por SHIN OLIVA SUZUKI
da Folha de S.Paulo

Parece a receita dos sonhos de Hollywood: juntar fantasia e cristianismo –os temas mais quentes na capital do cinema atualmente– embalados em uma história chancelada por milhões de leitores. Vem aí “A Paixão do Hobbit”? Não se chegará a tal absurdo, mas elementos do controverso filme de Mel Gibson e de “O Senhor dos Anéis” estarão na aposta da Disney para recuperar o encanto perdido.

A companhia anunciou no início deste mês a adaptação cinematográfica da série infantil de fantasia “As Crônicas de Nárnia”, de autoria do escritor e pensador cristão, nascido na Irlanda do Norte, C.S. Lewis (1898-1963), amigo próximo de J.R.R. Tolkien quando freqüentavam a Universidade de Oxford.

O primeiro filme, produzido em conjunto com a Walden Media, irá consumir US$ 100 milhões em filmagens na Nova Zelândia e será baseado no livro “The Lion, the Witch and the Wardrobe” (“O Leão, a Bruxa e o Guarda-Roupa”, lançado no Brasil, como todas as “Crônicas”, pela editora Martins Fontes). A direção ficará a cargo de Andrew Adamson, de “Shrek”, e, para o papel principal, Nicole Kidman vem sendo cogitada. A previsão é que o filme estréie no Natal do ano que vem.

A empreitada ganhou importância depois que a Disney recusou a produção da trilogia “O Senhor dos Anéis” (quase US$ 3 bilhões só de bilheteria, 17 Oscar no total) e rompeu a parceira com a Pixar, responsável por uma seqüência bem-sucedida de animações digitais (de “Toy Story” a “Procurando Nemo”). Acionistas da empresa não gostaram dos recentes passos e forçaram a retirada de parte do poder do presidente-executivo, Michael Eisner.

A fé para afastar de vez a maré baixa foi depositada em uma história desconhecida do público brasileiro, mas dona de larga base de admiradores entre os leitores de língua inglesa –85 milhões de livros foram vendidos desde os anos 50, quando a série foi escrita.

“As Crônicas de Nárnia” se passam em um mundo fantástico povoado por não tão inusuais (para um mundo fantástico) bruxas, anões e animais falantes. No entanto, o diferencial na obra de Lewis está na estrutura formada em torno da moral cristã.

“A série foi a primeira obra de fantasia teológica a ser escrita, o que levou até a revista ‘Time’ a fazer uma reportagem de capa com Lewis. Havia um gênero novo à vista”, explicou à Folha de S.Paulo Stanley Mattson, presidente da C.S. Lewis Foundation, entidade que promove seminários Estados Unidos afora para debater o trabalho do autor norte-irlandês –em cujas platéias se sentam mais acadêmicos do que a própria criançada.

O personagem principal da série é o leão Aslan –uma alegoria de Jesus Cristo construída por Lewis–, que surge sempre quando o mundo de Nárnia se encontra ameaçado. Em “O Leão, a Bruxa…”, o messias de juba salva um grupo de quatro crianças da vilã Feiticeira Branca, não, porém, sem ensinar a importância do caminho moral que será seguido e do arrependimento de seus erros.

Douglas Gresham, filho adotivo de Lewis e que trabalhará como consultor no filme da Disney, afirmou, por e-mail, que a mensagem por trás das “Crônicas” é a de que “Deus sempre triunfa sobre o mal e, ocorra o que ocorrer, tudo depende do lado que vamos escolher estar no meio dessa guerra”.

Mas os livros de Lewis vêm cativando leitores de variados credos graças, ao que Stanley Mattson chama, da “acessibilidade de seu texto”. “Ele queria partilhar com o leitor o que via e compreendia. Lewis era um homem de grande formação intelectual, mas se comunicava de uma maneira que todos podiam entender.”

“Poderia dizer que a população inteira do mundo é uma audiência em potencial para ele”, diz Gresham. A Disney está mal das pernas, mas não é boba, não.

Última atualização em Seg, 14 de Dezembro de 2009 19:49

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