1. Vivendo cada dia mais numa era digital, você acredita na sobrevivência do livro como o conhecemos?

Penso que, da mesma forma como aconteceu com o telefone, com a carta de correio, com o rádio ou com a televisão ordinária, na era da comunicação por internet, acredito que a quantidade de livros físicos circulando no mundo pode até ter diminuído, mas não acredito que vá acabar.

Primeiro porque temos uma relação diferente com o livro de papel, do que com o hipertexto ou o e-book. Além de forçar a vista e nos fazer perder a noção do todo do texto digital, a leitura digital perde para a de papel pela “vantagem” de ser um objeto real. O livro você pode pegar nas mãos, folhá-lo, até cheirá-lo ou mordê-lo, se quiser. Também pode frisar as partes mais importantes, o que também pode ser feito no texto virtual, mas o ato de pegar o lápis (de preferência) ou marcador e marcar o texto exige um esforço a mais da nossa memória, pelo que a memorização se torna mais fácil.

Outra vantagem é que embora algumas pessoas parecem jamais se separar de seus computadores, celulares ou algum aparelho móvel digital; carregar o livro em baixo do braço ainda é um costume saudável. Você não precisa ligar o aparelho e se “plugar”, correndo sempre o risco de desviar a atenção com a infinidade de pop-ups, e-mails, e qualquer tipo de propagando. Para se ler um livro, não se precisa de mais nada, além de um lugar sossegado para lê-lo.

Finalmente, temos o aspecto emocional. O bom livro de cabeceira ou de biblioteca particular tende a mexer com nossas emoções, fazendo-nos saber intuitivamente onde ele se encontra na sua casa. A força da relação emocional criada pelo livro nas pessoas se prova quando se empresta aquele exemplar amado a alguém que nunca mais o devolve.

Minha única preocupação é com a geração digital, que já nasceu praticamente “plugado” na net, que não é estimulado por nenhum pai, parente, amigo ou professor a mergulhar na aventura da leitura no bom e velho livro.

2. Como o acesso a internet pode contribuir com a formação pessoal?

De diversas formas. Primeiro, ela permite você se comunicar com pessoas ao redor de todo o mundo. Agora que já trabalho com educação a distância há muitos anos, dei-me conta da importância da interação no aprendizado. Depois, você pode acessar todo tipo de biblioteca, enciclopédia e muitos livros, artigos, teses, etc. para realizar pesquisas e trabalhos escolares e pessoais. Também noto somente agora que a capacidade de estudo autônomo e de fazer as perguntas certas para obter a informação que precisava é o segredo do sucesso nos estudos e no crescimento pessoal. Claro que tudo depende de suas escolhas: você pode escolher o tipo de coisa que quer ler, assistir ou com que tipo de pessoas quer interagir. Então, a internet pode contribuir para a formação pessoal, mas também pode atrapalhar e fazer as pessoas se corromperem, prostituírem e causarem destruição, como qualquer outra ferramenta de aprendizado.

Agora, observando o tipo de pesquisa desenvolvida nas universidades de hoje, temo que em um futuro próximo só o que estaremos fazendo na academia é perseguir nossa própria cauda, já que normalmente só acessamos o conhecimento novo e recente, esquecendo-nos dos clássicos,   que, se não forem salvos por algum bibliotecário ou arqueólogo, ficam empoeirando nas biblioteca.

3. Qual a sua opinião sobre os novos suportes de livros, como o e-book e o audiobook?

Vejo com bons olhos, uma vez que permite a muitas pessoas, que não teriam contato com o livro impresso, terem essa chance. O único porém que vejo é que nem todos têm facilidade de ler na tela. A outra é a desigualdade social, que faz com que uma grande parte da população mundial nunca venha o ter contato com computadores ou a net. Minha impressão é que o ciberespaço não cumpriu sua promessa de contribuir para a diminuição das desigualdades, mas antes, para aprofundá-las.

Outra questão complexa é a dos direitos autorais, sobre a qual eu mesma não tenho muita clareza ou opinião formada.

4. Descreva a biblioteca escolar ideal.

Essa é uma pergunta difícil. Quando eu falo em ideal, penso em termos de plenitude, que sabemos não existir na vida presente. Mas acredito que a biblioteca escolar não deve ser muito diferente do que qualquer outra biblioteca, com a diferença de que a parte da literatura infanto-juvenil deve ser especialmente rica, ultrapassando em muito o número de títulos considerados “didáticos”.

Deve ainda ter uma especial atenção para os “clássicos” da literatura que não têm idade certa para se apreciar, tais como as obras de Shakespeare, de Goethe, de Rousseau, de Monteiro Lobato, de Adélia Prado, etc. Gosto do sistema americano que criou a Biblioteca dos Great Books e o hábito de enviar às escolas listas de livros recomendados. O Mec até tem os guias do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e até uma lista de livros não recomendados. Mas que eu saiba, nada em relação aos clássicos.
5. Por que se diz que os jovens não gostam de ler? Isso é verdade?

Fiz recentemente uma pesquisa junto com uma aluna numa igreja quanto ao hábito da leitura e o resultado foi surpreendente, pois eles liam mais do que esperávamos. Mas não sei, se podemos generalizar. O fato é que o jovem de hoje é obrigado a ler tantas coisas técnicas e didáticas para se dar bem nos estudos e na profissão, que cria um asco pela leitura que para ele significa trabalho ou estudo, que deixa de descobrir o prazer de ler coisas só pelo prazer e nada mais. O excesso de informações com as quais somos bombardeados diariamente pela mídia também contribui para o desinteresse, ou por falta de tempo, ou por falta de incentivo. Um lar sem livros não pode esperar um filho ou filha que tenha desenvolvido o hábito da leitura. Da mesma forma que um professor que não lê (e olha que isso é mais freqüente do que pensamos, principalmente naqueles professores que se desdobram em várias escolas diferentes) não pode esperar que seus alunos leiam.

Agora, o que se aplica às bibliotecas físicas, muitas vezes largadas às traças, já está acometendo as virtuais, como vemos no caso da biblioteca recentemente criada pelo governo disponibilizado no site Domínio Público, que ameaça sair do ar, por falta de acessos.

6. É melhor ler literatura de má qualidade do que não ler nada?

Penso que a resposta a essa pergunta é semelhante à pergunta sobre os hábitos alimentares. Claro que jamais vamos recomendar uma literatura indigesta ou estragada. Seria um crime. Rubem Alves foi um dos educadores que se preocupam com a arte da leitura e que a compara constantemente com a arte da culinária. Tirando os aspectos extremos que acabei de considerar, tudo é uma questão de gosto. E, como no caso das verduras, que são muito importantes na alimentação, mas não costuma ser populares entre crianças e jovens, às vezes é preciso ensinar a pessoa como apreciar certas leituras, que do contrário, ela jamais tomaria nas mãos. Mas uma literatura de má qualidade, com tanta de boa qualidade, jamais é recomendada, exceto para fazer a pessoa apreciar ainda mais a de boa qualidade.

7. Qual o lugar das revistas e jornais deve ocupar do nosso plano de leituras?

Devo confessar que não sou muito fã de jornais e revistas, que sabe até por influência do meu mentor espiritual, C.S. Lewis, que pensava que, se a notícia é importante, acabará por ficar sabendo alguma hora. Então preferia investir o seu tempo nos livros.

Por outro lado, a leitura de jornais e revistas tem um papel cada vez mais importante nas diversas profissões e o preparo para elas. Então, como Lewis costumava dizer que se deve ler livros antigos (testados pelo tempo) e novos na proporção de dois para um, eu me arriscaria a dizer que se deve reservar não mais, do que 30% do tempo de leitura a eles.

8. Como formar minha primeira biblioteca?

Não existe nenhuma fórmula mágica. Depende muito dos interesse das pessoas. Aliás, você pode aprender muito sobre uma pessoa quando tem acesso à sua biblioteca particular e se der o tempo de observá-la. Claro que existem alguns macetes, como observar os best-sellers, mas com a consciência de que eles nem sempre são os melhores livros. Deve observar também os clássicos da literatura. Mas, como já mencionei, isso tem muito a ver com seus interesses pessoais e profissionais. Quem sabe uma boa estratégia fosse fazer uma lista dos livros que você não gostaria de jeito nenhum de ter em sua biblioteca.

9. Você ainda visita muito bibliotecas?

Sim, e com muito prazer, mas confesso que as bibliotecas virtuais estão tomando uma parte do tempo que era reservado a elas, mesmo em decorrência do meu foco profissional atual na educação à distância. Mas com certeza a biblioteca virtual não tem o mesmo “glamour” e ambiente quase “sagrado” da biblioteca física, quando bem administrada.

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