais, que partem de valores não-deduzíveis em suas construções teóricas. Às ciências naturais, não se aplica.
Ainda assim, afirmar que cientistas sociais preenchem partes incompletas da realidade com valores não possibilita gerar uma correspondência essencial entre a investigação científica e a crença religiosa. A diferença talvez esteja entre justar os pontos (identificar variáveis dependentes, como na ciência) e desenhar a partir do zero (como no caso das religiões). A diferença fundamental é a de que a ciência possui sempre como referencial os tais graus de evidência. A religião, não. Por conta disso, o pensamento religioso e as investigações são duas formas incrivelmente distintas de encarar a realidade, não podendo ser reduzidas a concepções inverificáveis para se equipararem em algum ponto no infinito.
A constatação de que ateus possuem crenças ocultas (aqui entendido segundo sua definição, como imagens ou ideias inverificáveis do funcionamento da natureza/mundo/cosmo) pode estar correto, mas são “crenças individuais”, não pensamento coletivo. Sua afirmação de que o ateísmo não refletiu ainda sua própria natureza parece igualá-lo a outras doutrinas religiosas. Como tentei argumentar anteriormente, o ateísmo não é uma doutrina pois é uma posição negativa. Não há um sistema referencial de crenças, valores ou concepções de mundo que norteiam os ateus, pois estes não constituem um grupo a não ser pelo distanciamento ou oposição àqueles que creem em algum tipo de divindade. O único posicionamento comum dos ateus é a negação da crença religiosa por ausência completa de evidências e pela oposição ao conhecimento científico. Qualquer outra indagação encontrará posicionamentos pluráis entre os ateus, justamente por estes não seguirem um pensamento coletivo.
Dessa forma, acredito que sua afirmação de que as crenças religiosas são, por assim dizer, inevitáveis partem de uma deturbação do sentido original do religare (e do divino), ampliando-o ao ponto de abarcar certos valores contitos nas explanações das ciências sociais, e da redução ao absurdo do processo de investigação científica (nos moldes cartesianos).
Um abraço! E obrigado pela oportunidade de debater.
Reinaldo Alencar
Oi Reinaldo,
estou “out” até o fim do carnaval, mas até lá talvez vc se interesse por ler outro post meu no Blog. Daí na semana que vem respondo com mais atenção. O link tá aqui: https://ultimato.com.br/sites/guilhermedecarvalho/2012/02/14/todo-mundo-e-crente/
James Smith sobre um vídeo TED de Alain de Botton:
But here’s the thing: I think many of us located in North American evangelicalism will find that the flattened, stunted “rationalism” of Atheism 1.0 is exactly how we “do” religion. In other words, many of the things that Botton extols about religion are absent from “our” rendition of religion. We might have something to learn from Atheism 2.0.
http://forsclavigera.blogspot.com/2012/02/were-all-atheists-now.html
essa resenha de evolução de que tudo que existe é obra do acaso é derrubado por um raciocinio muito simples,nada na história da humanidade se fez sozinho;tudo tem o seu criador,o automóvel foi criado;logo teve seu criador e não se fez sozinho,o revolver foi criado;logo teve seu criador e não se fez sozinho,até as obras de arte foram criadas;logo tiveram seus pintores e criadores e não se fizeram sozinhas,nimguém na história da humanidade registrou ou viu algo se criando sozinho(fato)concluo que tudo que existe foi criado inclusive o universo e a criação,se você já é crente faça a vontade de Deus(1 jo 2:17)se não é crente aceite á jesus como teu salvador(rm 10:9,10)só jesus salva e a unica forma de ser salvo é aceitando à jesus como teu salvador(jo 1:12,13)haverá um julgamento e uma vida após a morte(hb 9:27)