C.S LEWIS E J.R.R TOLKIEN ALEGORIA, INTERTEXTUALIDADE BÍBLICA E IMAGINAÇÃO
Cleber Santos Oliveira
Revisão Gabriele Greggersen
Notadamente, tanto a infância de Tolkien nas Midlands inglesas, quanto a de Lewis, em Belfast, foram vividas sobrepujadas pela imaginação. Os pais de Tolkien eram cidadãos ingleses, de Birmingham, cidade localizada no norte da Inglaterra, no entanto, John Ronald Reuel Tolkien nasceu em Bloemfontein, cidade da região central da África do Sul, no dia 3 de janeiro de 1892. Bloemfontein conhecida como “fonte das flores” é a capital judiciária, considerada a sexta maior cidade do país, rica em diamantes, sede de vastas edificações de prédios públicos e sítio de importantes propriedades históricas como o “Raadsaal”, antigo local de encontro do Conselho do Estado de Orange, o Museu Nacional e o Museu da Guerra dos Bôeres.
Quando Arthur Reuel, pai de Tolkien, faleceu, sua mãe, Sra. Mabel, voltou com seus filhos para Birmingham e as belas paisagens campestres da “cidade das rosas” foram substituídas “por casas dispostas em terraços e chaminés de tijolos, quintais de concreto e a fumaça das fábricas” (WHITE, 2001, p. 28).
Desde a infância Tolkien tornou-se um ávido leitor, recebendo de sua mãe vários livros infantis, como o então recém publicado Ilha do Tesouro, Alice no País das Maravilhas, O Flautista de Hamelin e, “o mais importante para Tolkien, então com sete anos de idade, o livro chamado ‘Red Fary Book’ [Livro vermelho de fadas] de Andrew Lang” (WHITE, 2001, p. 30).
Clive Staples Lewis nasceu em 29 de novembro de 1898, em Belfast, cidade do norte da Irlanda. Filho de Albert J. Lewis, advogado do Conselho da Cidade, e da Sra. Florence Augusta Hamilton, vinda do Condado de Cork, província histórica de Munster, no sudoeste do país.
O estímulo imaginativo de C.S. Lewis teve como pano de fundo a paisagem física da Irlanda permeada de chuva e céu cinzento.
Uma casa abarrotada de livros, as distantes colinas de Castlereagh, a paisagem física do condado de Down, por detrás as montanhas Mourne, cenário inspirativo que aflorou sua atividade artística e que mais tarde ganhou adaptabilidade estética na paisagem da cordilheira de Arquelândia no conto infantil As Crônicas de Nárnia, foram ambientes propícios para o florescimento de sua vocação literária. As névoas e os elevados índices pluviométricos da Ilha Esmeralda vistas pelas lentes literárias do pequeno “Jack”, como ele se auto apelidou ainda pequeno, agora era um local mágico que proporcionava tanto a ele quanto a seu irmão Warren uma “porta de entrada para reinos distantes” (Mcgrath, 2013).
Os interesses em comum e a concordância quanto à verdade do Cristianismo foram elementos essenciais para a amizade dos dois, inclusive para a formação do grupo de amigos literários chamado Os Inklings.
Deveu-se à influência de Tolkien a persuasão de Lewis no tocante à verdade do cristianismo. Durante vários anos ele havia sido um ateu. Antes da amizade entre eles, Lewis era um poeta e acadêmico de pouca importância. Após conhecê-lo, Lewis derivou para a ficção e comunicação popular da fé cristã pela qual ficou tão famoso. As Crônicas foram inspiradas pela escuta da leitura de Tolkien dos capítulos de O Senhor dos Anéis à medida que eram escritos, e pelo conceito notável de Tolkien sobre subcriação (DURIEZ, 2005, p. 71).
Críticos e resenhistas divergem com respeito à atividade ficcional de J.R.R Tolkien e C.S. Lewis, contudo, tanto o filólogo sul-africano quanto o crítico literário britânico conheciam o poder das palavras. Tolkien era “um amante da palavra” e um filólogo catedrático de Oxford dedicado à língua inglesa e literatura. Lewis foi catedrático de filosofia, diplomado em literatura grega e latina, estudioso da Literatura Medieval e Renascentista em Oxford, poeta, preletor e romancista. Não raro “discutiam a natureza da linguagem, suas mudanças ao longo do tempo e o modo como a linguagem conduzia e era moldada pelo mito” (DURIEZ, 2003, p. 83).
De acordo com a professora Rosa Sílvia López (2004), estudiosa do autor, apesar do desacolhimento como ficcionista entre a comunidade acadêmica em razão da grande popularidade de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, as histórias ficcionais de Tolkien resgatam questões prementes, também para os adultos, como fantasia, regeneração e consolação, demonstrando assim que suas narrativas fantásticas não são uma literatura alienante e muito menos um modo de fugir da realidade. Na verdade, Tolkien “fixou um padrão de literatura de fantasia, que mesmo hoje, cinquenta anos após o lançamento de O Senhor dos Anéis, ainda não foi superado” (IVES GRANDA, 2006, p.8).
Do mesmo modo, as sete histórias de Nárnia, a obra mais famosa e lida de C.S. Lewis, desde que foram publicadas entre 1950 e 1956, tornaram-se parte da vida de gerações de crianças.
C.S. Lewis morreu em 22 de novembro de 1963. J.R.R. Tolkien, em 2 de setembro de 1973.
Alegoria, intertextualidade bíblica e imaginação
Numa busca pela definição do termo Alegoria no Larousse – ática: Dicionário da Língua Portuguesa ficamos sabendo que a palavra vem do grego allegoría e consiste numa “representação de conceitos abstratos por figuras simbólicas” (2001, p. 30). A alegoria pode ser encontrada em todos os gêneros literários. Numa obra de ficção, por exemplo, a alegoria exprime uma ideia por meio de retóricas ou figuras de linguagem, e por diversas vezes ela assume a forma de parábola, fábulas, sermão, etc. É comumente presente na literatura medieval e nos textos de alcance ético moral. A concretização da alegoria por meio de imagens, pessoas, figuras, ideias ou qualidades abstratas funcionam como “disfarce das ideias apresentadas” (Michaelis, online). Para a professora Daniela Diana, Licenciada em letras, (Toda Matéria, s/a, online), a alegoria,
[…] pode abrigar diversos significados que transcendem seu sentido literal (denotativo, real), de modo que ela utiliza símbolos para representar uma coisa ou uma ideia através da aparência de outra. Em outras palavras, a alegoria representa a linguagem figurativa, para descrever algo (pessoa, objeto, etc.) com a imagem de outro.
Salienta-se que Tolkien não se agradava do uso de alegorias na literatura. Tratava-se, para ele, de uma pseudo-arte, pois a arte não deveria “ser apenas o sustentáculo da Igreja”, mas uma criação artística divertida: arte por puro prazer. Tolkien denominava esse tipo de divertimento como “subcriação”: “o trabalho divertido e criativo de um artista imitando o divino” (O’HARA, 2012, p. 150). Assim, o filólogo britânico seguramente procurou eliminar qualquer tipo de dúvida que houvesse a respeito do significado da história O Senhor dos Anéis e escreveu no prefácio de sua obra que:
O motivo principal foi o desejo de um contador de história de tentar fazer uma história realmente longa, que prendesse a atenção dos leitores, que os divertisse, que os deliciasse e às vezes, quem sabe, os excitasse ou emocionasse profundamente. […]
Quanto a qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos. Conforme a história se desenvolvia, foi criando raízes (no passado) e lançou ramos inesperados: mas seu tema principal foi definido no início pela inevitável escolha do Anel como o elo entre este livro e O Hobbit (TOLKIEN, 2001, p. XIV).
Jim Ware, escritor, salienta que Tolkien não tinha a pretensão de converter as massas “escrevendo tratados evangélicos disfarçado” (2012, p. 19-20). Segundo Kurt Bruner, pastor de formação espiritual na Lake Pointe Church em Rockwall, Texas “O Senhor dos Anéis não é, como alguns sugeriram, uma alegoria encoberta do Evangelho” (2012, p. 19-20). Entretanto, Bruner adverte: “Não fiquem surpresos ao encontrar Deus em lugares inesperados”. Para Gabriele Greggersen, mestre e doutora em História e Filosofia da Educação, “[…] nenhum autor cristão ou não, pode negar sua visão de mundo quando escreve” (2003, p. 72). Para Greggersen “[…] é na moral que melhor se pode reconhecer o fundamento bíblico presente em O Senhor dos Anéis, ou seja, na concepção do mal como busca desvairada do interesse próprio e, consequentemente, do exercício irrestrito do poder e da posse” (2003. p. 71). Portanto, observa Greggersen, por mais que Tolkien quisesse escrever uma história sem segundas intenções, a arte pela arte mesmo; ele não pôde negar as suas raízes e influências cristãs, da mesma forma que Lewis, que o faz de forma mais aberta e assim, quem sabe, também mais honesta.
Alister McGrath, professor de Teologia Histórica na Universidade de Oxford, comenta que foi de uma maneira muito criativa e atrativa que Lewis colocou as ideias básicas da fé cristã em suas obras. Em seu livro Conversando com C.S. Lewis, McGrath disse: “Talvez um dos aspectos mais originais da escrita de Lewis seja seu apelo persistente e poderoso à imaginação religiosa”. (MACGRATH, 2014, p. 25).
Para McGrath, Nárnia é um estudo de caso teológico. É por meio da exploração de uma narrativa de suposição teológica, sem usar de recursos argumentativos, mas valendo-se da boa fantasia, confiando no poder de suas imagens e seu estilo narrativo que C.S. Lewis “convida seus leitores a entrar num mundo de suposições” (MACGRATH, 2013, p. 293).
Nesse sentido, embora muitas vezes Nárnia seja considerada uma alegoria religiosa (é preciso enfatizar, não pelo próprio Lewis), a suposição teológica difere de uma alegoria. Conforme Macgrath (2013, p. 293),
É possível ler Nárnia como uma alegoria; contudo, como Lewis observou certa vez: “o mero fato de se poder alegorizar a obra que se tem diante dos olhos não é por si só uma prova de que se trata de uma alegoria”. A diferença, de acordo com Lewis, é que uma suposição é um convite a tentar ver as coisas de outra maneira, e imaginar como elas funcionam se fossem verdadeiras.
A alegoria, no entanto, é uma linguagem totalitária, que admite só uma moral e não dá liberdade ao leitor de até não ver relação nenhuma, no caso, com o cristianismo, como muitas pessoas fazem com as Crônicas.
Mas de que maneira especifica Lewis trata desse aspecto? Pela própria explicação sobre como a figura de Aslam deve ser interpretada. Em síntese: suponhamos como teria sido se o Filho de Deus, que se tornou homem em nosso mundo, tivesse nascido como um leão num mundo chamado Nárnia. Como seria esse mundo? Conforme o teólogo Alister Macgrath, Lewis nos leva a refletir como seria a encarnação de Deus num mundo como Nárnia e ao invés de “responder a pergunta”, Nárnia nos conduz a refletir, exigindo que elaboremos nossas próprias conclusões ao “permitir que nossa imaginação complemente o que a razão sugere”. (MACGRATH, 2013,p. 293). Para Lewis, isso não é absolutamente alegoria.
Desse modo, “percorrer seus escritos é uma forma divertida e efetiva de aprofundar o interesse pela teologia” (2008, p. 68) escreve Macgrath.
Ives Granda Martins Filho, jurista e professor de Filosofia do Direito, ressalta que a cosmovisão cristã ou pontos de semelhanças entre a saga tolkiana e a “História da Salvação”, ainda que velada, pode ser percebida de forma difusa nas principais obras de Tolkien – O Silmarillion, O Hobbit e O Senhor dos Anéis, tais como: a perspectiva criacionista (o ato criador de um Deus Único); a queda, a perspectiva ética, misericórdia e perdão; e como um simbolismo cristão velado, podemos encontrar, dentre outros, o paralelismo do sacrifício redentor para a salvação dos homens, como de Jesus Cristo na Cruz, no diálogo final entre Sam e Frodo (2010, p. 94,97).
Para Ives Granda, mesmo não podendo procurar um paralelismo mais abrangente que possa acarretar em pretender forjar um “ensaio teológico” de mundividência cristã, “não se pode deixar de perceber que justamente por ter assumido esses valores básicos, intrínsecos ao cristianismo, é que [Tolkien] chegou a produzir uma obra de valor perene e de atrativo universal” (2010, p. 97). Para Jim Ware (2012, p.20), “poucos negariam que suas histórias [as de Tolkien] são ricas de significado espiritual e cheias de imagens de verdades transcendentes”. Entretanto, “num certo nível, o caráter e a visão de um artista são mais importantes do que seus objetivos e intenções declaradas. […] E as crenças e convicções mais profundas do escritor estão geralmente em sua história”, destaca Jim Ware (2012, p.20). Para a escritora e conferencista Christin Ditchfield, Lewis tinha uma imaginação bíblica. Mesmo não tendo a intenção de fazer isso, “consciente, às vezes, inconscientemente, Lewis intercalou verdades bíblicas poderosas, em cada capítulo e em cada cena em As Crônicas” (DITCHFIELD, 2003, p. 17). Segundo Ditchfield a narrativa de C.S. Lewis traz uma mensagem de libertação, salvação, resgate, restauração e redenção. As histórias que C.S. Lewis escreveu nada mais são que reflexos de uma mente habilitada no escopo da Palavra de Deus.
Como aponta o filósofo holandês, Herman Dooyeweerd (2010, p. 264), “a razão humana não é uma substância independente; é antes um instrumento”. A motivação que está por trás dos empreendimentos do homem está em última análise relacionada ao que Dooyeweerd apontou como o “impulso religioso no coração humano” (2010, p. 40). Quem sabe, então, o segredo de compreendermos obras como as Crônicas e O Senhor dos anéis não esteja no gênero literário ao qual pertencem, mas na metodologia de sua abordagem, observa Greggersen.
No livro Pedagogia Cristã na Obra de C.S. Lewis, Greggersen explica o conceito de intertextualidade, cujo termo foi introduzido pela crítica literária francesa Júlia Kristeva na década de 1960 e que resumidamente é um empréstimo de outros textos no texto de um determinado autor. Pode apresentar uma manifestação explícita na extensão do texto como, por exemplo, a citação, ou pode acontecer de forma implícita como uma paráfrase ou uma alusão. Levando-se em conta que para Kristeva o termo intertextualidade tem essa ideia de abrangência, um texto não existe e nem pode ser analisado corretamente se for visto separadamente dos outros textos.
Assim sendo, “a intertextualidade pode ser usada como uma forma de aproximação do conto O Leão, a Feiticeira e o guarda-roupa, uma vez que o nosso autor (C.S. Lewis) alude a uma variedade de textos bíblicos em seu texto” (2006, p. 67). De acordo com Gabriele Greggersen “na parábola de Lewis [O leão, a feiticeira e o guarda-roupa], deparamos com uma trama que resgata uma teologia cristã, apresentada por meio das personagens e dos acontecimentos em toda a narrativa do início ao fim” e isso “exige que o leitor, no mínimo, vá além da fábula e chegue à trama” […] (2006, p. 28).
Greggersen acentua que o próprio C.S. Lewis aprovou em uma de suas cartas esse modo de leitura porque ela elucida razoavelmente a percepção de imagens que muitas vezes parecem patentes outras não. Para Greggersen, o apelo à imaginação em As Crônicas de Nárnia são portas abertas que conduzem o leitor a um manancial de recursos pedagógicos. Vale a pena registrar o livro O outro nome de Aslam escrito por Gabriele Greggersen e Vinícius A. Miranda, (2019), em que os autores esclarecerem as simbologias bíblicas e não bíblicas presentes nas sete histórias.
O professor e pastor Glauco Magalhães Filho traça uma perspectiva semelhante em seu livro “O Imaginário em As Crônicas de Nárnia”. Glauco Magalhães explica que C.S. Lewis apresentou o evangelho às crianças de maneira brilhante por meio da perspectiva dos contos infantis e, “utilizando-se de imagens oriundas da mitologia grega e nórdica, e dos contos de fadas, Lewis sempre procurou transmitir valores cristãos em seus escritos” (2005, p.18), destacando, dentre outros pontos, a influência de autores como George MacDonald e G. K Chesterton, cujas obras professam fé cristã e foram importantes fontes de inspiração para Lewis.
C.S. Lewis acreditava que era necessário estabelecer uma distinção entre mundo fantasioso e mundo imaginativo que Glauco Magalhães também chama de “verdadeira fantasia”. Aquele não tem uma contrapartida da realidade. É algo imaginado falsamente e para C.S. Lewis esse tipo de realidade inventada é uma porta aberta para a decepção.
Com isso em mente podemos citar, como por exemplo, a série Harry Potter de J. K. Rowling e a trilogia Fronteiras do Universo de Phillip Pullman como obras de ficção puramente fantasiosas, sem sentido e que não aponta para lugar algum. Por mais que Rowling tenho dito em entrevistas que sua inspiração tenha sido C.S. Lewis ou que Pullman tenho recorrido a elementos de fantasia de Nárnia, com um enredo complicado, podemos categorizar as suas histórias mais como fantasia escapista do que como obras de imaginação cuja trama consistente conduz o leitor a reflexões sérias, como é o caso do mundo imaginativo criado por C.S. Lewis em As Crônicas de Nárnia ou como nas aventuras de Bilbo Bolseiro, “o herói de pés peludo e de meia idade” criado por J.R.R Tolkien em O Hobbit e O Senhor dos Anéis. Está claro, portanto, a espantosa incompatibilidade de Rowling e Pullman com a arte de Lewis “que sempre afirma a existência comum como algo bom, saudável e preciso” (VEITH, 138); que aponta para a qualidade da simplicidade; que contribui para o enraizamento da fé cristã e moldam a consciência espiritual de uma criança preparando-a para reconhecer os dragões que estão à espreita ou ainda como os heróis de Tolkien que “podem ser personagens de ficção, mas as lições que aprendemos com suas aventuras são maravilhosamente reais e significativas para as nossas vidas”. (SMITH, 2012, p. 18).
O imaginativo, explica Alister McGrath, “é algo produzido pela mente humana em sua tentativa de responder a algo maior do que ela mesma, lutando para descobrir imagens adequadas da realidade”. Segundo McGrath a conclusão é a seguinte: “o imaginativo [para Lewis] deve ser visto como um uso legitimo e positivo da imaginação humana, desafiando os limites da razão e abrindo a porta para uma apreensão mais profunda da realidade” (2013, p. 279 e 280). Alister McGrath enfatiza que uma boa história tem uma especificidade potencialmente criadora e isso pode ser visto na crescente percepção de C.S. Lewis em explorar assuntos filosóficos e teológicos por meio de contos infantis, tais como a origem do mal, a natureza da fé e o desejo humano de Deus. A história de qualidade é uma porta que dá acesso a outro mundo – um limiar que pode ser atravessado usando a imaginação criadora como possibilidade para reflexões sérias.
De acordo com professor Glauco Magalhães (2008, p. 17)
O sobrenatural, quando se manifesta, faz apelo à nossa imaginação, pois pertence a uma dimensão da realidade que não conseguimos conceituar. […] a verdadeira fantasia nunca deve ser associada ao escapismo, pois ela não é uma fuga, mas um aprofundamento do mundo real, tanto de seu terror como de sua beleza.
Para Magalhães ela não serve exclusivamente para a diversão, como escreve a seguir:
A verdade, porém, é outra. A imaginação assinala que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, trazendo uma faculdade criativa. Por outro lado, ela evidencia uma intuição do sobrenatural. Certos arquétipos universais presentes em vários mitos apontam para verdades transcendentes que adquiriram concreção histórica na pessoa de Jesus Cristo e nos fatos da redenção. É através da linguagem imaginativa (metáforas, analogias e símbolos) que podemos falar da dimensão mais profunda da realidade (2008, p. 27).
Desse modo, as verdades transcendentes que J.R.R Tolkien e C.S. Lewis tentam expressar, que são como “reflexos da realidade superior”, promovem uma experiência encantadora de leitura e oportunizam uma maneira maravilhosa de explorar questões teológicas e filosóficas.
Considerações finais
C.S. Lewis confessou certa vez que a imaginação dele só floresceu depois de sua conversão ao cristianismo. O compromisso com o ateísmo não satisfazia seus anseios mais profundos. Sua expressão artística era sombria. Apoiado em seu próprio entendimento era impedido de ver o verdadeiro significado das coisas. É neste ponto que muitas pessoas falham: substituir o que a Palavra de Deus diz por sua própria opinião. Contudo, a fé cristã colocou as coisas em foco e o libertou da prisão racionalista. João 8.32 diz que verdade – a Palavra de Deus – o liberará. Sua alma foi liberta do jugo da ilusão e do absurdo. Tal como disse certo amigo “quando você conhece a Palavra de Deus, essa Palavra ungida vai abençoá-lo permanentemente, libertando-o!”. Em exemplos como Tolkien e Lewis podemos reconhecer o que Deus faz com a imaginação de uma pessoa: ele a faz germinar e dar frutos, como os frutos do Espírito. Ninguém melhor do que o Criador para nos inspirar a criar e produzir arte para a glória e louvor do seu nome!
Podemos ver isso nos grandes nomes da música clássica como Mozart, Beethoven e Bach e nos grandes artistas de todos os tempos, muitos dos quais eram e são cristãos.
Somos imagem e semelhança de Deus e como tais, imitamos o seu poder criativo quando vivemos para glorificá-lo. A piedade (viver para Deus) para tudo é proveitosa (1 Timóteo 4.8). Nesta vida. E na que há de vir.
Portanto, sejamos bons imitadores de Lewis e Tolkien para sermos bons imitadores do próprio Filho de Deus, como ele nos designou para ser.
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