14/31 | Magnificat
Pode uma mulher cantar em tempos como estes? Pode uma mulher pobre encontrar motivo para cantar em um mundo tão desigual e desumano? O que esperar da vida quando os ricos e poderosos se tornam cada vez mais ricos e poderosos e os pobres e miseráveis se tornam cada vez mais pobres e miseráveis?
Entretanto, há uma voz que toca o coração dessa mulher e que traz a resposta. Há uma voz que a faz cantar um canto de alegria e coragem, como o de uma virgem que descobre a alegria de ser mãe, como a de um povo que descobre a alegria de ser livre, como a de um guerreiro que descobre o caminho da paz. Essa voz “nos alerta” e ensina que “é preciso ter força, é preciso ter raça sempre”, ainda que essa força venha misturada à fraqueza.
É preciso que o riso aformoseie o rosto, ainda que molhado pelo choro. É preciso que o som da alegria quebre o silêncio do terror e da morte. É preciso que a vida “severina” aprenda a vencer as incontáveis léguas dos descaminhos da morte.
Maria sabe que vive, e “não apenas aguenta”, pois traz em seu corpo a prova maior de que o tempo é de mudança e graça: o Deus conosco. Então ela canta: “Minha alma engrandece ao Senhor!”. O canto de Maria declara que há Alguém maior que reis e poderosos, Alguém que traz esperança e vida aos pobres e famintos. Ela anuncia a presença de Deus na história humana, a presença redentora de Deus no mundo.
A experiência de Maria confirma que o Senhor faz o pobre cantar de esperança. Ele anima o abatido, enxuga as lágrimas dos que já não encontram consolo em si mesmos e em ninguém. Ele torna grande nossa vida breve. Quebra o orgulhoso, derrota os poderosos e redime o humilde.
Certamente, Maria haveria de provar em sua própria vida mistérios de fazer calar seu pobre coração. Aliás, muitas coisas sobre o menino Jesus ela guardaria a sete chaves em seu humano coração (Lc 2.19).
Stênio Marcius, em seu “Cântico de Maria”, dá voz a Maria, já amadurecida, olhando para Jesus, agora não mais o menino, mas o homem feito e misterioso enigma para todos ao redor. Meditemos juntos. Quem interpreta a canção é João Alexandre. http://www.youtube.com/watch?v=kZsWCqa1FEo
Tu já foste indefesa criança
Não consigo entender,
Como pude tomar-te em meus braços
E envolver o teu ser,
Tantas noites ouvi o teu choro
A pedir pão e leite, consolo.
Carecias pra tudo de alguém,
E até pra dormires também
Um balanço e a minha voz pra te ninar.
Teus primeiras passinhos e quedas
Com orgulho segui,
Ensaiaste as primeiras palavras
Que entender eu fingi.
Travessuras sem mal de menino,
Quantas vezes me deixaram rindo.
De repente o menino cresceu,
Tão bonito e viril se tornou,
Tudo tão depressa que eu nem percebi.
Mas ao olhar o presente eu vejo
As multidões te seguindo
Buscando paz, esperança e conforto
Que estão nas tuas palavras.
O Teu poder cessa a fúria do mar
E enfermidades se vão,
Quando ordenas, se vão!
Hoje eu entendo as palavras do anjo
Quando ele disse o Teu nome.
Tu és a tão esperada promessa,
O Deus do céu entre nós,
És do teu povo o Libertador,
Tu és o meu Salvador,
O Cordeiro de Deus.
E pensar que algum dia te embalei
Em meus braços, Jesus!
Gladir Cabral