As Ferramentas Perdidas da Educação
Introdução do tradutor
Gabriele Greggersen
Introdução às Ferramentas Perdidas da Educação
Gabriele Greggersen
Quando o mundo ocidental ainda chorava o saldo de destruição e de mortos deixados pela Segunda Guerra Mundial, e passava por uma profunda crise intelectual, emocional e religiosa, surgia “The Lost Tools of Learning”. Foi em 1947, em meio uma sociedade espiritualmente angustiada e devastada, que Dorothy Sayers proferia essa que se tornaria sua única palestra sobre educação.
Sayers nasceu em Oxford, em 1893, como filha de um bispo anglicano, que também era diretor da escola pertencente à igreja. Na Inglaterra, que segue basicamente a mesma estrutura e funcionamento da educação americana (ou vice-versa), todas as escolas são públicas e gratuitas, financiadas por uma taxa cobrada de todos os cidadãos pelo governo, exceto as especiais e confessionais, que também não recebem verbas públicas. Aprendeu latim e francês, especializando-se em línguas modernas no Somerville College, onde foi condecorada como primeira da classe.
Em seguida, tornou-se uma das primeiras mulheres a ingressar na Universidade de Oxford, uma das mais antigas da história (Séc. XII), onde acabou se tornando autoridade em estudos medievais. Sua obra acadêmica mais comemorada foi a tradução da Divina Comédia de Dante do latim para o inglês[1], mas também se popularizou como escritora de contos de detetive, particularmente, as do seu personagem principal, o “detetive nas horas vagas”, Lord Peter Wimsey. Era, além disso, poetisa e escritora de peças teatrais, que se popularizaram bastante nos países de língua inglesa.
Ela fazia parte do mesmo clube da consagrada escritora de contos de detetive, Agatha Christie, que chegou a presidir e também integrava outro grupo, os Inklings, em especial de C.S. Lewis, Charles Williams e T.S. Eliot, sendo desse último praticamente a única mulher. Ela também mantinha uma amizade pessoal e projetos em comum com os integrantes dos mesmos.
Como se pode ver no início da adaptação de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas aos cinemas, a primeira da mundialmente famosa série de Crônicas de Nárnia de C.S. Lewis, a preocupação com as marcas deixadas pela guerra e suas destroços espirituais espalhados por toda Europa e Estados Unidos (sem falar do Japão e outros países envolvidos direta ou indiretamente) é um dos temas de debate comum a esses grupos. Eles atribuíam à literatura, particularmente à literatura imaginativa, de mistério, ou romântica – dos mitos, contos de fada, e quem sabe nossos contos de cordel -, um grande potencial de cura de traumas e feridas, físicas, psicológicas e espirituais, deixadas pela história, tanto na vida pessoal, quanto em toda a coletividade.
Outra bandeira desse rol, além da paixão pela literatura, era o combate à idéia amplamente disseminada naquele período – e que marca a posmodernidade até os dias de hoje – de que tudo o que diga respeito ao passado seja necessariamente superado e associado ao embotamento, ao tédio e à ingenuidade. Usavam também de sua força argumentativa para defender as bases de sua fé cristã, principalmente no que diz respeito à ética, na qual, afinal de contas, todas as sociedades ocidentais, autodenominadas “cristãs” se encontram fundamentadas.
Entre os anos de 1924-25, Sayers trocou cartas com um ex-namorado. Uma de suas críticas mais fortes ao moralismo de uma sociedade que perdeu de vista a fé e ética cristãs foi The Devil is an English Gentleman (O Diabo é um Gentleman Inglês).
Em 1926, ela decidiu casar-se com um jornalista de nome Captain Oswald Atherton “Mac” Fleming, mais conhecido por “Atherton Fleming.” que era divorciado e tinha dois filhos. Eles permaneceram casados até a morte repentina de Sayers, de ataque cardíaco, quando estava finalizando a sua tradução de Dante. Ambos eram escritores. Entretanto, devido a ferimentos na I Grande Guerra, Fleming adoeceu a ponto de não poder mais escrever, de modo que passou a ser sustentado por Sayers, cujo sucesso estava tomando proporções mirabolantes, ofuscando grande parte do seu trabalho.
Entre as obras mais conhecidas de Sayers encontram-se Veneno Forte (Strong Poison) e Noite Assombrosa (Gaudy Night), um livro de suspense que retrata muito bem a sua própria história no mundo acadêmico. O título é retirado de uma das Obras de Shakespeare.
A história tem por personagem central uma acadêmica, Hariet Vane, que era novelista. Como Sayers, ela teve que lutar contra o preconceito forjado em cartas anônimas e pichações nos muros da escola. Ela mesma é solicitada a, juntamente com o Lorde Peter Wimsey, que acaba sempre solucionando o crime, nesse caso, de chantagem.
Muitos consideram essa obra, o primeiro conto de detetive feminista da história. Trata-se de uma narrativa marcada não apenas pelo mistério, mas também pela filosofia e luta pelos direitos da mulher, sem falar da “pitada” adicional do romance, ambientado na Inglaterra dos anos 1930.
A história foi adaptada para a televisão e transformada em uma série em 1987 e em 2005 foi adaptado para o rádio BBC. Em 2006 foi transformada em peça teatral que estreou no Teatro Lifeline Theatre em Chicago. O enredo também foi aproveitado pela série americana Diagnosis Murder (Morte Diagnóstica), que estreou em 2000.
Gaudy Night foi pensado para ser a culminância da saga de Wimsey, mas acabou gerando mais uma obra final. O fechamento com chave de ouro veio com a peça Busman’s Honey Moon (A lua de Mel dos Busman, publ. 1937), a pedido de um amigo que ofereceu ajuda para sua adaptação ao teatro. O sucesso foi tanto, que redundou em um convite para Sayers se dedicar exclusivamente ao teatro, mas ela recusou. Mas a experiência a fascinou tanto que escreveu mais seis peças. A peça continua em cartaz como grande sucesso de bilheteria.
Suas obras podem ser encontradas ao redor do mundo entre clássicos da literatura mundial, em que Sayers pode ser encontrada posta lada do lado com Alexandre Dumas, Charles Dickens, Júlio Verne, Jack London, e Mark Twain.
A autora também mereceu destaque em outro campo dominado pelos homens até os dias de hoje, o da teologia, com obras importantes como The Mind of the Maker (A Mente do Criador) e The Man Born to be King (O Homem nascido para ser Rei).
Antes de deixar o leitor deliciar-se com a leveza do estilo e as surpresas que a autora reserva à mentalidade moderna, a cada parágrafo, nesse texto, nada convencional ou ortodoxo sobre educação, é preciso contextualizá-lo.
Sugerimos assim, deixar fluir a leitura, suspendendo as armas do espírito de “suspeita”, que ainda subsiste no pensamento pósmoderno, permitindo que Sayers o transportasse para a terra encantada da educação medieval.
Mais do que de um ensaio crítico, trata-se de um exercício dos músculos de nossa razão, não divorciada, mas associada à imaginação, esta última tantas vezes atrofiada pelo sedentarismo imaginativo e seu oposto, a overdose fantasiosa, com que somos diariamente bombardeados pela mídia. Deixemos, então, a palavra à autora e dediquemo-nos à apreciação de suas palavras, que muito têm a dizer aos educadores de um país em processo de extensão da escolaridade de 8 para 9 anos.
As Ferramentas Perdidas da Educação[2]
por Dorothy Sayers
(trad. Gabriele Greggersen)
Aceitar um convite para debater a educação, considerando minha curta experiência como professora, dispensa apologia. Mesmo porque esse é um tipo de comportamento aplaudido na atual efervescência de opiniões. Religiosos ventilam suas opiniões sobre a economia; biólogos, sobre a metafísica; químicos inorgânicos, sobre teologia; indivíduos irrelevantes são apontados para cargos de alto nível técnico; e homens embotados e simplórios publicam nos tablóides que Epstein e Picasso simplesmente não entendiam nada de arte. Até certo ponto, e desde que a crítica fosse feita com razoável modéstia, coisas assim são até admiráveis. A especialização excessiva nunca foi coisa boa. No caso da educação, o que não faltam são motivos para amadores se sentirem gabaritados para emitir suas opiniões. Pois, ainda que nem todos aqui sejamos educadores profissionais, todos já fomos alunos[3] em algum momento da vida. E, mesmo se não tivermos aprendido nada – e, quem sabe, especialmente, se nunca tivermos estudado de verdade[4] – nossa capacidade de contribuição para essa discussão será um valor potencial.
Entretanto, é bem pouco provável que as reformas propostas aqui sejam, algum dia, levadas a sério. Ninguém: nem os parentes; nem os professores de cursinhos vestibulares; nem as bancas de defesa; nem as bancadas de governo; nem os ministros da educação, lhes dariam um só minuto de atenção. Pois elas se resumem a isso: se quisermos formar uma sociedade de gente educada, preparada para preservar a sua liberdade intelectual em meio às pressões da sociedade moderna, teremos que voltar a roda do tempo quatro ou cinco séculos atrás, até fins da Idade Média, no preciso ponto em que a educação começou a perder de vista o seu verdadeiro objetivo.
Antes de você me dispensar – carimbando-me com o bastante apropriado rótulo de: reacionária, romântica medieval, laudator temporis acti (saudosista), ou qualquer outro lugar-comum que lhe vier à cabeça – peço-te o favor de ponderar uma ou duas questões bastante complexas que talvez ainda se encontrassem escondidas na face oculta das mentes de todos nós, que só emergem ocasionalmente causando-nos preocupação.
Se refletirmos sobre a tenra idade em que os jovens começavam a freqüentar a escola nos tempos, vamos supor, da dinastia Tudor, depois da qual passavam a ser considerados prontos para assumir responsabilidade pela condução de seu próprio nariz, como encarar a ampliação artificial da formação infantil e juvenil até os anos de maturidade física, tão característico dos dias de hoje? Postergar ao máximo a hora de assumir responsabilidades traz consigo uma série infinita de transtornos psicológicos que podem até ser interessantes para o psiquiatra, mas que são de bem pouca serventia, ao indivíduo ou à sociedade. O principal argumento que se usa em favor do adiamento da idade de despedida da escola e da prorrogação da idade escolar é que hoje em dia haja muito mais para se estudar, do que na Idade Média. Isso em parte é verdade, mas não inteiramente. O menino e a menina[5] de hoje, têm, sem dúvida, mais assunto[6] para estudar, mas será que isso significa necessariamente que saibam mais?
Nunca lhe pareceu estranho ou lamentável que na atualidade, em que a quantidade de livros existente por toda a Europa ocidental é maior do que nunca, a suscetibilidade das pessoas à influência de anúncios e de propaganda em massa tenha crescido em proporções até então desconhecidas, ou sequer imaginadas? Você atribuiria isso ao mero fato físico de que a imprensa, o rádio e outros meios tivessem tornado a propaganda bem mais ágil e capaz de cobrir um vasto território? Ou será que você às vezes tem a inquietante suspeita de que o produto dos métodos modernos de educação fosse inferior ao que seja capaz de ser, em distinguir o fato da opinião; e o provado do plausível?
Quem é que já não se irritou, ao acompanhar um debate entre adultos e pessoas supostamente responsáveis, com a extraordinária incapacidade do debatedor em geral de se ater às perguntas, ou de opor-se a elas, refutando os argumentos dos palestrantes de opiniões diferentes das dele? Ou será que você já ficou se perguntando sobre a incidência altíssima de assuntos irrelevantes surgidos em encontros de conselhos, e sobre a incrível escassez de pessoas capazes de presidir comissões? E ao refletir sobre isso, ocorre-lhe que a grande maioria dos assuntos públicos são decididos precisamente nesses debates e comissões, não sente um aperto no coração?
E quem já não acompanhou uma discussão nos jornais ou outro meio de comunicação qualquer e percebeu a quantas vezes os escritores deixam de definir os termos que usam? Ou notou o quanto é freqüente, na hipótese de alguém definir os termos que está usando, o outro responder pressupondo na sua resposta, que o primeiro estava usando esses termos em sentido exatamente oposto àquele? Você já se sentiu honestamente preocupado com tantos usos de linguagem[7] gramaticalmente errada? E, em caso afirmativo, você se sente incomodado, por sua deselegância ou porque receia o grave mal-entendido em que isso poderia resultar?
Quem é que já não teve a impressão de que os jovens, assim que completado o período escolar, não apenas se esquecem da maior parte do que aprenderam (o que já era de se esperar), mas também se esquecem, ou revelam nunca ter aprendido de fato, como lidar por si mesmos com um conteúdo novo? Você se incomoda com frequência quando vê homens e mulheres adultos incapazes de distinguir um bom livro, do ponto de vista acadêmico, e apropriadamente indexado, de um que, para o bom entendedor, é notório que não chega a tanto? Ou que não saibam como manusear um catálogo de biblioteca? Ou que, quando estiverem face a face com um livro de referência, sejam flagrados por uma curiosa incapacidade de extrair dele os trechos relevantes para o problema que seja de seu particular interesse?
Quantas vezes você já topou com gente para quem, por toda vida, “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra”, separada de todas as demais, como se estivessem separadas em compartimentos estanques? Tanto, que têm grande dificuldade de estabelecer conexão mental entre, digamos, álgebra e ficção policial, entre o saneamento básico e o preço de salmão – ou, de maneira mais genérica, entre esferas distintas como as do conhecimento filosófico e a economia, ou a química e as artes?[8]
Já se sentiu incomodado com certas coisas escritas por homens e mulheres adultos para leitores e leitoras adultos? Um biólogo bastante conhecido, que escreve para uma revista semanal disse que “Um argumento contra a existência de um Criador” (acho que ele colocou de forma ainda mais forte, mas já que eu, infelizmente, perdi a referência, parafrasearei seu raciocínio da forma mais agressiva possível) – “…um argumento contra a existência de um Criador é que os escritores em massa conseguem produzir Lao seu bel prazer[9], o mesmo tipo de diversidade produzida pela seleção natural “. Não ficamos tentados a dizer que este é, antes, um argumento a favor da existência de um Criador? Na verdade, é claro que isso não prova nem uma coisa nem outra; tudo o que essa argumentação prova é que as mesmas causas materiais[10] (seja a re-combinação dos cromossomos, pelo seu cruzamento e assim por diante) sejam suficientes para explicar toda diversidade observável no mundo. Isso seria o mesmo que dizer que o mesmo conjunto de notas musicais combinadas entre si, sejam a causa material capaz de explicar tanto a Sonata ao Luar de Beethoven, quanto os sons produzidos por um gatinho andando sobre as teclas de um piano. No entanto, tal comportamento do gato não prova nem contesta a existência de Beethoven; tudo que se prova pelo argumento do biólogo é que ele não era capaz de distinguir entre causa material e causa final. Eis aqui outro exemplo retirado de fonte não menos acadêmica, a primeira página do Suplemento Literário, nada mais, nada menos do Times:
“O Francês Alfred Epinas, afirmou que certas espécies (por exemplo formigas e vespas) só são capazes de encarar os horrores da vida em associação com a morte”. Não sei bem o que o francês quis dizer com isso, mas o que o repórter inglês diz que ele disse é que é um absurdo flagrante. Não temos como saber, se a formiga encara a vida com horror ou não, nem, em que sentido se pode dizer que a vespa que esmaga contra a vidraça “enfrenta” os horrores da morte. O objeto do artigo me parece ser o comportamento humano nas massas; assim, os motivos humanos foram transferidos, de forma muito sutil, da proposta inicial, para o caso, a que deveria dar suporte. Assim, o argumento acaba tomando por pressuposto, precisamente o que pretendia provar – fato este que se tornaria logo patente se fosse apresentado num silogismo formal. Este é um reles e aleatório exemplo de um vício que permeia livros inteiros – em especial livros escritos por homens da ciência, [que se metem] a escrever sobre temas metafísicos.
Outro artigo da mesma edição do Suplemento Literário do Times exemplar nesta coleção casual de pensamentos aflitivos – desta vez oriunda da resenha da obra Algumas Tarefas para a Educação, escrita por Sir Richard Livingstone, diz: ” [O autor] lembra o leitor mais de uma vez do valor de um estudo intensivo de pelo menos uma matéria, a fim de aprender o significado desse conhecimento e o grau de precisão e persistência necessários para alcançá-lo. Todavia, noutro ponto, reconhece por inteiro o angustiante fato de que uma pessoa pode chegar a se tornar mestre num determinado campo, sem demonstrar capacidade crítica mais refinada, do que qualquer vizinho de outro campo qualquer; ele até se lembra do que aprendeu, mas se esquece por completo de como foi que aprendeu.”
Peço a sua atenção particular para a última sentença, que oferece uma explicação a que o escritor se refere propriamente quando fala do “fato angustiante”, de que as habilidades intelectuais a nós conferidas pela nossa educação, não sejam imediatamente transferíveis[11] para outros campos[12], diferentes daqueles, nos quais nós as adquirimos: “ele se lembra do que aprendeu, mas se esquece por completo de como aprendeu”.[13]
O grande defeito da nossa educação atual – defeito este detectável através de todos os inquietantes sintomas do problema que mencionei – não é que, embora nós muitas vezes tenhamos sucesso em ensinar “conteúdos” aos nossos alunos, falhamos lamentável e inteiramente em ensinar-lhes como pensar; eles aprendem tudo, menos a arte de aprender. É como se, por mais que tivéssemos ensinado uma criança tocar “O Ferreiro Harmonioso” ao piano, mas de maneira exclusivamente mecânica, sem nunca ter-lhe ensinado a escala musical ou a ler uma partitura. Desse modo, por mais que tivesse memorizado “O Ferreiro Harmonioso”, ele, no entanto, não teria a mínima noção de como, a partir daí, encarar outra música como “A Última Rosa do Verão”. Por que eu digo “como se”? Em certas áreas das artes e dos trabalhos manuais, é precisamente isso que fazemos – esperamos que uma criança “se expresse” com o pincel, antes mesmo de ensinar-lhe a lidar com cores e com o pincel. Há uma corrente de pensamento que acredita ser esta a maneira mais correta começar os trabalhos. No entanto, observe bem: não é este o método pelo qual um artista treinado se empenharia em descobrir um novo método de pintura. Ele, que aprendeu pela experiência a melhor forma de economizar esforços para pegar o jeito da coisa, começará rabiscando em um material rascunho qualquer, a fim de “aguçar a sensibilidade para com a ferramenta”.
O PROGRAMA DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL
Observemos a estrutura da educação medieval mais de perto agora – o programa de ensino dessas escolas. Não importa, para o momento, se destinado a crianças pequenas ou a estudantes mais velhos, e por quanto tempo se esperava que as pessoas a devessem freqüentar. O que importa é a luz que ele lança sobre o que o homem medieval supunha ser o objeto e a ordem certa do processo educacional.
O currículo era dividido em duas partes: O Trivium e o Quadrivium. A segunda parte – o Quadrivium – era composta por “conteúdos”, que não nos preocupam por ora. O que nos interessa aqui é discutir o Trivium, que precedia o Quadrivium e era composto por disciplinas consideradas prerrogativas. Consistia ele de três partes: Gramática, Dialética e Retórica, nessa ordem.
Agora, a primeira coisa notória é que duas destas “disciplinas” em qualquer ordem não são o que chamaríamos de “disciplinas”: eles não passam de métodos de como lidar com os conteúdos. A Gramática, de fato, é uma “disciplina” no sentido de que ela significa definitivamente o aprendizado de um idioma – naquela época, gramática significava o aprendizado do Latim. Mas a língua em si é simplesmente o meio pelo qual se expressa o pensamento. Na verdade, o Trivium todo tinha a intenção de ensinar ao aluno o uso apropriado das ferramentas [de estudo] da educação, antes que ele começasse a aplicá-las às “matérias”. Primeiro ele aprendia o uso apropriado das ferramentas; não apenas como fazer um pedido no restaurante, numa língua estrangeira, mas a estrutura da língua, e assim, da própria linguagem – em que situação se encontrava, como se constituiu, e como funcionava. Em segundo lugar, ele aprendia a usar o idioma; como definir os seus termos e elaborar asserções mais refinadas; como construir um argumento e como detectar falácias em um argumento. Em outras palavras, a gramática abarcava a lógica e o uso do senso crítico. Em terceiro lugar, ele aprendia a se expressar usando aquela língua – a como dizer o que ele tinha para dizer de forma elegante e convincente.
Ao final dessa fase, solicitava-se que ele elaborasse uma monografia sobre algum tema apresentado por seus mestres ou proposto por ele mesmo, e, em seguida, submetia a sua tese à crítica da comunidade acadêmica. A essas alturas ele terá que ter aprendido tudo – ou entrará em desespero – não apenas a escrever um ensaio[14] ou trabalho acadêmico, mas também a falar em público de maneira sonora e inteligente e a fazer a defesa, sem perder a pose.
É bem verdade que ainda subsistem traços e resquícios da tradição medieval no currículo das escolas comuns de hoje, é claro, ou foram resgatados [em algum momento da história]. Algum conhecimento de gramática ainda é exigido quando se estuda uma língua estrangeira – talvez eu devesse dizer “voltou a ser necessário.” Na minha época mesmo, passamos por uma fase assim, quando o ensino de declinações e conjugações era considerado digno de repreensão, passando-se a dar preferência a abordar essas coisas à medida que elas iam surgindo. O debate sociológico florescia nas escolas; ensaios eram escritos; frisava-se a necessidade da “livre expressão”, de forma um tanto exagerada.
Mas essas atividades são cultivadas de forma mais ou menos isolada, como se pertencessem a algum departamento isolado, tratadas como supérfluas, ao invés de formarem uma estrutura coerente de exercício mental, à qual todas as demais “disciplinas” estejam subordinadas. No caso da gramática, ela foi atribuída ao “departamento” de línguas estrangeiras. E a escrita de ensaios pertence a um ”departamento” de “Inglês”; ao passo que a dialética acabou praticamente divorciada do restante do currículo, e é freqüentemente praticada de maneira assistemática e que foge ao programático, através da prática exercícios extracurriculares, cuja relação com o que chamamos de estudo é bem distante.
Tomado de forma ampla, a enorme discrepância de ênfases entre essas duas concepções abriga algo de bom: a educação moderna concentra-se em “ensinar conteúdos,” enquanto os métodos de raciocínio, argumentação e expressão de conclusões, concentrada em primeiro aprender a forjar e a lidar com as ferramentas [de estudo] da educação, independente do assunto em pauta, é deixada para os estudiosos, que gozaram de uma educação mais medieval[15]. Nesse último caso, é como pegar uma peça bruta e trabalhar nela até que o resultado do uso da ferramenta se transforme como que em uma segunda natureza.
Que é preciso ter algum tipo de “conteúdo”, ninguém duvida. Não se pode aprender a teoria da gramática de um idioma sem aprender o próprio idioma, ou aprender a argumentar e falar em público, sem falar sobre nenhum assunto em particular. Os temas de debate da Idade Média vinham em grande parte da teologia, ou da ética e da história da Antiguidade. De fato, muitas vezes, eles se tornavam jocosos, especialmente perto do final desse período. Os absurdos aberrantes do argumento escolástico desse período, que tanto enervavam a Milton[16], dão, até hoje motivos, chacota e riso. Mas não saberia dizer se esses temas eram mais tolos e prosaicos do que os temas escolhidos nos dias de hoje para a escrita “dissertativa”. Atrevo-me a dizer que ficamos um tanto entediados com propostas de redação do tipo “como foram as minhas férias” e por aí afora. Mas grande parte desses gracejos é indébita, na medida em que se perdeu de vista o objetivo e objeto da tese em debate.
Certa vez, um palestrante demagogo entreteve a sua audiência no Brains Trust[17] (expondo a memória de Charles Williams[18] à fúria da platéia) ao afirmar que, na Idade Média, a discussão sobre quantos arcanjos[19] seriam capazes de dançar na ponta de uma agulha era uma “questão de fé”. Espero não ter que defender que isso jamais foi [mera] questão de fé; tratava-se antes de um exercício de senso crítico, cujo objeto era a natureza da substância angelical: seriam os anjos seres materiais? Em caso afirmativo, poderiam ocupar lugar no espaço? A resposta usualmente aceita como correta era que os anjos são inteligências puras; não materiais, mas limitadas, de modo que eles podem ter um lugar no espaço, porém não podem ter extensão[20]. Podemos fazer uma analogia disso com o pensamento humano, que também não é material e limitado. Assim, se o seu pensamento está concentrado numa coisa – vamos supor, na ponta de uma agulha – ele estará lá, no sentido de que não está em nenhum outro lugar. Por mais que esteja “lá”, ele não ocupa espaço algum, e não há nada que impeça um número infinito de pensamentos de diversas pessoas se concentrem na ponta da mesma agulha, ao mesmo tempo. Acontece que o objeto de discussão a que esse exercício é a natureza dos anjos (embora, como vimos anteriormente, poderia muito bem ser qualquer outra coisa); uma lição prática a ser tirada desse debate é não usar palavras como “está aí” de forma solta e não científica, sem especificar se está se referendo a “está lá” ou “ocupando espaço lá.
A matéria mais apropriada do argumento pode ser vista, portanto, como sendo a distinção entre localização e extensão no espaço; acontece que o tema em torno do qual gira o argumento é a natureza dos anjos (embora, como vimos, pudesse ser qualquer outra coisa); a lição prática a ser tirada do debate é a de não se usar palavras como “lá ” num sentido descuidado e não científico, sem especificar, se o que se quer dizer é “está lá” ou está “ocupando espaço lá”.
A paixão medieval pela discussão do sexo de anjos[21] já foi alvo de muito escárnio, mas quando olhamos para abuso desavergonhado, tantas vezes praticado por escrito ou em público ou através de polêmicas provocadas por expressões com conotação pejorativa e de duplo sentido, sintamos no coração o desejo de ver cada leitor e cada ouvinte dessa palestra pudesse estar armado de forma tão defensiva[22], a ponto de bradar: “Distinguo“[23].
Pois nós nos damos ao luxo de deixar nossos jovens, rapazes e moças, saírem desarmados, em tempos em que uma armadura nunca foi tão necessária. Uma vez que ensinamos todos a ler, acabamos deixando-os à mercê da palavra impressa. Com a invenção do rádio e do cinema, temos a garantia de que nenhuma aversão à leitura os livrará de um incessante bombardeio de palavras, palavras e mais palavras. Eles não conhecem o significado dessas palavras; eles não sabem manter distância delas, nem desarmá-las, nem repudiá-las; são verdadeiras “reféns emocionais” das palavras, ao invés de serem os seus mestres, pelo uso de suas faculdades mentais. Porque é que nós que, em 1940 nos escandalizamos de ver os homens sendo destacados para lutar contra tanques armados de metralhadoras, não nos escandalizamos de ver jovens, rapazes e moças, destacados para o mundo, para lutar contra a propaganda em massa, com um conhecimento limitado e superficial de “conteúdos”; e quando classes sociais e nações inteiras se deixam hipnotizar pelas artimanhas do encadernador de livros de feitiços, nós temos a descaramento de nos espantar. Damos esmolas para a educação para provar que lhe damos importância – através do trabalho voluntário e apenas ocasional, pequenas doações de dinheiro; nós prorrogamos a idade para encerramento dos estudos, e planejamos a construção de escolas maiores e melhores; os professores escravizam-se deliberadamente, seja durante ou fora do horário de aulas; e, no entanto, pelo que vejo, a devoção de todo esse esforço é amplamente frustrada, devido ao fato de que termos perdido as ferramentas de estudo da educação, e na falta delas, realizamos um serviço malfeito e desconjuntado.
QUE FAZER?
O que, então, fazer? Não podemos regressar à Idade Média. Este é um lamento ao qual já nos acostumamos com. Não podemos voltar atrás- será que não podemos mesmo? Distinguo! Vamos definir cada uma das partes dessa proposição. Será que a expressão “voltar atrás”, significa voltar no tempo, ou voltar atrás em um erro? A primeira é claramente impossível ‘per se’; a segunda é algo que pessoas dotadas de sabedoria fazem o tempo todo. Será que a expressão “não podemos”- significa que o nosso comportamento está irreversivelmente determinado, ou apenas, que tal coisa seria muito difícil de acontecer, em vista da oposição que provocaria? O século vinte obviamente não é e nem pode ser o século catorze; mas se a “Idade Média”, neste contexto, for tratada simplesmente como uma frase pitoresca, que denota uma teoria educacional particular, então parece não haver a priori, nenhuma razão porque não devêssemos “voltar” a isso – com alterações. Por exemplo, já “voltamos” com alterações, para à idéia de apresentar peças de Shakespeare da forma como ele as escreveu, e não nas versões “modernizadas” de Cibber e Garrick, que já estrelaram como “última geração” do progresso teatral.
Vamos nos divertir um pouco, imaginando que tal regresso progressivo fosse possível. Expurguemos completamente todas as autoridades educacionais da história, e mentalizemos uma bela escolinha de meninos e meninas, onde pudéssemos equipá-las para o embate intelectual, ao longo de leituras selecionadas a dedo. Nós os dotaríamos de pais excepcionalmente dóceis; recrutaríamos para a equipe da nossa escola professores e mestres perfeitamente familiarizados com os métodos e com o objetivo do Trivium. Nossa escola teria instalações físicas tais, que possibilitassem turmas pequenas o bastante para quem gozem da atenção apropriada; e exigeremos uma Banca de Examinadores desejosos e qualificados para testar os produtos que lhes apresentarmos. Assim preparados tentaremos delinear um programa – um Trivium moderno, “com alterações”, e vejamos no que vai dar.
Mas calma lá: que idade as crianças deveriam ter? Bem, escolhermos leituras tipo “novela” dos tempos modernos, era melhor que eles não tivessem nada para desaprender; além do mais, nunca é tarde para começar algo bom, e o Trivium, por sua natureza não é um aprendizado, mas uma preparação para o aprendizado. A ordem, então, é: “fisgá-los ainda crianças”, exigindo de nossos pupilos nada mais do que a capacidade de ler, de escrever e contar.
Admito que minhas idéias sobre a psicologia infantil não são nem ortodoxas, nem iluminadas. Olhando para o meu próprio passado (uma vez que eu mesma sou a criança que melhor conheço e a única, que eu posso pretender conhecer por dentro), consigo vislumbrar três estágios de desenvolvimento. Designarei os mesmos, de forma bastante rudimentar, de ‘Papagaio’, ‘Arrogante’ e ‘Poético’ – este último coincidindo, aproximadamente, com a fase da puberdade. O estágio ‘Papagaio’ é aquele em que o decorar[24] fica mais fácil e, de uma maneira geral, mais prazeroso; enquanto que o raciocínio é ainda difícil e, de uma maneira geral, pouco prazeroso. Nessa idade, memorizamos com facilidade as formas e as aparências das coisas; gostamos de recitar os números das placas de carros; divertimo-nos com rimas e ruídos guturais de polissílabos ininteligíveis; apreciamos o simples acúmulo de coisas, enquanto o raciocínio é penoso e pouco apreciado.
A idade do ‘Arrogante’, que se segue (e, naturalmente, sobrepõe-se por algum tempo ao anterior), caracteriza-se pelo gosto pela contradição, por revidar os outros, e “descobrir defeitos neles” (especialmente nos “mais velhos”); além de propor charadas. Seu poder de irritação é extremamente alto. Em geral esse potencial se ameniza no nível escolar médio.
O estágio ‘Poético’ é popularmente conhecido como a idade “difícil”. Nele o indivíduo se torna introvertido, tem forte necessidade de se expressar; torna-se, de certa forma, especialista em figurar como o incompreendido; é incansável e procura sempre alcançar independência; e, se tiver sorte e um bom encaminhamento, deve dar os primeiros sinais de criatividade. Trata-se de uma fase de busca por uma síntese do que já se sabe, e uma ânsia deliberada de conhecer o mundo e fazer alguma coisa para torná-lo melhor, em detrimento de tudo mais.
Agora, parece-me que o esquema do Trivium se encaixa de forma singular a estas três idades: a Gramática, para a idade do ‘Papagaio’; a Dialética, para a idade ‘Arrogante’ e a Retórica para a idade ‘Poética’.
O ESTÁGIO DA GRAMÁTICA
Vamos começar, então, pela Gramática. Na prática, estamos nos referindo à gramática de uma língua específica; mas precisa ser um idioma que tenha declinações. A estrutura gramatical de um idioma sem declinações é analítica demais para ser tratada por alguém desprovido uma prática prévia em Dialética. Sem falar que as línguas com declinações traduzem bem aquelas sem declinações, enquanto que as que não têm declinações, são de pouco proveito para a tradução daquelas que têm. Direi logo de uma vez, e com firmeza, que não há melhor fundamento para a educação, do que a gramática latina. Digo isso, não porque o Latim seja tradicional e medieval, mas simplesmente porque até o conhecimento de rudimentos do Latim pode reduzir ao menos pela metade o trabalho e as dores da aprendizagem de quase qualquer outra coisa. Ele é a chave para o vocabulário e para a estrutura de todos os idiomas teutônicos[25], bem como, para o vocabulário técnico de todas as ciências, sem falar da literatura de toda civilização mediterrânea, incluindo todos os seus documentos históricos.
Aqueles cuja preferência pedante por uma linguagem viva os persuade a privar seus alunos de todas essas vantagens, poderão substituí-lo pelo Russo, cuja gramática é ainda mais primitiva do que a do Latim. É claro que o Russo é útil para o aprendizado dos demais dialetos Eslavos. Mas há algo a ser dito também em favor do Grego Clássico. No entanto, dou preferência ao Latim. Depois de ter satisfeito aos classicistas[26] entre vocês, passarei agora a horrorizá-los, acrescentando que não considero sábio ou necessário amarrar o pupilo comum, o aluno médio, ao “tronco da era da Casa Grande e Senzala”[27], com suas formas de verso e oratória tão artificiais e elaboradas. O Latim Pós-Clássico e medieval, que se manteve língua viva até fins da Renascença, é mais fácil e, sob alguns aspectos, mais vivo; seu estudo ajuda a dissolver a noção muito disseminada, de que a prática do estudo e a literatura tiveram um fim abrupto por ocasião do nascimento de Cristo e somente foram reanimados quando da invasão dos Mosteiros.[28]
Deve-se ensinar o latim o mais cedo possível – num estágio em que a língua dotada de declinações parece não espantar mais, do que qualquer outro fenômeno em um mundo que causa cosntante espanto; e em que cantarolar “Amo, amas, amat” é tão ritualísticamente encantador para os sentimentos, quanto cantarolar “Eu amo, tu amas, ele ama…”.[29]
Nessa idade, é claro que é preciso exercitar a mente para outras coisas, além da gramática latina. A capacidade de observação e a memória são as faculdades mais vivas naquele estágio; e se quisermos aprender alguma língua estrangeira contemporânea, devemos começar logo, antes que os músculos faciais e mentais se tornem rebelde demais a sons estranhos. O Francês ou o Alemão falados, podem ser praticados lado a lado com a disciplina gramatical do Latim.
Enquanto isso, o inglês em prosa e verso, poderá ser ‘decorado’ e a memória do aluno deverá ser alimentada com um bom estoque de estórias de todos os gêneros – mitos clássicos, lendas européias, e assim por diante[30]. Não acredito que as estórias clássicas e obras primas da literatura antiga devessem ser as cobaias da prática de técnicas gramaticais – essa foi um dos equívocos da educação medieval, que não necessitamos perpetuar. As estórias devem ser apreciadas e relembradas em inglês, associadas às suas origens, num estágio subseqüente. A recitação em voz alta deve ser praticada, individualmente ou em grupo; pois não podemos esquecer que estamos lançando os alicerces para o desenvolvimento do senso crítico e da Retórica.
A gramática da História[31] deve, penso eu, consistir em datas, eventos, anedotas, e personalidades. Ter um conjunto de datas à disposição, nas quais fixar todo conhecimento histórico posterior. é de enorme ajuda mais para frente, para o estabelecimento da perspectiva histórica. Não importa muito quais sejam essas datas: a dos Reis da Inglaterra servirá, desde que seja acompanhada de imagens[32] que retratam o vestuário, da arquitetura e outras figuras do cotidiano da época, de forma que a simples menção de uma data remeta a uma apresentação visual bem marcante de todo o período.
A Geografia, semelhantemente deverá ser apresentada em seu aspecto relativo aos fatos, com mapas, características naturais, e apresentação visual dos costumes, trajes, flora, fauna, e assim por diante; e tenho para mim que a velha e suspeita memorização de um par de cidades, rios, cordilheiras, etc., não faz mal a ninguém. E por que não também encorajar o hábito de coleção de selos?[33]
No período do ‘Papagaio’, a ciência se organiza de maneira mais fácil e natural em torno de classificações – a identificação e nomeação de espécies e, de uma maneira geral, o tipo de coisa que se costuma chamar de “filosofia natural”. Conhecer o nome e propriedades das coisas nesse estágio, representa uma satisfação em si: ser capaz de identificar um besouro à primeira vista[34] no jardim e de garantir aos mais velhos ignorantes que, apesar de sua aparência, ele não pica; ser capaz de identificar uma Cassiopéia e a Plêiades[35], e quem sabe até saber quem foram Cassiopéia e Plêiades; estar ciente de que uma baleia é diferente de um peixe, e um morcego é diferente de um pássaro – todas estas coisas dão uma agradável sensação de superioridade; enquanto saber diferenciar uma cobra coral de uma víbora comum ou um fungo comestível de um venenoso é uma espécie de conhecimento que tem também seu valor prático.
A gramática da Matemática começa, é claro, pela tabuada, que, se não for aprendida já, nunca mais o será de maneira prazerosa; sem falar do reconhecimento de formas geométricas e conjuntos de números. Esses exercícios conduzem naturalmente à realização de somas aritméticas simples. Os processos matemáticos mais complexos poderão e talvez devessem ser postergados, por razões que apresentaremos agora.
Até aqui (exceto pelo Latim, é claro), nosso currículo não tem nada que se distancie muito da prática comum [nos países de fala inglesa]. A diferença deverá ser percebida pela atitude dos professores, que devem encarar todas estas atividades menos como “conteúdos” em si, e mais como uma série de materiais que podem ser aproveitados na próxima etapa, o Trivium. Que tipo de materiais são esses não é tão importante; trata-se antes de tudo e de qualquer coisa que venha a ser útil armazenar na memória ao longo desse período, seja coisa imediatamente inteligível ou não. A tendência moderna é tentar impor explicações racionais à mente da criança, já na mais tenra idade. É claro que perguntas inteligentes, que surjam de forma espontânea, devem receber respostas prontas e racionais; mas é um grande erro supor que uma criança não seja capaz de apreciar e lembrar de coisas que estão além do seu poder de análise – particularmente se todas aquelas que têm forte apelo imaginativo (como, por exemplo, “Kubla Kahn”)[36], uma rima atraente (como algumas das rimas para memorização do gênero latino), ou uma rica série de polissílabas retumbantes (como “Quicunque vult”[37]).
Isto me faz lembrar da gramática de Teologia. Devo acrescentá-la ao currículo, porque a Teologia é a ciência-mestra sem a qual toda a estrutura educacional ficará necessariamente desprovida de sua síntese final. Quem discorda desse ponto, terá que contentar-se com uma educação solta, cheia de indefinições para seus alunos. Isso parece já não ter tanta importância quanto deveria, já que, nos tempos em que as ferramentas de estudo da educação foram forjadas, o estudante ainda era capaz de lidar com a Teologia por si mesmo, e provavelmente insistia nisso, porque fazia sentido para ele. Mas ainda hoje, é bom termos esse debate à mão e pronto para ser trabalhado pela razão[38]. No estágio gramatical, portanto, devemos nos familiarizar com um panorama da história de Deus e o Mundo – isto é, incluindo o Antigo e o Novo Testamento, que seja apresentado como parte de uma narrativa singular da Criação, Queda, e Redenção – da mesma forma que o Credo, o Pai Nosso, e os Dez Mandamentos. Neste estágio inicial, o que importa não é que estas coisas sejam compreendidas por inteiro, mas que elas sejam conhecidas e lembradas.
O ESTÁGIO DA LÓGICA
É difícil dizer, com precisão, com que idade deveríamos passar da primeira para a segunda etapa do Trivium. De uma maneira geral, a resposta é: assim que o aluno se mostrar pronto para ‘arrojadas’ e intermináveis argumentações. Pois, da mesma forma que as faculdades predominantes na primeira parte são a observação e a memória, na segunda parte, a faculdade predominante é a razão discursiva. Na primeira, era a Gramática Latina o exercício ao qual todo o restante do material estava, por assim dizer, atrelado; na segunda, o exercício-chave será o da Lógica Formal. É aqui que o nosso currículo apresenta sua primeira divergência acentuada em relação aos padrões modernos. A perda de reputação da Lógica Formal não tem justificativa; e a negligência com relação a ela está na raiz de quase todos os sintomas preocupantes que notamos na constituição da intelectualidade moderna. A Lógica tem sido desacreditada, em parte, porque passamos a supor que somos quase que totalmente condicionados pelo inconsciente e pelo intuitivo. Não há tempo aqui para discutirmos se isso é verdade ou não; minha constatação é que a preparação apropriada da razão é, com certeza, a melhor forma possível de torná-lo verdade. Outra causa do estado de desgraça em que a Lógica caiu é a crença de que ela seja inteiramente baseada em pressuposições universais que costumam ser ou improváveis ou redundantes[39]. Isto não é verdade. Nem todas as proposições são desse tipo. Mas mesmo se fossem, não faria diferença, já que cada silogismo que parte de uma premissa do tipo “Todo ‘A’ é ‘B’” pode ser reapresentado de forma hipotética[40]. A lógica é a arte da argüição correta: “Se ‘A’, então ‘B’”. O método não se valida pela natureza hipotética de ‘A’. Na verdade, a utilidade prática da Lógica Formal hoje não está tanto no estabelecimento de conclusões positivas, mas antes na detecção imediata e exposição de inferência inválida.
Revisemos agora, rapidamente, nosso material e vejamos o quanto ele está relacionado com a Dialética. Sob o aspecto da Linguagem, deveremos ter desenvolvido um vocabulário e morfologia na ponta da língua; daqui para a frente poderemos então nos concentrar na sintaxe, na análise (por exemplo, na construção lógica do pronunciamento) e na história da linguagem (por exemplo, como é que viemos a organizar a nossa língua da forma como o fizemos, a fim de expressar nossas idéias).
Nossas leituras progredirão da narrativa e do lirismo para ensaios, debate e crítica; e o aluno aprenderá a aventurar-se em escrever esse tipo de coisa. Muitas lições – não importa o assunto – terão a forma de debate; e ao invés de recitações, individuais ou em grupo, haverá apresentações dramáticas, com atenção especial para peças em que um debate seja apresentado de forma dramática.
A Matemática – a álgebra, a geometria e os mais avançados tipos de aritmética – entrarão agora no currículo e terão seu lugar pelo que são de fato: não como uma “matéria” separada, mas com um sub-departamento da Lógica. É nada mais nada menos do que a regra do silogismo, em sua aplicação particular a números e medidas; e é assim que deveria ser ensinada, ao invés de representar, para uns, um grande mistério; e, para outros, revelação especial, nem iluminando, nem sendo iluminada por qualquer outra parte do conhecimento.
A História, auxiliada por um sistema simples de ética derivado da gramática teológica, proverá muito material apropriado para discussão: Será que o comportamento deste estadista teve justificativa? Qual foi o efeito da promulgação de lei como esta? Quais são os argumentos pró e contra esta ou aquela forma de governo? Deveremos, assim, obter uma introdução à história constitucional – um assunto que não tem qualquer significado para crianças pequenas, mas que é de interesse absorvente para aquelas que foram preparadas para argüir e debater. A própria Teologia fornecerá alimento para discussões sobre moral e conduta; e se o seu escopo fosse estendido por um simples curso de teologia dogmática (por exemplo, a estrutura racional do pensamento Cristão), esclarecendo as relações entre dogma e ética, e emprestando-se a si mesma àquela aplicação de princípios éticos em situações particulares, o que é apropriadamente chamado casuísmo. A Ciência e a Geografia, semelhantemente, fornecerão material para a Dialética.
Mas acima de tudo, não devemos negligenciar o material que é tão abundante na vida cotidiana do próprio aluno.
Há uma deliciosa passagem no livro de Leslie Paul intitulado “The Living Hedge” (A Cerca-Viva), que conta a história de um grupo de garotos, que se divertiu por dias a fio, discutindo uma pancada de chuva que caíra na sua cidade – uma chuva tão localizada que molhou só metade da rua principal, deixando a outra seca. Começaram então a discutir, se era possível alguém afirmar com razão, que sequer havia chovido na rua, ou de passagem pela rua, ou numa parte da rua, naquele dia? Quantas gotas de água eram necessárias para se constituir em pancada de chuva? E por aí afora. O debate sobre esse assunto levou a um sem-número de situações similares, a respeito do movimento e do repouso; do sono e da vigília; ‘ser’ ou ‘não ser’, e a divisão infinitesimal do tempo. O trecho todo é um exemplo admirável do desenvolvimento espontâneo da faculdade de raciocínio e da sede natural e apropriada pelo despertar da razão, para a definição de termos e para a exatidão de enunciados. Eventos dessa natureza representam alimento constante para tal apetite.
A decisão de um juiz numa partida; o grau até onde alguém pode transgredir o espírito de uma lei, sem ser pego pela letra da lei: em questões como estas, as crianças são criadoras de caso natas. Sua propensão natural só precisa ser desenvolvida e treinada – e em especial, trazida até um estado de relacionamento inteligível com os eventos do mundo adulto. Os jornais estão repletos de bom material para tais exercícios: decisões legais, por um lado, em casos onde o motivo em questão não é por demais nebuloso; e por outro, seria possível citar inúmeros exemplos de raciocínio falacioso e argumentos confusos, nas colunas de opinião do leitor de certos periódicos.
Onde quer que se ache assunto para a Dialética, é claro que é extremamente importante chamar a atenção para a beleza e parcimônia de uma excelente demonstração ou de um argumento bem construído, do contrário, a reverência acabará sendo completamente extinta. A crítica não deve ser meramente destrutiva; embora professor e alunos, ambos devam estar prontos ao mesmo tempo para detectar falácias, tendenciosidades, raciocínios descuidados, ambigüidades, irrelevâncias e redundâncias; devem caçá-los como a ratos. Quem sabe este não seja o momento mais apropriado para se propor uma resenha; junto com exercícios, como o de produção de um ensaio, e um resumo do mesmo.
Sem dúvida haverá quem levantasse a objeção de que encorajar pessoas jovens na idade ‘Arrogante’ a encarar, corrigir e discutir com os mais velhos fará com se que tornem perfeitamente insuportáveis. Minha resposta a isso é que crianças nessa fase, já são impossíveis de qualquer forma; e que a sua capacidade natural de argumentação pode ser canalizada para um bom propósito, ou então pode ser desperdiçada e esvaída como areia entre os dedos. Na verdade, essas coisas se tornam bem mais suportáveis em casa, se forem disciplinadas na escola; em todo caso, os mais velhos que abandonaram o salutar princípio de que crianças devem ser vistas, mas não ouvidas, não podem reclamar de nada.
Digo e repito, nesse estágio não importa o conteúdo programado. Qualquer “assunto” oferecerá substrato suficiente para o debate; mas ele deve ser visto como nada mais, do que pasto a ser ruminado pela mente. Os alunos devem ser encorajados a ir e buscar a sua própria informação; e então, devem ser orientados para o uso apropriado dos livros de referência e das bibliotecas, e a aprender a reconhecer quais fontes são confiáveis e de excelência, e quais não.
O ESTÁGIO DA RETÓRICA
Ao chegar perto do encerramento do Estágio da Lógica, os alunos provavelmente começarão a descobrir por si mesmos, que o seu conhecimento e a sua experiência são insuficientes, e que a sua já versada inteligência necessita de muito mais substrato para ruminar. A imaginação – usualmente adormecida durante a idade ‘Arrogante’ – despertará e os incitará a suspeitar das limitações da lógica e da razão. Isto significa que estão adentrando a idade ‘Poética’ e que estão prontos para embarcar no estudo da Retórica. As portas do armazém do conhecimento devem agora ser-lhes abertas de par em par para entrarem e fartarem-se o quanto quiserem. Uma vez aprendidas pela repetição as coisas agora serão vistas em contextos novos; tudo aquilo uma vez analisado friamente, poderá agora ser reunido numa síntese inteiramente nova; aqui e ali uma percepção repentina trará à tona a mais arrebatadora de todas as descobertas: a consciência de que o que parecia verdade é verdade mesmo!
É difícil de mapear qualquer programa geral para o estudo da Retórica: é necessário certo grau de liberdade. Na literatura é necessário reconquistar o predomínio da apreciação sobre uma crítica destrutiva; e na escrita, pode-se dar curso livre à expressão, agora com ajuda de ferramentas afiadas para ser “podada” de forma limpa e em justa proporção. Qualquer criança que apresente certa propensão para se especializar deve ter seu desejo realizado: pois quando o uso das ferramentas tiver sido aprendido da maneira justa e certa, elas estarão disponíveis para o estudo e aprendizado do que quer que seja. Acredito ser bom, que cada aluno aprenda a lidar muito bem com ao menos uma, ou duas disciplinas, desde que tenha algumas aulas extras em matérias subsidiárias, de forma a manter a sua mente aberta ao inter-relacionamento[41] de todos campos do conhecimento. De fato, neste estágio, o difícil é manter as “disciplinas” separadas uma da outra; pois a Dialética terá mostrado serem todas “ramos” do aprendizado em interação, então a Retórica tenderá a mostrar que o conhecimento é um só. Essa revelação e o porquê dela é a tarefa mais importante dessa ciência mestra.
Entretanto, independente de a teologia ser ou não estudada, nós deveríamos insistir que as crianças que aparentam estar inclinadas a se especializarem no campo científico e matemático sejam obrigadas[42] a ter algumas lições de disciplinas do campo das ciências humanas, e vice-versa. Também, neste estágio, a gramática latina, havendo completado seu trabalho, pode ser posta em segundo plano por aqueles que preferirem continuar seus estudos em idiomas do mundo moderno; enquanto que àqueles que provavelmente não venham a ter uma grande serventia ou aptidão para matemática, também lhes seja permitido, por assim dizer, “descansar as chuteiras”.
De modo geral, qualquer conteúdo que se mostre como “gordura”, pode agora ser posto em segundo plano, para que a mente passe a ser gradualmente preparada para a especialização naquelas outras “disciplinas”. Assim, quando o Trivium estiver completado, ela estará perfeitamente bem equipada para cuidar de si mesma. A síntese final do Trivium – a apresentação e a defesa pública de uma monografia – deveria ser de alguma forma resgatada; quem sabe na forma de uma espécie de “exame final” durante o último semestre escolar.
O escopo da Retórica também vai depender da idade em que o aluno será “apresentado ao mundo”, se aos 16 anos, ou se ele prosseguirá para a universidade. Considerando que, na realidade, a Retórica deva ser abordada mais ou menos aos 14 anos de idade, os alunos da primeira categoria estudariam a Gramática dos 9 até os 11 anos; e Dialética dos 12 aos 14 anos; assim os seus dois últimos anos na escola seriam devotados à Retórica. Nesse caso, ela seria bastante especializada e vocacional, preparando o aluno para o ingresso imediato em alguma carreira prática. O aluno da segunda categoria terminaria seu curso em Dialética na escola preparatória, e teria aulas de Retórica nos primeiros dois anos da escola pública. Aos 16 anos, ele estaria pronto para começar com aquelas “matérias” que são propostas para preparar o estudo na universidade: e esta parte da sua educação corresponderia ao Quadrivium medieval. Isso equivale a dizer que o aluno regular, normal, cuja educação formal termina aos 16, terá passado somente pelo Trivium; enquanto que os acadêmicos terão ambos, o Trivium e o Quadrivium.[43]
EM DEFESA DO TRIVIUM
Seria o Trivium, então, uma educação suficiente para a vida? Ensinado de maneira apropriada, eu creio que não só pode como deve ser. Ao final do estágio da Dialética, as crianças provavelmente parecerão estar muito atrasadas em relação aos colegas que foram educados conforme os bons e velhos métodos “modernos”, pelo menos, no que diz respeito ao conhecimento detalhado de disciplinas específicas. Mas depois dos 14 anos eles deverão ser capazes de superar os outros com facilidade. Não estou defendendo que um aluno, que tenha atingido proficiência completa no Trivium seja capaz de prosseguir imediatamente para a universidade, aos16 anos de idade, provando assim estar à altura de seus colegas medievais, cuja precocidade tanto elogiamos no início desta discussão. Isto, com certeza, jogaria às traças todo sistema de escola pública britânico, e desconcertaria em muito as universidades. Isto mudaria muitas coisas como, por exemplo, as competições a remo entre Oxford e Cambridge[44].
Mas não estou aqui para me preocupar com os sentimentos dos docentes: preocupo-me apenas com a preparação mais apropriada da mente, para encarar e lidar com o volume vertiginoso de problemas indigestos que o mundo moderno lhe apresenta. Pois as ferramentas de estudo da educação são as mesmas para todos e para qualquer disciplina; e a pessoa de qualquer idade, que souber manejá-las, se tornará mestre de uma disciplina nova, na metade do tempo e com um quarto do esforço despendido pela pessoa que não tem essas ferramentas sob seu controle. Quem já deu conta de seis matérias, sem lembrar como foi que as aprendeu, não terá como facilitar a abordagem de uma sétima. Quem aprendeu e se lembra da arte de aprender faz com que cada nova matéria, cada novo assunto seja um livro aberto.
Antes de concluir estas sugestões que tiveram que ser bastante esquemáticas, preciso explicar o motivo porque julgo necessário, nos dias de hoje, voltar a falar numa disciplina, que tínhamos descartado. A verdade é que passamos os últimos trezentos anos mais ou menos, vivendo do nosso capital educacional acumulado. O mundo pós renascentista, confuso e aturdido pela profusão de novas “conteúdos” que lhe foram sendo oferecidos, afastou-se da velha disciplina[45] (que, na verdade, tinha se tornado miseravelmente maçante e estereotipada em sua aplicação prática), imaginando que daqui para frente pudesse brincar com o seu novo e ampliado Quadrivium, feliz da vida, sem ter passado pelo Trivium. Mas a tradição escolástica, embora mutilada e distorcida, ainda perdura nas escolas públicas e universidades: Milton, por mais que tenha protestado contra ela, foi formado por ela – o debate sobre Anjos Caídos e a disputa de Abdiel com Satã carregam nelas as marcas das suas respectivas Escolas, e pode, de repente, figurar positivamente como textos indispensáveis aos nossos estudos Dialéticos. Até o século dezenove, o debate a respeito da coisa pública; os livros e as revistas eram liderados ou escritos por pessoas educadas em casas, e treinadas em lugares, onde aquela tradição ainda estava viva na memória e quase que no sangue. Tanto, que muitas pessoas de hoje, que se dizem ateus ou agnósticas, no que tange à religião, conduzem suas vidas de acordo com um código de ética Cristão, com raízes tão profundas que nunca lhes ocorreu questioná-lo.
Mas ninguém pode viver de capital acumulado para sempre. Por mais sólidas que sejam as raízes de uma tradição, se ela nunca for regada com água fresca, ela morre, e morre com firmeza. Hoje em dia um grande número – talvez a maioria – dos homens e mulheres, formadores de opinião, que escrevem nossos livros e nossos jornais, que conduzem nossas pesquisas, que atuam em nossas peças teatrais e nossos filmes, que nos falam das plataformas e dos púlpitos – sim, e que educam nossos jovens – têm uma lembrança, ainda que vaga, de ter experimentado a disciplina Escolástica. É cada vez mais raro ver as crianças trazendo consigo qualquer traço daquela tradição para a sua formação. Dispensamos as ferramentas de estudo da educação – o machado e a cunha, o martelo e a serra, o cinzel e a plaina – que eram tão adaptáveis a todo o tipo de tarefa. Em seu lugar, restou-nos nada mais do que um conjunto de gabaritos complicados, cada qual servindo somente para uma prova apenas e nada mais; nem o olho nem a mão recebem qualquer preparação para seu uso, de modo que ninguém jamais consiga mais enxergar o trabalho como um todo ou “enxergar a obra acabada”.
Que proveito há no empilhar prova sobre tarefa e prolongar os dias de labuta, se ao final, não se alcança o objetivo principal? Não é culpa dos professores – eles já trabalham duro demais. A estupidez acumulada por uma civilização que se esqueceu das suas próprias raízes, está se forçando a escoar o peso de uma estrutura educacional cambaleante, que está construída sobre a areia. Estão realizando por seus alunos o trabalho que eles próprios devem fazer por si mesmos. Porque o único e verdadeiro fim da educação é este: ensinar os homens como educar-se por si mesmos; e qualquer forma de instrução que falhe em fazê-lo, será esforço em vão.
Considerações finais:
Como o leitor deve ter notado, além da contribuição inegável dessa palestra para os estudos medievais, literários e lingüísticos, mais precisamente para os estudos da tradução, a autora antecipa temáticas muito importantes na educação até os dias de hoje:
A inclusão, não-exclusiva, não apenas de gênero, ao demonstrar o cuidado de incluir o gênero feminino, ao comunicar-se diretamente com seus ouvintes, mas também, quebrando os preconceitos elitistas dos eruditos da modernidade, que nem suspeitavam ou sequer se perguntavam sobre o que possa aprender aquele que não tem estudo.
Temos ainda uma importante discussão sobre interdisciplinaridade, que já foi moda entre os educadores brasileiros, mas que, ou por desacordo sobre seu conceito e forma de execução, ou por falta de habilidade de traduzir teoria em prática, foi e continua sendo, até hoje, raramente praticado.
Sayers tange ainda a questão da diversidade e do pluralismo, que assola os educadores, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, que vêem seus países transbordantes por legiões de estrangeiros, enquanto a população nativa decresce, o que traz conseqüências importantes para a educação desses países.
Referências:
HART, Randall D. Increasing Accademic Achievement with the Trivium of Classical Educacion, Linconl – NE: Iuniverse, 2006. Disponível em <http://books.google.com.br/>, acesso em 26 Mar, 2010.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros de Língua Portuguesa das Séries Iniciais (1ª a 4ª série). Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em 23 Mar., 2010.
SAYERS, Dorothy, “The Lost Tools of Learning”, Disponível em <http://64.226.138.70/artilces/Sayers1.htm#sayers>, acesso em 23/03/2010.
http://books.google.com.br/books?id=vMSBPyDDnTQC&pg=PA112&lpg=PA112&dq=%22procrustean+bed+of+Augustan+Age%22&source=bl&ots=o8LW4fNQ75&sig=rV4R2zpb2vw4Eu_4e8JRRovMkD0&hl=pt-BR&ei=FQetS57cG82ztgfNroD2CA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2&ved=0CAoQ6AEwAQ#v=onepage&q=&f=false
[1] N.T. A obra que ficou inacabada, foi completada por sua discípula, Bárbara Reynolds, que também é escritora.
[2] N.T. Somente no título encontramos nosso primeiro desafio: Traduzir “learning” por estudo ou aprendizagem? Após considerar prós e contras e pesquisar outras traduções livres existentes, chegamos à conclusão de que as ferramentas às quais a autora se refere, são mais de estudo, do que já, de aprendizado, que é uma decorrência. O estudo, ao contrário da aprendizagem, pode ser manejado e submetido a ferramentas. Se há algo passível de manejo, é o estudo, e não o aprendizado, que sempre envolve uma dimensão de mistério e da imprevisibilidade, mesmo independente do estudo, qualquer que seja o método. Assim, The Tools of Learning diz respeito mais à didática ou de uma metodologia, mas entendida em um sentido ainda não divorciado da filosofia, de modo que, de maneira equivalente, “estudo” e/ou “aprendizado” podem ser entendidos sinônimos na palavra “learning”. Esse é um dos aspectos que cativam o leitor, particularmente o tradutor (mais do que o ouvinte original) desde o começo. A aprendizagem é o resultado desse “uso” (estudo) teórico e especulativo, em outras palavras, filosófico. Esse é precisamente o diferencial tão oposto às “didáticas” da modernidade, que até hoje se revelam excessivamente burocratizadas e “inchadas”, do ponto de vista de conteúdos sobre a didática. Assim, elas muitas vezes se tornam incompreensíveis para pessoas não iniciadas em pedagogia, pelo que se tornam odiosas às mesmas.
Além destas duas significações, de estudo e aprendizado, o inglês “learning” é sinônimo ainda de knowledge (conhecimento), erudition (erudição), scholarship (estudo acadêmico), culture (cultura), e, para surpresa do leitor desavisado, também encontramos nos dicionários de línguas descoberta, experiência e até de wisdom (sabedoria). Isso aproxima learning do que o historiador Werner Jaeger, em sua obra omônima, do conceito Greco-judaico de Paidéia e mostra a preservação da complexidade e escopo do sentido dessa palavra complexa, que traduzimos, no título, por educação. Optamos por essa solução no título (ver nota acima), dado que a autora limita às “ferramentas” da educação, sem deixar de mencionar, que além dessas “disciplinas” existem ainda os conteúdos propriamente ditos. Então, reservamo-nos o direito de variar a tradução da palavra, entre estudo, aprendizagem e educação, de acordo com o contexto. Vale notar que no alemão, o verbo lernen pode significar o estudo ou o aprendizado, dependendo do contexto. Já o substantivo gelernt, significa culto, estudado, erudito.
[3]N.T. À primeira vista, consideramos a hipótese de usar, ao invés de alunos, que é mais comum no Brasil, pupilos, palavra já bastante esquecida e distorcida. Ao invés do discípulo, afilhado e protegido; ou seja o que é amparado e acudido por pessoa de maior autoridade e influência, o sentido pejorativo daquele órfão ou abandonado, que tem com outra pessoa, mais velha, por tutor parece predominar, razão pela qual não o usamos. Também optamos por não usar “estudantes”, por sua associação e limitação muitas vezes ao ensino superior.
[4] N.T. Sayers parece estar aqui, valendo-se precisamente da ambigüidade comentada na nota anterior, usando de ironia, para deixar claro: mesmo quem não aprendeu nada com a escola que aí está, ou mesmo quem nunca teve a oportunidade de estudar com as ferramentas certas, tem uma contribuição a dar à educação. Com isso, mesmo sem ser entendida, Sayers prova sua intuição do sentido mais abrangente em inclusivo da educação, com toda a sua complexidade.
[5] N.T. Sayers não se limita a esse cuidado da inclusão dos sexos somente aqui em todo o seu discurso, como o leitor haverá de observar. Isso é notável, se considerarmos que, pela falta de declinações masculinas e femininas no inglês ou mesmo de pronomes diferenciados quanto ao gênero, parece surpreendente a autora lembrar-se de ter esse cuidado inclusivo. E isso, muito antes da Paulo Freire ter inventado ou trazido esse cuidado e respeito para o discurso educacional brasileiro.
[6] N.T. Essa palavra é muito utilizada em vários sentidos no texto. Hoje em dia, chamaríamos esses “subjects” mais de “conteúdos” como rezam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Nos Parâmetros de Língua Portuguesa das Séries Iniciais (1ª a 4ª série), por exemplo, não encontramos a palavra “matéria”. Para isso, nota-se uma abundância de “assunto”, ao qual demos prioridade, e, um pouco mais modesta, de “conteúdo”. Daí que nos limitemos a essas duas palavras para “subject”. A palavra “tópico” é usada poucas vezes, mas muito ligada à “disciplina” de Língua Portuguesa, que também são usadas poucas vezes, mas sempre no sentido técnico da disciplina. Então, mais uma vez, procuraremos nos adaptar ao contexto.
[7] N.T. A palavra language do inglês é particularmente difícil de traduzir, uma vez que ela pode significar língua, que podemos entender como um idioma específico, e linguagem, pela qual nos referimos usualmente às línguas em geral, no seu sentido lingüístico-literário. A distinção já provocou várias discussões entre os lingüistas e letrados, à semelhança do que acontece, entre aprendizado e aprendizagem, mas como essas discussões não é nosso foco aqui, usamos do uso mais comum para a decisão sobre uma ou outra tradução.
[8] N.T. Mais uma vez, Sayers parece se antecipar a seu tempo (avant l’éttre), quando se refere a algo que os pedagogos costumam chamar de interdisicplinaridade, mesmo que entendendo coisas bem diversas sob essa palavra.
[9] N.T. Ou seja, sua forma de escrever segue a mesma lógica aleatória e à revelia da lógica da Seleção Natural. Ora, com isso ele coloca a seleção natural como pressuposto comum entre criacionistas e evolucionistas, o que é uma falácia flagrante. De quebra, ele ainda dá a entender que, eles, que não se importam com a verdade, escrevendo ao acaso, o que lhe vier à telha, estão igualmente submetidos às “leis” da seleção natural, pelo que tornam absurdo e sem sentido tudo o que escrevem, que difícilmente resistirá à lei do mais forte, pelo que tornam as suas próprias vidas efêmeras e desprovidas de sentido, o que, por sua vez, pesa contra a lei da seleção da seleção natural e, assim, do próprio pensamento evolucionista.
[10] N.T. Termo técnico da filosofia ligado à causalidade.
[11] N.T. Não é apenas de um “campo” a outro que há o mito de que conhecimentos e habilidades possam transferidas. Quando se fala que “educar é “transmitir” (ou pior “passar”) conhecimentos, revela-se a idéia de que o conhecimento possa ser transferido até de uma mente para a outra, numa espécie de telepatia, tão presente no ensino tradicional, mas também no comportamentalismo, foi amplamente refutada por educadores, como Sayers, que defendem a importância do aluno não ser passivo no processo, mas sim, que vá conquistando uma crescente autonomia, como comentaremos mais adiante. A diferença entre os tradicionais e os comportamentalistas, que, portanto também são ambos conteudistas, é que nos últimos acrescentam-se ainda fortemente as tecnologias e produtos da ciência do comportamento, pautados em Skinner, entre outros. A idéia de telepatia ou de captação de freqüências da mente do professor, pela mente do aluno, é por eles avançada até o limite da idéia de que um dia toda a educação será resolvida pela implantação de um chip no cérebro. Esse é o chamado tecnicismo que mais do que nunca toma conta da educação no mundo tecnologizado.
[12] N.T. Piaget chamava esse fenômeno de transferência de “raciocínio reversível”, considerado um dos indícios de alcance do estágio máximo de desenvolvimento cognitivo como um todo e que acontece em cada momento de real “superação” de um estágio para outro, ou seja, de real acomodação daquele saber, para além da mera assimilação.
[13] Interdisciplinaridade, o quê e o como.
[14] A modalidade de ensaio não é costumeira no Brasil, em que as escolas técnicas, faculdades e universidades costumam aceitar apenas monografias, dissertações e teses.
[15] Ou escolástica….
[16] Milton
[17] O Brains Trust era nome popular e informal para a radio britânica BBC e que mais tarde se tornou o programa de televisão, marca registrada do Reino Unido ao longo dos anos 1940 e 50. C.S. Lewis, que era amigo de Dorothy Sayers por vários anos, a quem cabia a honra de ser praticamente a única mulher participante mais estável do clube de professores a que pertenciam Lewis, seu irmão, J.R.R. Tolkien, entre outras celebridades da literatura cristã, teve uma atuação importante na rádio. Dela surgiram clássicos do cristianismo como Cristianismo Puro e Simples e os Quatro Amores.
[18] Sobre Williams
[19][19] N.T. O estudo dos anjos, angelologia é uma parte da teologia, campo do conhecimento só recentemente reconhecido pelo governo federal brasileiro como digno de reconhecimento oficial como “acadêmico”. Isso mostra o caráter temporão da política educacional brasileira, principalmente no ensino superior, uma vez que a teologia está na raiz de grande parte dos pensadores e instituições acadêmicas de renome por todo o mundo. Nas livrarias, na internet, na mídia em geral, e, portanto, na cabeça da maior parte das pessoas, esse assunto está atrelado ao esoterismo e auto-ajuda, e não, à ciência.
[20] NT
[21]NT Embora “hair-splitting” fosse uma expressão associada à pontualidade, julgamos que o contexto merecia um equivalente em termos de aspecto enfadonho, insosso e moralista.
[22] NT A expressão paradoxal “armado de forma defensiva”, que lembra a expressão “estar na defensiva”, tem valor negativo na sociedade moderna ocidental. Mas o adjetivo “defensivo” tem recentemente sido resgatada pela educação contra a violência no trânsito, principalmente nos grandes centros urbanos. As auto-escolas falam em “direção defensiva”; mas mesmo sem policiais de todos os tipos recomendam a não-reação a assaltos; os educadores nas escolas são orientados a tomar medidas defensivas e preventivas contra a violência escolar, que tem crescido assustadoramente, ao invés de medidas repressivas.
[23] N.T. A palavra é derivada de dis-+ stinguere, do latim, que significa, distinguir, discernir, Que tem o mesmo efeito que a expressão “Eureka!”, do grego, ou seja, “descobri!”, o que em filosofia e na ciência em geral, é sinal da descoberta, do “insight”. Na filosofia clássica, esse fenômeno é um dos frutos da virtude da sabedoria e discernimento das coisas. Em outras palavras, para se passar por uma experiência como essa, é necessário, usando uma analogia bíblica, saber “separar o joio do trigo”.
[24] Learning by heard – de cor.
[25] Teutônico:
[26] N.T. Classicista:
[27] N.T. A expressão usada no original é “procrustean bed of Augustan Age”, o que significa a cama de torturas da época do imperador romano Augustus, que de acordo com a lenda esticavam os baixinhos e encolhiam os mais altos. Para preservar esse significado, adaptamos a tradução ao contexto brasileiro.
[28] N.T. Essa noção equivocada de Idade Média como “Idade das Trevas” e o sentido pejorativo que costuma ser atrelado ao adjetivo “medieval”, vem da “Idade das Luzes”, ou iluminista. Essa leitura etnocêntrica e anacrônica de um período de aproximadamente mil anos da história do mundo ocidental, a que devemos a invenção de várias foi refutada por especialistas e estudiosos da cultura medieval como Henri Marrou e Etiénne Gilson. Infelizmente, a atitude preconceituosa e reducionista em relação a essa fase ainda é predominante no ensino de história praticado nas escolas brasileiras.
[29] N.T. A canção original é “eeny, meeny, miney, moe”, uma cantiga infantil bastante popular em países da língua Inglesa.
[30] N.T. No Brasil, em que não há uma tradição de “contação de histórias” forte como o pais dos irmãos Grimm, ou de Andersen, entre outros. Infelizmente, o legado de autores brasileiros que, sem dúvida, contribuíram enormemente para esse patrimônio cultural da humanidade, tais como Monteiro Lobato, Malba Tahan, entre outros, está ameaçado. Mas já existe uma tradição de pesquisadores brasileiros trabalhando em prol de seu resgate, nos campos das letras e da educação.
[31] N.T. Essa expressão é espantosa para o leitor brasileiro, principalmente para aquele que tem horror da história, precisamente por seu excesso de datas, eventos e personagens que normalmente se exige que se decore. Entretanto, a proposta formulada por Sayers permite repensar o conceito de decorar, como comentávamos alhures e também da própria história, que, dotada de uma linguagem, se torna uma língua. Enquanto gramática, ela deverá seguir regras, mas que variam de idioma para idioma, o que desmistifica e relativiza o determinismo histórico. O mesmo acontece com a geografia, a ciência e até a matemática e eventualmente, a teologia, como veremos mais adiante.
[32] O leitor que ainda não se convenceu da atualidade da proposta de Sayers, ficará surpreso com esse detalhe da proposta. O ensino deve vir acompanhado de imagens. Mas não quaisquer imagens, como em algumas propostas de Educação mediada por computador, que acabam exagerando o volume e qualidade que as imagens devem ter. As imagens devem vir do cotidiano, idéia já defendida anteriormente por Comênio, mas que tem seus representantes modernos como Hannah Arendt e Phillipe Àries.
[33] N.T. A autora deve estar se referindo ao sentido figurado da expressão “selo”, que está associado à imagem ou figuras, usadas anteriormente. Apesar da forte influência tecnicista que a autora revela pelas metáforas que usa (ferramentas, selos, ), que é expressão de sua época, é preciso considerar o mérito de ter sido avant La lettre de muitas tendências pedagógicas e principalmente, do uso da tecnologia na educação, que é uma realidade inegável dos dias de hoje.
[34] N.T. “Devil’s coach-horse”, usado no original, foi o nome que deram a uma espécie de “besouro de jardim”. Por sua aparência escura e alongada, muitos têm medo do bicho.
[35] N.T.
[36] N.T. Kubla Kahn significa “Uma Visão num Sonho”, poema escrito por Samuel Taylor Coleridge, um autor que é uma referência para quem estuda tudo o que está ligado ao imaginário, entre 1797 e 1798 e publicado no início do século seguinte.
[37] N.T. “Quicunque Vult” são as palavras iniciais do “Credo de Santo Atanásio”, que às vezes eram usadas para referir a este tratado teológico do Período Medieval, acerca da trindade.
[38] N.T. De acordo com amigo e colega de Sayers, C.S. Lewis, Razão e imaginação são dois “órgãos dos sentidos” humanos, que precisam estar em equilíbrio entre si, mas também com todo o resto do corpo. Enquanto a razão, é o sentido da verdade, e imaginação é o sentido do sentido, ou seja, da nossa habilidade de interpretação. Neste sentido, podemos considerar Lewis um importante precursor da psicanálise, que hoje, estuda os sonhos e imaginário a fundo. Mas essa idéia também se tornou um ponto-chave da filosofia, principalmente da fenomenologia, como a de Paul Ricoeur. Conferir obra: Faith and Imagination de Schakel. Disponível em <http://hope.edu/academic/english/schakel/tillwehavefaces/contents.htm>
[39] N.T. Todo Deus é infinito. Deus é Deus. Portanto, Deus é infinito.
[40] N.T. A forma hipotética seria: Se todo A é B… ou Na hipótese de todo A ser B… Essa distinção é uma das mais raras nos cursos de pós-graduação, até mesmo nas disciplinas ditas “Metodologia científica”.
[41] N.T. A interdisciplinaridade, conceito tido como muito recente e pós-moderno, mas em alguns meios tema já deixado de lado, ou porque saiu de moda, por jamais ter sido compreendido, muito menos, praticado, ou porque foi carimbado de superado, não é tão recente, como se pode ver.
[42] N.T. Esta sentença certamente chocará alguns educadores e pais, mas o fato é que se nenhum de nós fosse obrigado a nada na escola e na família no período de formação, provavelmente a humanidade já teria se auto-destruído, sem ter desfrutado das coisas que mal conhecia.
[43] N.T. Tanto o Sistema de Ensino americano, quanto o inglês atuais são formados por: 2-4 anos – pré-escola; 5-10 anos – Escola de Gramática (Grammar School); 11-13 anos – Ensino Médio (Middle School) e 14-18 anos – equivalente aos nossos cursos preparatórios para o vestibular; e o restante para o nível técnico, tecnológico ou Superior.
[45] N.T. Reservamos para discutir a dificuldade em traduzir a palavra “subject”, que hoje, seria provavelmente traduzida por “conteúdo, que foi nossa primeira tentativa, ou “matéria”, pela qual se preservaria a proximidade com a forma “material” e aparentemente “prática” com a qual a autora usa a palavra, usada mais de x vezes no texto, para não estragar o gosto da surpresa que nos ficou reservada até o final do trabalho. Agora, bem ao final, ao invés de subject, ela usa discipline. Essa palavra, uma das mais odiosas no contexto escolar atual, e evidentemente, ainda mais na época da autora, resume toda a proposta, que não é inusitada. O que ela propõe não é que as “matérias” que temos aí, sejam substituídas, mas apenas que as ferramentas para lidar com elas sejam oferecidas antes, e quem sabe, também ao longo do estudo, para evitarmos as longas horas de “metodologia de trabalho científico” e outras metodologias sejam consideradas o pivô e o grande salvador da pátria de universidades e corpos docentes cada vez mais horrorizados com o estado de analfabetismo crescente, principalmente em termos dessas ferramentas de estudo, com que os estudantes têm chegado nas universidades.
Luiz Augusto Freire da Silva
Gabriele, muito obrigado pela tradução. Você presta um serviço de grande valor aos leitores de língua portuguesa.
Se me permite a ousadia apenas observo que frases como “Este é um lamento ao qual já nos acostumamos com” não estão em português e deveriam ser escritas talvez como “Este é um lamento com o qual já nos acostumamos”.
Se me permite ainda mais, a citação do biólogo refere-se a criadores de gado que cruzam raças não acha? Penso que faz mais sentido. Semelhantemente na frase “capazes de encarar os horrores da vida em associação com a morte” acho que o correto seria “encarar os horrores da vida e da morte quando em associação”.
Agradeço mais uma vez!
Luiz Augusto Freire da Silva
Só explicando: quando em associação = quando em grupo. Veja que a pesquisa é do comportamento do homem nas massas.
Gabriele Greggersen
Oi Luiz,
Obrigada pelas valiosas contribuições. Na verdade a tradução acabou sendo publicada em duas partes pela Revista Caminhando, da Faculdade Metodista de São Paulo. Confira em
https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/CA
E penso que a versão tenha sido melhorada.
Em todos os casos, obrigada pelo interesse.
Grande abraço
Gabriele