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Babá com criança. Brasil. Fotografia de Albert Henschel (1827-1882)

Começo com um aviso aos navegantes: esse texto não tem interesse em discutir as manifestações que tem acontecido no Brasil. Não entenda nessas parcas linhas temos como objetivo um ataque ou defesa delas. Combinado?

Causou balbúrdia na internet o retrato de uma babá carregando uma criança num carrinho de bebê enquanto os pais se deslocavam para uma manifestação. Em primeiro lugar, devo confessar que achei lamentável o uso da foto da babá na manifestação nas redes sociais. Foi no mínimo falta de respeito o usar da imagem sem sua expressa autorização, tudo isso sem falar dos estereótipos vomitados no debate.

Em segundo lugar, possivelmente esse fato só tenha acontecido porque em ainda hoje no Brasil pobre e preto apenas importa quando é para defender “meu ponto de vista”. E isso serve tanto para os “defensores da babá“, quanto para aqueles que acham o patrão é um “cara joinha que até paga dobrado no fim de semana“. Nesses momentos, parece que baixa um espírito de Abdias Nascimento ou do Martin Luther King. Todos se tornam grandes militantes do movimento negro, embora saibamos que são silentes contra o extermínio da juventude negra nas periferias de nossas cidades.

A imagem traz a tona as relações de poder em nossa sociedade. Lembrei do caso da disputa judicial entre uma sócia de um um clube que obrigava as babás a se vestirem de branco como forma de distinção em relação aos patrões. Na época, Anna Muylaert, diretora do Filme “Que horas ela volta?“, manifestou sua opinião:

 

Quando eu vi essa notícia (das babás sendo obrigadas a usar brancos pelos clubes), fiquei sem palavras. É uma regra extremamente autoritária, anacrônica, para marcar a divisão social. É algo que mantém o estigma da escravidão[1].

 

Na mesma matéria, ela aponta a hipocrisia sobre o tema: “Aplaude Que horas ela volta? no Facebook, mas em casa reclama que a empregada não sabe fazer estrogonofe”.

Para que não tem a sorte de assistir o filme de Muylaert, ele trata justamente do abismo social em que são colocados a “criadagem” na pela elite brasileira. Revela o desconforto de como uma empregada é objetificada ao ponto de ter como tarefa principal mimar os patrões em situações corriqueiras. Esses sequer levantam-se para pegar água, retirar o prato ou mesmo pegar a sobremesa. Na geografia do lar burguês, o lugar a “funcionária do lar“ transita entre a cozinha e seu pequeno quartinho insalubre cheio de quinquilharias. Entrar na piscina? Nem imagina essa situação sob hipótese alguma.

O filme nada mais é que um retrato desconfortável da realidade do povo pobre e negro, que ainda hoje, como fruto de nossa secular estrutura classista e racista, gera essa tipo de distorção no campo do trabalho. No país onde persiste o famigerado “elevador social“, vale a crítica de Darcy Ribeiro(1996):

“uma efetiva condição de inferioridade, produzida pelo tratamento opressivo que o negro suportou por séculos sem nenhuma satisfação compensatória; a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, obstaculizando sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais, tornou mais difícil para ele obter educação e incorporar-se na força de trabalho dos setores modernizados. As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.” (O povo brasileiro, pag. 120) [2]

 

Babá com o menino Eugen Keller, em Pernambuco, 1874. Fotografia de Albert Henschel (1827-1882)

Babá com o menino Eugen Keller, em Pernambuco, 1874. Fotografia de Albert Henschel (1827-1882)

Se é para lutar pela dignidade do povo negro e pobre, o façamos não quando nos convêm. Muitos querem instrumentalizar o negro e o pobre, mas na hora de levantar a voz contra o genocídio da juventude negra se cala ou acha que isso é coisa de quem “defende bandidinho“. Pobreza e Negritude não devem ser usadas como mera justificativa para nossas “cruzadas online“, mas devem ser temáticas que precisam ser encaradas como pauta de promoção de cidadania e na defesa de direitos.

Por fim, já passou do tempo de agir como se houvesse democracia racial no Brasil ou que mulheres pobres e negras “escolheram“ ser babá ou empregada doméstica. Nada contra esses trabalhos, mas sabemos que no Brasil eles são ocupados por gente que sequer teve a possibilidade de sonhar com outras possibilidades. E por favor, não pense que elas querem ser babás porque é um sonho. Acredite, não é. Inclusive até hoje desconheço gente rica e abastada que tenha desejo incontrolável de ter como “vocação“ para vida toda ser babá. Em que lugar, além dos debates frívolos das redes sociais, está em nossa agenda de Missão essas pessoas invisíveis? Nossas teologias evangélicas estão dispostas a aprofundar a reflexão sobre Trabalho, Etnia e Gênero?

Meu desejo é que Deus no livre das de fazer do pobre apenas uma tese para nossos embates virtuais. Que esses sejam incluídos em nossas ações por Justiça e Equidade. Deus nos conduza para seus braços e para abraçar os pobres e esquecidos desse Mundo. Amém.

 

Por Caio Marçal*

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*Caio Marçal é Cearense, casado com a Viviane e mora em Belo Horizonte. É Formado em Teologia e graduando em Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Atualmente é secretário de Mobilização da Rede FALE e membro da Igreja Batista da Redenção.

[1] Ver no link : http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/02/160128_clubes_babas_anna_muylaert_mdb

[2] RIBEIRO, Darcy.. FrontLog, 1996.

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