O menino Bento olhou pela última vez o portão de sua casa na pequena cidade de Nursia. O seu coração estava divido. A idéia de ir morar em Roma enchia o seu coração de entusiasmo e desejo de partir, mas a saudade da terra natal o deixava entristecido. Dividido entre a saudade e a alegria, Bento foi estudar em Roma.

Ao chegar na cidade grande, os olhos arregalados do menino tentavam assimilar tanta beleza: as avenidas largas, as praças grandiosas, as estátuas, as construções de mármore. Bento sentia no ar o perfume das frutas da estação, plantas aromáticas, o cheiro dos animais. Ele ouvia o grito dos mercadores, crianças brincando na calçada, pessoas conversando. Tudo era novo e excitante.

st.benedict5Mas com o passar do tempo, o encanto pela cidade foi se transformando em decepção. Bento percebeu que as ruas não eram tão limpas, que havia crianças abandonadas, imoralidade, prostituição, gente caída pelos cantos, algo que fazia seu estômago revirar.

st.benedict1Assim, com a idade de 14 anos Bento resolveu abandonar a casa de seus pais em Roma, a capital do mundo, com seus bares e cabarés, carnavais e bacanais. Ele foi morar numa pequena vila chamada Enfide, que ficava a uns 40 quilômetros de Roma. Para que não fosse sozinho, seus pais permitiram que Bento fosse acompanhado pela sua ama.

Em Enfide, Bento foi morar na capela de São Pedro, na companhia de outros homens piedosos, todos muito pobres. Sua ama tomou emprestado uma peneira para penerar trigo. Acontece que, sem querer, a peneira caiu no chão e se partiu. Sua ama começou a chorar e lamentar. Bento sentiu grande compaixão por ela e começou a orar de joelhos, pedindo que Deus o ajudasse a encontrar uma solução.

Quando ele se levantou, pegou a peneira partida e começou a arrumá-la. Deus o ajudou e a peneira parecia inteira novamente, como se nunca tivesse se quebrado. Todos ficaram muito admirados e colocaram a peneira na porta da Igreja como prova do que acontece quando Deus ouve as nossas orações.

Cada vez mais, Bento sentia que precisava ficar sozinho, viver em algum lugar distante, deserto. Assim ele se foi morar numa caverna na montanha chamada Subiaco.

st.benedict2Lá ele passou sua juventude, ajudado por um monje chamado Romanus, que trazia alimentos para ele. A comida era colocada numa cesta e puxada por uma corda. Assim ele se isolou do mundo e se dedicou à oração e à penitência.

Com o passar do tempo, Bento percebeu que Deus não nos chamou para vivermos isolados. Assim ele formou uma comunidade de pessoas dispostas a viver mais intensamente em oração, estudo e trabalho.  Logo ele fundou 12 mosteiros naquela região.

Bento achava muito importante o trabalho manual e braçal. Ele dizia sempre:

— O trabalho artesanal é muito produtivo e é também uma maneira muito digna de servir a Deus.

Manter as mãos ocupadas e o corpo em movimento ajuda a manter o espírito em forma.

O estilo de vida dos monges liderados por Bento era muito simples e sem regras muito rígidas: obediência, vida comunitária e moderação. Mais do que seguir regras rígidas, os monges seguiam o exemplo de vida de Bento, sua seriedade, sua dedicação e seu temor a Deus.

st.benedict3Mais tarde, Bento partiu de Subiaco e foi viver em Monte-Cassino. Ali ele construiu um grande mosteiro. Muitas pessoas iam visitá-lo e ouvir seus conselhos, pessoas religiosas, líderes, leigos. Para cada um Bento tinha uma boa palavra.

Um dia apareceu um eremita ali perto de onde Bento morava. Esse eremita vivia com os pés presos numa corrente fixada numa pedra perto de uma caverna. Bento foi falar com o homem:

— Não faças isso, meu bom homem! Você deveria antes se acorrentar nas correntes de Cristo e não nas de ferro.

Bento deixou seus princípios de vida escritos num livro chamado Regra de Bento. Para ele a adoração era o principal dever de um monge. Bento também ensinava que, melhor do que viver totalmente isolado dos outros, numa caverna, o cristão deve buscar a companhia de seus irmãos e viver em comunidade.

st.benedict4Para ele, ficar sem fazer nada é a pior coisa que existe para uma pessoa. A gente precisa ter a mente ocupada através da leitura e da oração e as mãos ocupadas pelos trabalhos manuais. Mas o mais importante é viver para adorar a Deus. A gente tem que viver com moderação e bom senso, seja na hora de comer, de se vestir ou de trabalhar.

Bento morreu em seu monastério aos 67 anos, e como sempre quis: orando. Ele sabia que seu momento estava chegando e se preparou para ele, conversando com o Pai.

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Gira o vaso sobre o tabuleiro,

Gira a roda do oleiro,

Gira o mundo ao meu redor.

Gira o girassol o dia inteiro,

Um relógio sem ponteiro

Lê as horas ‘té decor.

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Quando o velho fio de prata se arrebenta

E a peneira se despenca da beirada do fogão,

É preciso amor e paciência

Muita fé e persistência

Na destreza de uma mão artesã.

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Vida, minha vida, quanta lida

Tem um homem que procura

Consertar um coração.

Passa uma agulha pela dobra

Da costura com ternura

E vai fazendo a amarração.

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Seu trabalho só termina quando a linha se acaba

Ou quando a alma já não sente a solidão.

Tudo então apenas recomeça

E Ele pega outra peça

Com a sua bela mão artesã.

.10 – A roda do oleiro

  1. “quando o velho fio de prata se arrebenta” ligação do perispírito? “quando a linha se acaba” Não seria o fim da linha? “Tudo então apenas recomeça” Onde, aqui ou em outra dimensão?
    Belos versos, mas que me causaram uma inquietação metafísica.

    • Mariano: Muito obrigado pelo seu comentário. O foco da canção é o cuidado pastoral desenvolvido na vida e no ministério de Bento. Quando falo do fio que se quebra, estou me referindo à atitude pastoral de Bento no sentido de consertar o coração quebrantado e ferido das pessoas, e também à cena em que ele conserta uma peneira que havia se partido. Só isso. Não sou espírita, embora respeite os que fazem essa escolha. Talvez seja o seu caso. De qualquer modo, minha posição teológica se afina com a perspectiva da teologia reformada. Sou protestante. Quanto à parte que falo de recomeço, refiro-me à necessidade de conversão em nossa vida, e isso diariamente.

      Abraços,

      Gladir

  2. A vida contemplativa é um discreto e silencioso fio d’água fresca e límpida que atravessa nosso ruidoso e árido mundo. O frescor dela, que revigora o coração dos que o permitem, já dizia Bento em seus escritos, é a “felicidade e a paz”. Obrigado, Gladir, pela canção tão simples, tão beneditina!

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