O Estudo de C. S. Lewis e a Convergência a Cristo
por Silas Stein
De fato, a questão que a Gabriele Greggersen[1] colocou a mim é a mais importante, porém confesso que ainda não havia me detido o suficiente para considerar a questão mais lentamente. O desafio seria escrever um texto mostrando a relevância de minha pesquisa para a cristandade e, portanto, para a teologia. De fato, não existe questão mais essencial a ser respondida por alguém que procura alinhar os passos ao caminho apontado pelo nosso Aslam.
Obviamente essa questão é impossível de ser respondida de todo, porque mesmo nós que caminhamos temos uma visão limitada do que vemos a frente e não sabemos ao certo o propósito de determinados caminhos. Porém isso não impede que, ao olharmos o que nos trouxe até aqui, façamos algumas suposições do lugar aonde esse caminho parece nos levar e de que forma isso contribui para a plena implantação de um Reino aqui na terra dos filhos de Adão e das filhas de Eva. Diante disso tentarei colocar alguns pontos que a mim parecem impotântes e em direção aos quais pensarei a minha modesta pesquisa de iniciação científica.
Começando com aquilo que é mais imediato: a divulgação das obras literárias de C. S. Lewis contribuem para a expansão de um cristianismo muito mais verdadeiro do que muito do que vem sendo divulgado até agora. É óbvio que sobre a aproximação das obras de Lewis com o evangelho muito foi escrito, porém não posso deixar de citar um exemplo que, para mim, é o mais importânte.
As tramas das Crônicas de Nárnia são montadas sobre personagens extremamente inconstantes e falhos, mas que estão a todo momento fazendo escolhas morais que podem levá-los a elevar ou rebaixar seu caráter. Porém Aslam apresenta-se como um ser perfeito e justo que deixa os personagens em total liberdade em suas escolhas e ainda, no caso de uma decisão errada, sempre oferece a possibilidade de retorno. O amor demonstrado por Aslam nesse sentido transcende toda a moral tradicional muitas vezes expressa pelos próprios cristãos e vastamente divulgada em nossa cultura da justiça que se expressa em retribuição às ações, boas ou más, de cada um. O Leão é tão apaixonante porque, apesar de todos os erros humanos, Ele continua amando, ainda que, para isso, às vezes tivesse de passar por más situações.
Agora, meu trabalho especificamente chama-se: Os Protestantes e a Literatura: A Leitura de C. S. Lewis no Brasil Contemporâneo[3]. A base principal é estudar a cultura literária protestante no Brasil por meio de um recorte específico na edição e leitura das obras literárias de C. S. Lewis. Como é a cultura da leitura entre os cristãos no Brasil? Como se faz a edição, a divulgação e a venda? Como os leitores percebem a obra de C. S. Lewis? Como interpretam os personagens e a trama da História? Qual a ligação entre a leitura dessas obras e a vida religiosa das pessoas? Como essa leitura influência a cultura e a maneira de agir dessas pessoas? Essas são algumas das questões que guiarão a minha análise. A idéia central desse projeto é mostrar como os leitores receberam e recebem sua obra e mostrar que ligação essa recepção têm com o indivíduo ou com a comunidade a qual pertence.
Evidentemente que aqui adentramos em questões mais amplas. Num primeiro momento iremos nos aprofundar nas obras propriamente na tentativa de esquematizar seu quadro de tramas e ações. Também buscaremos retornar ao sentido ao qual esses livros foram escritos: com que intenção C. S. Lewis desejava escrevê-las, que efeitos desejava produzir nos leitores, etc. Mais adiante há outras questões da recepção (interpretação) dessas obras: seria de aspecto puramente individual ou coletivo? Se é coletivo quais os limites dessa coletividade? Há uma coletividade religiosa, e portanto cultural, que define uma comunidade interpretativa? Ou haveria na obra aspectos que dizem respeito a principios essenciais, anteriores a própria cultura? E enfim, de que maneira a leitura dessas obras produz mudanças nos indivíduos, ou na cultura de determinado grupo? São questões extremamente complexas, mas respostas concretas a elas podem trazer algumas luzes sobre as possibilidades do uso, na divulgação de Verdades do Reino, daquilo que podemos chamar genericamente de metáforas.
Não só em relação as obras do Lewis, mas da possibilidade de princípios fundamentais poderem se inserir nas culturas não apenas na sua aparência mais clara ou racional, tal como os compreendemos no cristianismo, mas fundamentados no próprio incosciente da população, numa espécie de mentalidade coletiva que as conduz de volta às questões fundamentais da existência humana nesse mundo e assim aos próprios fundamentos básicos do que denominanos cristianismo. Se isso é possível temos que a grande Verdade que encontra sua expressão definitiva no Senhor Jesus Cristo e no seu Reino pode ser proclamada ao mundo e encontrar resposta nas pessoas sem termos de atrelar a ela o fardo da religião, que na maioria dos casos mais afasta do que aproxima as pessoas. E, nesse caso, espero ser bem compreendido. Não nego que haja dentro de muitas igrejas e instituições cristãs das mais diversas vertentes uma efetiva vida no Reino de Deus, ou seja, das verdades plenamente reveladas em Cristo. Mas o peso de nossas criações religiosas em torno do princípio básico de Cristo e do evangelho mais nos afastam do que aproximam. E isso é uma grande contradição porque a vivência do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, leva a convergência de todas as coisas e não ao afastamento. Agora, se pudermos retornar e repensar o cristianismo para além da base importânte, mas extremamente limitadora e cega da tradição religiosa, podemos ver que verdades profundas estão fixadas desde tempos imemoriais nas mais diversas culturas no inconsciente da população por meios alternativos que não a revelação plena em Jesus Cristo tal como a entendemos pela graça de Deus.
Isso me faz retornar a um livro que muito me intrigou durante a minha infância, chama-se: O Fator Melquisedeque[4] – o Testemunho de Deus nas Culturas Através do Mundo, de Don Richardson. Esse livro de ênfase missionária procura mostrar pelos mais diversos exemplos nas mais diversas culturas pelo mundo que Deus sempre encontrou uma forma de Revelar certas verdades fundamentais de seu carater e plano para as pessoas utilizando-se dos meios disponíveis na cultura. Os exemplos por ele citados são muitos como a necessidade de derramamento de sangue para a remissão, mitologias a respeito de um filho redentor, rituais que simbolizavam um novo nascimento, etc. Em todos os pontos abordados pelo autor permanece a idéia da provisão de Deus, por revelação, de possibilitar uma forma que se não levava a uma compreensão completa e consciênte de Jesus Cristo e seu Reino, ao menos abria caminho para o momento em que a menssagem do evangelho era plenamente anunciada por meio de um missionário. Os corações e as mentes estavam preparados para receber a semente, obviamente que não da religião cristã, mas de Cristo Jesus.
Anos mais tarde li o livro de um tio-bisavô meu, um dos patrônos da igreja adventista no Brasil em fins do século XIX, Guilherme Stein Júnior. O livro que me intrigou foi: A Torre de Babel e seus Mistérios[5] – A Origem Comum das Línguas e Religiões, editado postumamente pela Sociedade Criacionista Brasileira. Sua intenção fundamental foi fazer uma análise comparativa de diversas mitologias e línguas espalhadas pelo globo para mostrar seus aspectos comuns. Obviamente que toda interpretação das semelhanças mitológicas foram realizadas tendo por base a própria bíblia. A partir dai pode-se notar que apesar de todas as diferenças certos traços e princípios fundamentais se mantém e se repetem nos mais diversos locais mostrando que, de alguma forma, todos possuem uma relação entre si. Guilherme Stein interpretou essas semelhanças não como uma revelação, mas como a possibilidade de manutenção dessas verdades através da história. Nada parece mais óbvio do que crer que – se de fato cremos em Adão e Eva, nos eventos que os sucederam, no dilúvio e no espalhar da humanidade pela terra ao longo desses últimos cinco mil anos – todas as religiões não brotaram do nada, mas surgiram a partir da percepção que as pessoas já tinham acerca do mundo sobrenatural, sendo influenciados tanto pelo bem como pelo mal. É certo que, assim como todas as coisas desse mundo, grande parte desses principios foram deturpados, transformando-se no que hoje chamamos de paganismo ou ainda transformado-se em grandes religiões, mas isso não impede que ali tenham-se conservado Verdades que dão acesso a revelação plena e que sempre possibilitaram escolhas que definem o destino eterno dos indivíduos.
Foi exatamente nesse ponto que C. S. Lewis despertou grande interesse em mim. Só fui ler as Crônicas de Nárnia e a fascinante trilogia espacial recentemente, mas me espantou o fato de que ele estava fazendo a partir de uma literatura com forte apelo a mitologia, o que, ao que me parece sempre foi em parte a função da mitologia: revelar numa espécie de metáfora verdades das mais profundas. Os princípios divinos facilmente se perdem e distorcem entre os humanos se não houver a palavra escrita, mas a mitologia possibilita um outro suporte que segundo suponho, ainda que distorça totalmente a realidade do que aconteceu, mantém aquilo que chamo de princípio fundamental desde tempos imemoriais. Em nossa sociedade a religião cristã conseguiu criar para si tamanha repulsa por distorcer tanto os princípios fundamentais que devemos procurar outros meios de divulgar a Verdade sem que as pessoas associem essa ao falso (embora real) conceito de cristianismo existente hoje. Eis o que C. S. Lewis faz, sustentar e defender numa história mitológica, princípios que dificilmente penetrariam ou iriam durar se fossem transmitidas diretamente, simplesmente faladas.
Meu desejo, quase sonho, é estudar as culturas e suas mitologias e religiões a partir da plena revelação para buscar pontes de acesso. Por um lado não é de forma alguma uma tentativa de ecumenismo religioso porque o Senhor Jesus Cristo, o próprio filho de Deus é o centro de toda a análise e antecede e se sobrepõe a todas as religiões. Por outro lado não desejo de modo algum defender a religião cristã, suas tradições, hierarquias e instituições porque eles acabam por limitar e prender Cristo dentro de modelos, fórmulas e espaços quando na realidade Ele é muito mais do que isso.
Claro que aqui há muito risco, e eu o temo, pois como tudo nesse mundo a mitologia também foi desfigurada e péssimos elementos entraram nela. Como separar o que é bom do ruim é a questão mais complexa de todas, a base da bíblia é indispensavel, mas ainda assim em determinados momentos parece que tudo está de tal forma misturado, ou se misturou durante os séculos que a missão parece impossível. Nesse ponto me parece que C. S. Lewis será de grande utilidade para ajudar-me a pensar alguma dessas questões de maneira sábia. Uma profunda compreensão desses mistérios seria de inestimável valor para a cristandade pois mostrariam como, afinal, nosso Aslam é Soberano sobre toda a criação, possibilita o retorno de todos e todas as coisas boas desse mundo, ao final, irão convergir a Ele. Glória ao Cordeiro!
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[1] Pesquisadora brasileira, pedagoga, especialista na obra de C. S. Lewis. O site dela é: www.cslewis.com.br
[3] O projeto de pesquisa completo pode ser visualisado em: http://escrevendohistoria.blogspot.com/2009/07/entrando-no-armario-fantastico.html
[4] RICHARDSON, Don. O fator Melquisedeque – O Testemunho de Deus nas Culturas Através do Mundo, Vida Nova, São Paulo, 1995.
[5] STEIN JÚNIOR, Guilherme. A Torre de Babel e seus Mistérios – a Origem Comum das Línguas e das Religiões. Brasília: SCB,
O texto a seguir, gentilmente consedido pelo autor, encontra-se no blog “Escrevendo História”, disponível em
http://escrevendohistoria.blogspot.com/feeds/posts/default, acesso em 21/12/2010
Guilardo Tavares
Prezado Silas,
Gostei muito do seu artigo “O estudo de C S Lewis e a convergência a Cristo”. Fiquei interessadíssimo na citação do livro, “A Torre de Babel e seus mistérios – a origem comum das linguas e das religiões”. Já ministrei o Curso de História da lingua portuguesa numa visão bíblica, no qual faço um levantamento das linguas antigas(passando pela Torre de Babel que tenho como um evento histórico) e como surgiu a língua portuguêsa. Me indique como posso adquirir este livro.
Um abraço.
Guilardo Tavares(João Pessoa – Paraiba).
gabriele
Oi Guilardo,
Olha, acho que deves mandar essa sua dúvida ao Silas diretamente, pois ele não responde em meu site. Sobre esse livro eu tb não o tenho, mas recomendo efusivamente dois outros livros sobre o tema, um secular, do filósofo contemporâneo Jaques Derrida, que se chama “Torres de Babel”. Outro é de George Steiner, Depois de Babel (After Babel), se não me engano, ambos traduzidos para o português.
Grande abraço e boas pesquisas!
Gabriele
Guilardo Tavares
Prezada Gabriele,
Estudo Inglês e gostaria de saber se é possível entrar para o mundo dos tradutores de livros.
Um abraço.
Guilardo.