Aprendendo a ouvir
Fragmento de uma das obras mais importantes de Walt Whitman: “Leaves of Grass”. Uma tradução imperfeita, mas inevitável.
Agora não faço mais nada, só ouço,
Para verter o que ouço nesta canção, para deixar os sons contribuírem com ela.Ouço bravuras de pássaros, alvoroço de trigo crescendo, murmúrio de chamas,
estalido de gravetos cozinhando meus alimentos,
ouço o som que amo, o som da voz humana,
ouço todos os sons correndo juntos, combinados, fundidos ou em sequência,
sons da cidade e sons de fora da cidade, sons do dia e da noite,
jovens falantes para aqueles que gostam deles, a risada ruidosa dos trabalhadores em sua refeição,
o grupo enraivecido de amigos dispersos, os tons tênues dos enfermos,
o juiz com suas mãos agarradas à mesa, seus lábios pálidos pronunciando a sentença de morte,
o movimento dos estivadores descarregando navios nos ancoradouros, o refrão dos içadores de âncoras,
o som dos sinos de alarmes, o ronco dos motores velozes e dos carros de bombeiro cheios de tilintares de alerta e luzes coloridas,
o apito do vapor, a rolagem sólida do comboio de carros que se aproximam,
a marcha lenta tocada na mente do povo marchando dois a dois,
(eles vão escoltar algum corpo, o topo dos mastros estão cobertos de musselina preta.)Ouço o violoncelo, (é o lamento do coração do jovem,)
ouço a corneta de pistons, ela desliza rapidamente através dos meus ouvidos,
ela agita dores loucas e doces através de meu ventre e minha respiração.Ouço o coro, é uma grande ópera,
Oh isso é música de verdade — ela me agrada.Um tenor grande e viçoso como a criação me satisfaz,
a órbita flexível de sua boca derrama-se e me enche.Ouço a soprano educada (que maravilha de obra é a dela?)
A orquestra me faz rodopiar mais amplo que os habitantes de Urano,
ela arranca tantos ardores que eu nem sabia que tinha,
ela me navega, eu toco de leve com meus pés nus, lambidos por ondas indolentes,
sou ferido por saudações amargas e raivosas, perco a respiração,
embebido em mel de morfina, minha traqueia asfixiada nos estertores da morte,
por fim, sinta de novo o enigma dos enigmas,
e aquilo a que chamamos Ser.