Helen Joy Davidman (1915-1960): um perfil
Lyle Dorsett
Traduzido por
Gabriele Greggersen
Depois que C.S. Lewis tornou pública a sua conversão e o seu compromisso com Jesus Cristo, a controvérsia o perseguiu até sua morte. Os agnósticos da moda o apelidaram de “Heavy Lewis” [“Lewis pesado”], os cristãos liberais o injuriaram por sua falta de sofisticação teológica e os fundamentalistas atacaram sua interpretação das escrituras e sua caridade ecumênica para com a maioria das tradições cristãs. Mas nem essas questões nem uma série de outras polêmicas provocaram nada parecido com o furor que cercou seu casamento com Helen Joy Davidman. Na opinião de muitos amigos de C.S. Lewis, já era suficientemente grave o fato de um solteirão de quase sessenta anos tivesse se casado com uma mulher de quarenta. Mas, para piorar a situação, ela era uma americana divorciada que, por acaso, também era judia e mãe de dois meninos.
A mulher brilhante e atraente com quem o Professor Lewis se casou em 1956 já possuía uma merecida reputação literária por si só, anos antes de conhecer o célebre professor de Oxford. Nascida na cidade de Nova York, em 1915, filha de pais judeus de educação primorosa, Joy Davidman frequentou escolas públicas e depois se formou no Hunter College e fez mestrado na Universidade de Columbia. Desde a infância, Joy demonstrou grande capacidade intelectual. Ela obteve nota excepcional em um teste de QI no ensino fundamental e, quando jovem, adorava livros e, normalmente, lia vários volumes por semana. Um prodígio flagrante, Joy manifestou habilidades críticas e analíticas incomuns, além de talento musical. Criada em um bairro de classe média do Bronx, Joy Davidman chegou a surpreender seu brilhante e exigente pai ao ser capaz de ler uma partitura de Chopin e depois tocá-la ao piano sem olhar para a partitura. Da mesma forma, ao assumir um papel em uma peça de Shakespeare, ela memorizava suas falas após a primeira leitura. Howard Davidman, irmão de Joy e quatro anos mais novo que ela, lembrava que os impressionantes poderes intelectuais e a personalidade agressiva dela despertavam sua admiração devotada, mas ao mesmo tempo o intimidavam. Diga-se de passagem, que Howard não era um intelectual displicente. Verdade seja dita, ele se destacou na Universidade da Virgínia, tornando-se médico e exercendo a psiquiatria em Manhattan depois de servir na Segunda Guerra Mundial. No entanto, ele confessou que se sentia tão intimidado pela escrita de Joy que nunca tentou publicar nada antes da morte de sua irmã.
Joy Davidman formou-se em uma exigente escola de ensino médio aos quatorze anos. Ela dedicou-se a leitura de livros em casa no ano seguinte e se matriculou na Hunter College aos quinze anos. Com dezenove anos de idade, Joy se formou em Inglês e Literatura Francesa com honras, tornando-se professora de ensino médio após a formatura. Enquanto lecionava em seu primeiro ano fora da faculdade, ela obteve um mestrado na Columbia num prazo de apenas três semestres.
Na faculdade, Joy Davidman manifestou uma paixão pela escrita. Publicou algumas poesias como estudante de graduação e, em janeiro de 1936, a Poetry, uma prestigiada revista de Chicago editada pela venerável Harriet Monroe, comprou vários de seus poemas. Monroe publicou mais alguns trabalhos de Joy e depois pediu que ela atuasse no conselho consultivo e como editora da revista. Em decorrência disso, Joy renunciou ao cargo de professora depois de um ano e se dedicou em tempo integral à escrita e à edição.
Sua opção por escrever acabou se revelando como sendo sábia. Aos vinte e três anos, sua poesia chamou a atenção de Stephen Vincent Benet. Ele publicou o seu trabalho, Letters to a Comrade [Cartas a um camarada], na série Younger Poet [Poetas mais jovens] que ele editava para a Yale University Press. Essa coletânea de quarenta e cinco poemas foi celebrada por Benet e recebeu excelentes críticas. Graças aos seus sucessos iniciais e à sua conexão com membros influentes do establishment literário oriental, ela se tornou cliente da Brandt and Brandt, uma das melhores agências literárias de Nova York, e a Macmillan a incluiu em seu grupo de escritores. Em 1940, Anya, seu primeiro romance, foi publicado pela Macmillan e bem recebido. Ela contribuiu e editou War Poem of the United Nations [Poemas de guerra das Nações Unidas], publicado pela Dial em 1943, e depois passou quatro verões na MacDowell Colony para escritores nas White Mountains de New Hampshire. Lá ela escreveu artigos, poesias e editou outra coletânea de versos.
Sempre radical e com uma personalidade um tanto obsessiva, Joy Davidman, como muitos intelectuais nas décadas de 1930 e 1940, declarou-se desiludida com o capitalismo e o “sistema americano”. Joy flertou com o comunismo durante esses anos tumultuados. E, embora nunca tenha chegado perto de se tornar uma marxista doutrinária, ela defendia o socialismo em detrimento do capitalismo, especialmente porque o último sistema, em sua opinião, havia fracassado e causado a Grande Depressão. Joy chegou a se filiar ao Partido Comunista, mas achava as reuniões e a maioria dos membros bastante entediantes. Embora nunca tenha defendido ou esperado a derrubada do capitalismo, ela de fato gostava de criticar tanto os democratas quanto os republicanos, que ela acreditava serem menos esclarecidos do que os socialistas supostamente heroicos que lideravam a URSS.
Em última análise, Joy Davidman era inteligente demais para acreditar nas noções romantizadas da URSS que circulavam entre a intelligentsia americana durante a década de 1930 e o início da década de 1940. Na verdade, a única coisa que Joy conseguiu com seu breve flerte com o comunismo foi um emprego de meio período como crítica de cinema, revisora de livros e editora de poesia do New Masses, um jornal comunista, além de conhecer outro escritor de esquerda que viria a ser seu marido e pai de seus dois filhos inteligentes e saudáveis.
Já em 1942, Joy Davidman, aos 27 anos, observou que o Partido Comunista nos Estados Unidos tinha apenas uma razão válida para existir: “é um grande casamenteiro”. Em agosto daquele ano, Joy se casou com William Lindsay Gresham, romancista, jornalista, veterano da Guerra Civil Espanhola, talentoso contador de histórias e, ocasionalmente, guitarrista e vocalista em bares do Greenwich Village. Bill havia se desiludido com os comunistas e seus discursos grandiosos durante seu tempo na Espanha. Sua visão obscura do movimento esquerdista fez com que Joy saísse rapidamente do partido especialmente quando ela deu à luz David no início de 1944 e Douglas menos de um ano e meio depois.
Como ela mesma admitiu, Joy Davidman Gresham estava buscando realização há anos. A faculdade e a pós-graduação, a escrita e a edição, o convívio social com alguns dos editores e autores mais famosos de Nova York, bem como o ativismo político, eram bons até certo ponto, mas ela se sentia vazia por dentro. Ela ingressou na vida familiar com seu marido nutrindo as mais altas expectativas. Enquanto Bill Gresham escrevia e vendia romances, incluindo um (Nightmare Alley [Beco do pesadelo]) que se tornou um filme estrelado por Tyrone Power, Joy ficava em casa, escrevia como freelancer e cuidava de seus filhos pequenos, da casa e do jardim.
O casamento dos Gresham foi problemático desde o início. Bill tinha um sério problema com a bebida. As bebedeiras e ressacas dificultavam a sua escrita, justamente quando a família em crescimento exigia mais tempo e dinheiro. Bill não só desperdiçou tempo e ganhava pouco dinheiro, como também embarcou em uma série de casos extraconjugais que, ao mesmo tempo, partiram o coração de Joy e a levaram a acessos de raiva e desespero. Para piorar a situação, ela tinha poucos amigos e absolutamente nenhuma religião à qual recorrer para se fortalecer.
C.S. Lewis comentou certa vez que “toda história de conversão é uma história de fracasso abençoado”. No final de 1945, começaram a aparecer grandes rachaduras em sua armadura protetora. Mais instruída e mais inteligente do que a maioria das pessoas, intensamente publicada e altamente respeitada para uma pessoa de apenas trinta anos de idade, Joy raramente, ou nunca, havia pensado seriamente em fraqueza ou fracasso. Mas as longas ausências de Bill de casa e a aparente falta de preocupação com ela e com os meninos deixaram-na arrasada. Uma noite, na primavera de 1946, Bill ligou de Manhattan e anunciou que estava tendo um colapso nervoso. Se era verdade ou se era apenas mais uma história para encobrir uma de suas escapadas, não vem ao caso. Em resumo, ele não estava voltando para casa e não podia prometer quando, ou se é que voltaria. Bill então desligou o telefone e Joy foi até o quarto de bebê onde seus filhos dormiam. Em suas palavras, ela estava sozinha com seus medos e com o silêncio. Tempos mais tarde, ela lembrou que “pela primeira vez, apesar do meu orgulho, fui forçada a admitir que, afinal de contas, eu não era ‘dona do meu destino’… Todas as minhas defesas – todos os muros de arrogância, convencimento e amor-próprio atrás dos quais eu me escondia de Deus – caíram momentaneamente – e Deus entrou em cena”. Ela continuou descrevendo sua percepção do encontro místico da seguinte forma:
É infinito, único; não há palavras, não há comparações… Aqueles que já conheceram Deus me entenderão… Havia uma pessoa comigo naquela sala, diretamente presente em minha consciência – uma pessoa tão real que toda a minha vida anterior não passava, em comparação, de um mero jogo de sombras. E eu mesma estava mais viva do que jamais estivera; era como acordar de um sonho. Uma vida tão intensa não podia ser suportada por muito tempo por carne e sangue; normalmente, levamos nossa vida diluída, diluída, por assim dizer, pelo tempo, pelo espaço e pela matéria. Minha percepção de Deus durou, quem sabe, meio minuto.
Joy concluiu que, já que Deus aparentemente existia, não há nada mais importante do que aprender quem Ele é e o que Ele exige de nós. Consequentemente, a ex-ateia embarcou em uma jornada para conhecer mais sobre Deus. No início, ela explorou o judaísmo reformado, mas não conseguiu encontrar paz interior. Sempre voraz leitora, ela devorou livros e versos sobre espiritualidade, incluindo o longo poema de Francis Thompson “The Hound of Heaven” [“O cão dos Céus”]. Foi primeiro a poesia de Thompson e, depois, três livros de C.S. Lewis – O Grande Divórcio, Milagres e Cartas de um Diabo a seu aprendiz – que a levaram a ler a Bíblia. E quando ela chegou aos Evangelhos, de acordo com seu testemunho, aquele que havia aparecido para ela apareceu novamente: “Era Jesus”.
Joy Davidman encontrou rico alimento espiritual na Bíblia e nos escritos de C.S. Lewis. Por causa de seu interesse em Lewis, as publicações de um professor universitário de artes liberais e poeta, Chad Walsh, que também havia se convertido na meia idade, chamaram sua atenção. Walsh escreveu um artigo biográfico sobre C.S. Lewis para o New York Times em 1948 e publicou a primeira biografia do Sr. Lewis alguns meses depois, intitulada C.S. Lewis: Apostle to the Skeptics [C.S. Lewis: Apóstolo dos Céticos]. Joy se correspondia com Chad Walsh sobre suas muitas perguntas relacionadas aos livros de Lewis e sua fé recém-descoberta. Walsh entendia e respeitava a peregrinação de Joy, por isso ele e sua esposa, Eva, frequentemente recebiam Joy e seus filhos em sua casa de veraneio no Lago Iroquois, em Vermont.
A conexão entre C.S. Lewis e Walsh forneceu o alimento certo para a alma sedenta de Joy. Por sugestão de Chad, ela leu tudo o que Lewis escreveu, bem como alguns livros de Charles Williams, George MacDonald, G. K. Chesterton e Dorothy Sayers. Em 1948, Joy buscou instrução em uma igreja presbiteriana perto de sua casa no norte do estado de Nova York. Logo em seguida, ela e os meninos foram batizados. Sob tutela do pastor de Nova York e de seu mentor, Chad Walsh, Joy cresceu na fé e começou a manifestar sinais de conversão e arrependimento genuínos.
A pedido de Chad Walsh, Joy escreveu para C.S. Lewis sobre alguns de seus pensamentos a respeito dos livros dele. Embora Walsh tenha assegurado a Joy que Lewis sempre respondia suas correspondências, ela levou dois anos para ter coragem de escrever. Quando ela o fez, em janeiro de 1950, o irmão de Lewis anotou em seu diário que Jack havia recebido uma carta fascinante de uma mulher americana muito interessante, a Sra. Gresham.
Nos dois anos e meio seguintes, Joy e C.S. Lewis mantiveram uma rica correspondência que os encorajou intelectual e espiritualmente. Durante esse quarto de década, os problemas de saúde e familiares de Joy abriram caminho para que o famoso autor inglês e sua talentosa amiga americana se encontrassem.
No final da década de 1940, a saúde de Joy se deteriorou. Ela sofria de exaustão nervosa enquanto tentava criar os filhos e escrever o suficiente para pagar todas as contas. Com certeza, Bill Gresham ficava sóbrio por breves períodos e comparecia e sumia de casa dependendo de seu humor.
Joy concluiu vários projetos de escrita, inclusive um romance, Weeping Bay [Baía das lamentações], que foi lançado pela Macmillan no início de 1950. Ela deu uma longa entrevista a um repórter do New York Post e ele publicou uma série de depoimentos de Joy em várias partes, chamada “Girl Communist”. Então, enquanto escrevia um livro com a interpretação judaico-cristã dos Dez Mandamentos, ela ficou gravemente doente com icterícia. Seu médico pediu repouso, de preferência longe das pressões de sua casa e família caóticas.
Em meio a esse tumulto, Joy recebeu um pedido de ajuda de sua prima de primeiro grau, Renée Pierce. Renée tinha dois filhos pequenos, um marido alcoólatra e uma necessidade desesperada de viver separada de seu cônjuge afastado até que o divórcio pudesse ser finalizado. Sem dinheiro e com poucas alternativas, ela se jogou para cima dos Greshams em busca de compaixão. Joy a acolheu e, depois de alguns meses, Renée concordou entusiasticamente em cuidar da casa para que Joy pudesse descansar.
Com a ajuda financeira de seus pais, Joy embarcou para a Inglaterra em agosto de 1950. Ela encontrou um quarto em Londres, descansou bem e deu os retoques finais em Smoke on the Mountain: An Interpretation of the Ten Commandments [Fumaça na Montanha: Uma Interpretação dos Dez Mandamentos]. Enquanto esteve em Londres por quatro meses, os irmãos Lewis convidaram Joy para ir a Oxford. De fato, houve várias visitas em que Joy Gresham e Jack Lewis tiveram a oportunidade de se conhecer melhor. Joy expôs seus problemas a Jack Lewis. Ele a ouviu, lamentou por ela e ficou triste ao se despedir quando ela voltou para Nova York em janeiro de 1951.
Durante os quatro meses em que Joy morou em Londres, Bill escrevia de tempos em tempos, mantendo-a informada sobre os meninos. Pouco antes do retorno dela, porém, ele anunciou que ele e Renée estavam apaixonados e tendo um caso. Ele queria saber se Joy consideraria a possibilidade de viver sob o mesmo teto, apesar da mudança de circunstâncias. Joy não tinha a menor intenção de fazer isso, mas voltou com alguma esperança de que a situação caótica pudesse ser redimida.
Meses de discussões não resultaram em reconciliação. Nove meses depois, Bill pediu o divórcio a Joy, alegando que ela o havia abandonado quando foi para a Inglaterra. Nesse meio tempo, C.S. Lewis e seu irmão, Warren, ambos extremamente afeiçoados a Joy, insistiram para que ela voltasse à Inglaterra e trouxesse os meninos. Ela estava de volta à Inglaterra com David e Douglas antes do Natal.
Joy morou em Londres por quase dois anos, tentando se sustentar como datilógrafa e escritora autônoma para complementar os cheques erráticos de Bill para a pensão alimentícia dos filhos. Os meninos foram colocados em escolas particulares graças à generosidade de C.S. Lewis. Por quase dois anos, Joy e Jack se visitaram regularmente. Quando a situação financeira de Joy piorou em agosto de 1955, Lewis conseguiu um lugar para ela em Oxford, não muito longe de sua própria casa. Ele pagava o aluguel e ele e Warren a enchiam de manuscritos para editar e datilografar.
Quando chegou o Natal de 1955, havia ficado claro para todos que os conheciam que a amizade havia se transformado em amor. Lewis visitava Joy quase diariamente e ela e os meninos passavam os feriados e ocasiões especiais com Warren e Jack em sua casa, The Kilns. Como Joy agora era uma mulher divorciada, não havia nenhuma impropriedade – pelo menos na opinião deles – que eles se vissem regularmente. Mas Joy disse a seus amigos mais próximos que, embora eles se vissem com frequência e andassem de mãos dadas, o casamento estava fora de questão. Como ela era divorciada, até mesmo a amizade deles parecia escandalosa para algumas pessoas.
Em abril de 1956, o governo britânico, talvez por causa da filiação anterior de Joy Davidman ao Partido Comunista, recusou-se a renovar o visto dela. C.S. Lewis ficou arrasado. Como essa mulher poderia ser mandada de volta para os Estados Unidos, onde seus filhos possivelmente seriam maltratados pelo pai alcoólatra que, mais de uma vez, havia os agredido fisicamente? E como ele poderia se virar sem Joy por perto? Afinal de contas, ela era a primeira mulher com quem ele tinha sido realmente próximo. Ela era igual a ele, se não superior em termos de intelecto, e eles eram o epítome de duas pessoas que realmente eram como ferro afiando ferro,
A verdade era que C.S. Lewis não conseguia se imaginar vivendo longe de Joy Davidman. Foi então que ele jogou a cautela e as aparências para o alto. Eles se casaram discretamente em uma cerimônia civil em 23 de abril de 1956. Agora Joy podia permanecer legalmente na Inglaterra, com seus filhos, pelo tempo que quisesse.
C.S. Lewis a consultou sobre um casamento religioso na Igreja Anglicana porque, em sua opinião, o casamento civil era uma conveniência legal, mas não um casamento real. Lewis buscou a bênção da igreja com base no fato de que Joy tinha motivos legais para se divorciar e se casar novamente devido à infidelidade de Bill, e também porque ele havia sido casado antes de se casar com Joy, e nenhum dos dois era cristão quando se uniram em um casamento civil anos antes. Mas o bispo de Oxford se recusou. Joy era divorciada. A Igreja não tolerava o divórcio e ele não quis dar a sua bênção.
Joy e Jack viviam separados, mas continuavam a se ver. Tanto que algumas pessoas criticavam o relacionamento deles, apesar do fato de que eles honravam a orientação da Igreja. Mas tudo mudou no início de 1957. Joy estava em sua cozinha, ela quebrou a perna e, com uma dor excruciante, ela conseguiu se arrastar até um lugar para pedir ajuda. Ela foi levada às pressas para o hospital, onde radiografias e exames revelaram que seu corpo estava cheio de câncer. O médico de C.S. Lewis, que cuidou dela no hospital, me disse na década de 1980 que ela estava terrivelmente doente. Havia tumores malignos em seu seio e seus ossos estavam repletos de câncer. O Dr. Humphrey Havard disse a Jack que se preparasse para sua morte. Ela não poderia viver mais do que alguns dias ou semanas.
Então, o professor Lewis pediu um favor a um homem a quem ele havia ajudado depois da guerra. O padre Peter Bide, um sacerdote anglicano com uma paróquia ao sul de Londres, supostamente tinha o dom espiritual da cura. Lewis ligou para ele e perguntou se ele poderia ir até Oxford, ungir Joy com óleo e orar por ela. O padre Bide chegou a Oxford à noite. Ele e Jack conversaram longamente sobre a situação de Joy, e Lewis lhe contou sobre o desejo de Joy, que estava morrendo, de se casar na Igreja. O Padre Bide lembrou-se de que não sentia que poderia, em sã consciência, negar a essa pobre alma o seu desejo, mesmo que ela não estivesse em sua diocese. Portanto, no dia seguinte, 21 de março de 1957, ele a ungiu com óleo, orou pela cura e, em seguida, na presença de Warren Lewis e de uma das irmãs do hospital, ele administrou os sacramentos do Santo Matrimônio e da Santa Comunhão. Em poucos minutos, uma Joy Davidman aparentemente moribunda tornou-se a Sra. C.S. Lewis.
O casamento cristão foi apenas o primeiro efeito inesperado da doença de Joy. Para espanto dos médicos e enfermeiras, ela se recuperou rapidamente depois de ser mandada do hospital para casa para morrer. Ela entrou em uma remissão de quase três anos. Ela e Jack viajaram para a Irlanda e o País de Gales e fizeram uma viagem memorável à Grécia com seus amigos, June e Roger Lancelyn Green. Os amigos mais próximos dos Lewises, os Green e George e Moira Sayers – todos disseram que Joy não apresentava sinais de saúde debilitada, exceto por um pequeno edema. Na verdade, Joy e Jack eram como dois jovens em idade escolar que estavam se divertindo muito. O fato de Joy ter trazido grande felicidade a Jack ficou evidente pelo que ele escreveu a um amigo: “É engraçado ter aos 59 anos o tipo de felicidade que a maioria dos homens tem aos 20 anos… [elipses dele] – Você guardou o bom vinho até agora”.
O relacionamento de C.S. Lewis e Joy durou apenas uma década. Ela escreveu para Jack pela primeira vez em janeiro de 1950, e o câncer voltou com força total na primavera de 1960. Joy morreu em julho e suas cinzas (ela pediu que fosse cremada) foram espalhadas em um jardim de rosas no crematório. Embora seja impossível quantificar o impacto de qualquer relacionamento amoroso, há muitas evidências que mostram que esses dois peregrinos eram excepcionalmente importantes um para o outro. Por parte de Jack, seus primeiros livros ajudaram Joy a ter fé em Cristo. Suas cartas e seu relacionamento pessoal a ajudaram a amadurecer espiritualmente em Cristo, e ele a ajudou a se desenvolver profissionalmente como escritora. Lewis ajudou Joy a aprimorar Smoke on the Mountain. Ele também escreveu um prefácio para a edição britânica, ajudou a promover o livro e interveio para garantir a ela um bom contrato com uma editora britânica. De sua parte, Joy teve um impacto sobre C.S. Lewis que raramente foi reconhecido. Lewis admitiu que, quando ela e os meninos entraram em sua vida, foi extremamente difícil para um solteirão idoso ter uma família instantânea em sua casa. Mas o resultado foi que tanto ele quanto Warren foram forçados a sair de dentro de si mesmos, e isso era exatamente o que esses solteiros egocêntricos estavam precisando fazer. Além desses benefícios intangíveis, Joy ajudou Lewis com sua escrita. Ela escreveu para uma pessoa dizendo que se sentia cada vez mais chamada a desistir de sua própria escrita para poder ajudar Jack em seu trabalho. Lewis desistiu de escrever livros de não ficção e apologéticos depois de publicar Milagres, em 1947. Algumas pessoas argumentam que isso se deveu ao fato de Elizabeth Anscombe ter atacado de forma tão devastadora uma parte do livro. De qualquer forma, Joy Davidman o incentivou a retomar a não ficção e, como resultado, ela o ajudou a produzir Reflections on the Psalms [Lendo os Salmos] (1958) e o livrou com entusiasmo de um bloqueio de escritor para que ele pudesse finalmente avançar com o seu livro póstumo Letters to Malcolm, Chiefly on Prayer [Oração: Cartas a Malcolm].
Lewis acreditava que seu melhor livro era Till We Have Faces [Até que tenhamos rostos], e a maioria dos estudantes de seus livros concorda. Ele dedicou esse clássico explicitamente a Joy Davidman e muitos a viram na personagem Orual do romance. Lewis acreditava que Joy o ajudou a ser uma pessoa mais completa, e ela reconheceu que ele fez o mesmo por ela. Um leitor atento também encontrará as impressões digitais de Joy em várias de suas outras obras, desde o título de duplo sentido de Surprised by Joy [Surpreendido pela Alegria] até algumas palavras e frases nas Crônicas de Nárnia. Mas a evidência mais clara do impacto dela em seu pensamento e escrita está em The Four Loves [Os quatro amores] e A Grief Observed [A anatomia de um luto]. Lewis poderia ter escrito Os quatro amores sem Joy como sua esposa, mas teria sido muito menos profundo e certamente mais teórico do que experimental. E, finalmente, A Anatomia de um luto nunca poderia ter sido escrito sem o amor e a dor da vida de Jack com Joy.
Em última análise, portanto, aqueles de nós que agradecem a Deus pela maneira como C.S. Lewis tem sido nosso mestre por meio de seus livros, também devem ser gratos a Joy Davidman Lewis. Sem ela, a coleção de Lewis não teria sido um sucesso.
Observação: Este artigo baseia-se na biografia de Joy Davidman, escrita por Lyle W. Dorsett: And God Came In [E Deus entrou em cena] (Macmillan, 1983) e uma revisão desse livro intitulada A Love Observed: Joy Davidman’s Life and Marriage to C.S. Lewis [Anatomia de um amor: A vida e casamento de Joy Davidman com C.S. Lewis] (Northwind, 1998), bem como as entrevistas de história oral do autor armazenadas no Marion E. Wade Center, Wheaton College, Wheaton, Illinois. O livro de Dorsett sobre Joy Davidman está disponível em formato de áudio como Surprised By Love: The Life of Joy Davidman: Her Life and Marriage to C.S. Lewis [Anatomia de um amor: A vida de Joy Davidman: sua vida e casamento com C.S. Lewis (Hovel Audio).
Escrito por:
Lyle Dorsett
Professor, Senior Fellow for Spiritual Formation, CSLI
Lyle Dorsett, que é docente, ocupa a Cátedra Billy Graham de Evangelismo na Beeson Divinity School da Samford University. Ele lecionou cursos de evangelismo, formação espiritual e história da igreja. Ele também atua como pastor da Christ the King Anglican Church em Homewood, Alabama. Lyle recebeu seu PhD em história americana e publicou diversos livros, incluindo várias biografias cristãs e três obras sobre C. S. Lewis.
Fonte:
Disponível em: https://www.cslewisinstitute.org/resources/helen-joy-davidman-mrs-c-s-lewis-1915-1960-a-portrait/. Acesso em 06 jun. 2024.