Muita gente desconhece
Nestes dias em que a humanidade passa por crises de toda ordem: econômica, política, ideológica, social, cultural, faz bem trazer à memória a contribuição de pessoas que souberam compreender seu mundo e apontar caminhos. Uma dessas figuras inesquecíveis, mas que muita gente desconhece, foi o médico cristão, pesquisador, teólogo e missionário Albert Schweitzer.
Durante a I Guerra Mundial, quando seu trabalho missionário em Lambarene (no Gabão) foi interrompido, Schweitzer começou a refletir sobre a crise da civilização ocidental e o desafio de elaborar princípios éticos que tivessem validade universal e que vencessem os ventos fortes do relativismo, que já começavam a soprar na Europa. A elaboração desses princípios éticos deveria se basear na reflexão, no pensamento crítico e ao mesmo tempo honesto sobre o sentido da realidade. Ele escreve um livro que seria publicado em 1923: Filosofia da Civilização. No capítulo 26 ele apresenta sua mais importante proposição: “A ética da reverência pela vida”.
Schweitzer buscou embasar seu princípio ético numa racionalidade que não se tornasse mera abstração, e que tivesse validade universal, algo que fosse elementar, simples e ao mesmo tempo profundo. Seu ponto de partida é o sujeito que descobre uma verdade bruta e fundamental: “Sou uma vida que quer viver no meio de outras vidas que querem viver”. A partir daí, há dois princípios básicos: 1) é preciso socorrer a vida que estiver em risco; 2) é preciso não ferir e não matar a vida.
Nosso poeta João do Vale soube expressar isso muito bem o que o filósofo propôs: “Eu vi a lavadeira pedindo sol / E o lavrador pra chover / Os dois com a mesma razão / Todos precisam viver”. O dilema ético consiste em que a vida, para viver, acaba matando outras vidas, como o gavião carcará, que “pega, mata e come”. A diferença entre o ser humano e o carcará é que o ser humano tem de decidir conscientemente o que fazer com a vida e ser responsável por essa decisão.
Schweitzer aponta para o respeito necessário diante de toda forma de vida, inclusive animais e vegetais. Ele fala até mesmo do respeito devido aos insetos e aos seres microscópicos: “O ser humano é verdadeiramente ético somente quando obedece ao impulso de socorrer toda vida que puder assistir, e evitar ferir qualquer ser vivo. Ele não questiona até que ponto essa ou aquela forma de vida merece simpatia ou valor […]. A vida é sagrada para ele. Ele não arranca uma folha de árvore, não colhe uma flor e tenta não pisar em nenhum inseto. Se no verão ele trabalha à luz do lampião, ele prefere fechar a janela e respirar o ar abafado a ver os insetos se atirarem na chama um após outro e caírem sobre a mesa”. Exagero? Não. Coerência.
Nesse mesmo artigo, Schweitzer entra na questão da pesquisa científica e antecipa por décadas discussões que hoje agitam as universidades do mundo. O que fazer com os animais que servem às nossas pesquisas em laboratório? Como tratá-los dignamente. Se é preciso que eles sejam sacrificados pelo bem da humanidade, então façamos com consciência e responsabilidade. Ele comenta o mesmo em relação aos animais tratados em confinamento e abatidos pelas indústrias de alimento.
Vale a pena conhecer a obra e o pensamento de Albert Schweitzer. Vale a pena ouvir as canções de João do Vale:
Deu meia noite, a lua faz um claro
Eu assubo nos aro, vou brincar no vento leste
A aranha tece puxando o fio da teia
A ciência da abeia, da aranha e a minha
Muita gente desconhece
Muita gente desconhece, olará, viu?
Muita gente desconhece
Para conhecer a vida e obra de Albert Schweitzer:
http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4975589/filosofia-da-civilizacao
Documentário: em inglês http://www.youtube.com/watch?v=Gf4B9v0s0CY
Há um filme rodado em 2006 sobre a vida de Schweitzer: eis o trailer http://www.youtube.com/watch?v=wBHXg3G6-H4
João do Vale cantando: http://www.youtube.com/watch?v=yvkolUGD8rg
Luiz Vieira canta uma canção de João do Vale: http://www.youtube.com/watch?v=fBQeev18Ejk