roda“Sons que se dissipam” e sons que chegam; um ônibus, uma praça; uma presença e uma leitura. Coisas que primeiro me chegaram em emoção e, depois, me fizeram pensar. Dignidade se revela no instante, e no anônimo.

O instante. Semana passada, tentando recolocar o corpo na rotina, fui correr. A praça estava convidativa, uma pista regular, dividida com pedestres. Praças são lugares de encontros. Havia um cheiro de flor, uma luminosidade boa, sorrisos, sons de crianças, gente lendo, cãezinhos correndo no gramado. Reparei em uma senhora idosa, sentada graciosamente em um dos bancos de madeira, abaixo da árvore, com um carrinho de apoio para andar, com cesta para carregar coisas, que repousava ao lado do banco. O coque no alto da cabeça exibia um porte elegante, um casaco discreto, cabelos naturalmente prateados. Só, não parecia sozinha.

A senhora olhava ao redor, enquanto eu olhava para ela à distância, mantendo meus movimentos. Mas o olhar senil não cruzou os meus olhos corridos. Caiu sobre o olhar jovial de uma mãe que, por sua vez, olhava para os filhos, um casal de crianças. Por razões muito diferentes das minhas, as crianças corriam. A mais velha à frente, a mais nova logo atrás, titubeando. Quando decidiram por destinos diferentes, a mãe se viu em apuros. Correu para uma, olhou para a segunda, que ficava cada vez mais distante, saiu em direção a esta última e, no fim, heroicamente reuniu as duas.

Em sua face não havia sinal de cansaço pelo esforço das corridas, apenas alegria de fim de tarde no parque com os filhos. Já chegando próximo à cena, eu focava meu olhar na senhora, enquanto via simultaneamente a mãe com as crianças. Presenciei o sublime. No instante em que a mãe reuniu os dois filhos e os três riram, a senhora sorriu. Um sorriso tão denso e profundo, alegre e desejoso, um sorriso de passado, de presente e de sonhos.

 

O anônimo. Facebook é um exercício quase diário. Costumo abrir tais páginas de vidas alheias e me perceber na relação com elas. Outro dia, exercitando, encaro a narrativa de um fato – tipicamente carioca -, que transcrevo, com permissão da autora-protagonista:

“Os sons se dissipam rapidamente. A visão fica turva, escurece. Minhas pernas bambeiam e penso: “Já era, vou desmaiar” – e, tendo em vista meu histórico, eu ia mesmo. São 8h da manhã e eu estou num 457 lotado, quase sem ventilação. Em pé, sob um sol escaldante, que, pasmem, tem a capacidade de deixar um dia absolutamente lindo à beira do “invivível”. Suando frio, era provável que eu estivesse bem branca, quase sem cor. Eis que, então, sinto uma mão no meu ombro e ouço algo como: “_ Você tá passando mal?” Até agora não sei se respondi ou sequer esbocei qualquer reação. Não me lembro do rosto do sujeito, nada. Mas marquei seu olhar cuidadoso, quase fraternal, que tratou de logo me arrumar um assento. Fez vento. Se importou. E, tentando me acalmar, repetia: “_ É o calor, vai ficar tudo bem.””

A narrativa fechava com um agradecimento e um “status: restituindo a fé na humanidade”. Também eu virei-me para esse estado.

Narrativas e vivências cotidianas simples, nos olhos que observam, nos olhos que leem, no instante simultâneo a uma corrida, no passado, no próximo que se revela nas letras das mídias. Dignidade é sorrir na velhice, rir na praça, ver o mundo; é gratidão, é humano, é fé.

 

Priscila Vieira

 

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