C. S. Lewis e o mundo da fantasia (provisório)
Entrevista com Gabriele Greggersen
Por Jamierson Oliveira
Por Jamierson Oliveira
1) Defesa da Fé – Como poderíamos situar C. S. Lewis na história cristã, filosófica e literária sem cometer exageros nem faltar com o que ele?
Gabriele Greggersen –
De fato, é preciso dividir o seu legado em diversos aspectos, dada a sua grande quantidade de facetas. Por isso mesmo, é difícil deixar de parecer exagerada, se você me pede para falar de todas elas. Para a história cristã, ele foi o maior apologeta do século 20, comparável apenas ao grande jornalista G. K. Chesterton que muito o inspirou. Entre os da casa aqui na FTSA, há um comum acordo de que ele foi o maior teólogo, precisamente por não ter sido “teólogo” de carteirinha… Do ponto de vista filosófico, além de essa ter sido uma das primeiras cadeiras que ele assumiu como professor assistente em Oxford, a filosofia fez parte da sua vida desde as aulas particulares que teve com o professor Kirkpatrick (Daí provavelmente ele tenha se inspirado para a figura do professor de O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa), com quem aprendeu principalmente lógica e filosofia clássica. Embora ele não fosse reconhecido no meio filosófico, sua contribuição mais significativa, a meu ver, está na sua ética e antropologia filosófica, à qual dediquei a minha tese. Em sua época, seus escritos não despertaram apenas o interesse de críticos literários, mas também de filósofos e até de B.H. Skinner faz uma crítica a seu A Abolição do Homem em Para além da Liberdade. Dizem as más línguas que um dos únicos debates que ele perdeu foi para uma filósofa, em um debate público. Um dos clubes que ele fundou chamava-se “Socratic club”, aberto a qualquer pessoa que quisesse discutir filosofia ou teologia. Depois disso ele se desencantou um pouco com os filósofos.
Finalmente, em termos literários, sua contribuição é inegável e amplamente reconhecida, já que sua área de especialização era crítica literária e literatura britânica medieval e renascentista. Qualquer biblioteca de letras tem inúmeros dos seus trabalhos acadêmicos e qualquer enciclopédia da área inclui o seu nome, sem falar na sua popularidade como autor de ficção… Não é para menos que ele é indicado pela maioria dos Estados americanos como leitura obrigatória para as escolas.
2) Defesa da Fé – Por que então Lewis é tão desconhecido no Brasil, mesmo que tenhamos uma forte influência protestante americana e européia?
Gabriele –
Esse é um dos mistérios que eu também gostaria de desvendar um dia! Mas pela reação de algumas pessoas às minhas palestras e escritos, temo que se trate em parte de ignorância, pois os livros dele só voltaram a circular agora no Brasil, e em parte, por preconceito. Infelizmente nós, brasileiros, temos muito disso, principalmente quando se trata de literatura imaginativa, figuras mitológicas, bruxas ou contos de fada. Principalmente os protestantes acham que esse tipo de literatura pode ter alguma influência maligna sobre os seus filhos, por exemplo. Então, “joga-se o bebê com a água do banho”, só por via das dúvidas.
3) Defesa da Fé – Isso começará a mudar a partir de “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas” na versão para o cinema? E qual sua opinião sobre o filme?
Gabriele –
Já está mudando! Mal sabia há 13 ou mais anos atrás, quando comecei a me aprofundar na sua obra, que isso fosse possível algum dia. Mas sempre tive esperança, se não não teria insistido tanto nessa tecla. É claro que vejo antes de tudo a atuação divina por trás disso. Gostei bastante do filme e perdoei as pequenas diferenças em relação ao livro, que às vezes até vieram a “amarrar” melhor algumas cenas. Afinal, um diretor também é um escritor, não é? Em todos os casos, é uma excelente oportunidade para fazer contato com aquelas pessoas que, como Lewis mesmo antes de sua conversão, não colocariam os pés numa igreja. A turma “do contra” devia atentar melhor para essa chance, que pode ser única num mundo que é surdo para as coisas de Deus, mas geralmente aberto para a linguagem imaginativa. “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
4) Defesa da Fé – De todo conjunto da obra dele, quais as mais teológicas, especificamente falando, e o quanto desse autor já pode ser conhecido em língua portuguesa?
Gabriele –
A Martins Fontes que comprou praticamente todos os direitos autorais, começou supreendentemente com dois teológicos: Cristianismo Puro e Simples – o clássico, que deve ser lido juntamente com sua autobiografia Surpreendido pela Alegria (Mundo Cristão) e O Leão, a Feitceira e o Guarda-Roupa, uma das Sete Crônicas de Nárnia, e os Quatro Amores. Dizem que a editora Vida vai reeditar O Problema do Sofrimento e O Grande Abismo (Ficção) e A Grief Observed.
O resto você só encontra em sebo (O Problema do Sofrimento, O Peso da Glória) e tem muita coisa ainda não traduzida. Mas, a rigor, não se pode dizer que algum livro de Lewis seja absolutamente “não-teológico”. Coloquei a lista toda no meu site http://cslewisbrasil.com.br
5) Defesa da Fé – Li num dos seus artigos que J. R. R. Tolkien convenceu Lewis de que em Cristo acontece historicamente aquilo que na mitologia e outras religiões é apenas fabuloso. Explique melhor isso?
Gabriele –
É praticamente o que Don Richardson chamou de “fator Melquissedeque”. Ou seja, até os antropólogos e sociólogos como Lévy Strauss e Durkheim e psicanalistas como Jung concordam que existem certos arquétipos comuns a toda e qualquer cultura. A história de um deus que desce do céu para resgatar a humanidade é um desses arquétipos. E Tolkien só completou a idéia, acrescentando que essa não é nenhuma coincidência, ou ilusão da mente individual ou coletiva, mas manifestações de marcas impressas no nosso imaginário de uma realidade que haveria de vir ou já aconteceu no nosso caso. Então, em Cristo encarnado houve um casamento do mito com o fato.
6) Defesa da Fé – Ainda dentro disso, o que podemos aprender com a trilogia “O Senhor dos Anéis”? Qual a participação de Lewis nessa obra?
Gabriele –
Esse é o assunto do meu livro O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética (Editora Ultimato), mas só para adiantar isso: Para além de tantas lições sobre relacionamento e amizade, coragem, perseverança, a mensagem central da obra é o que Tolkien mesmo chamou de evangelium, ou seja, a boa-nova de que apesar do mal existir e ser horroroso, há esperança para a humanidade. Tolkien também chamou isso de eucatástrofe: a desgraça que acaba conduzindo à verdadeira felicidade.
7) Defesa da Fé – Quando você diz que a literatura clássica tem sempre algo de teológico, estamos falando daquilo que se convencionou chamar em missões de “fator melquisedeque”?
Gabriele –
Sim. É mais ou menos isso. Mas trata-se de um fator “literário” ou “imaginativo”, por assim dizer.Veja minha questão cinco.
8) Defesa da Fé – O que há de Deus na literatura brasileira, com autores como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Augusto do Anjos, etc. Você já estudou algum deles?
Gabriele –
Sim. Meu trabalho mais recente eu baseei em Monteiro Lobato, que se dizia agnóstico, mas sabia que chegou a traduzir um comentário à Bíblia? E vive se referindo ao céu e a valores que não dá para negar a origem cristã. Outros que estudei nesse sentido foram Malba Tahan (faço parte do Instituto Malba Tahan em Queluz), cuja obra é tão esquecida no meio leigo, quanto a de Lewis no meio cristão e Carlos Drummond de Andrade.
9) Defesa da Fé – Quando a fantasia é má? É o caso da série Harry Potter?
Gabriele –
Não se pode falar assim em termos de preto e branco quando se trata da fantasia. Seria o mesmo que perguntar, se a inteligência é boa ou má. A maioria das pessoas hoje em dia diria que sim, mas todo mundo já viu gente inteligente e ainda sim, má. Como em todas as coisas que são meio e não fins em si mesmas, tudo depende do uso. O mesmo vale para Harry Potter: há aspectos positivos e negativos. O bom é que esse tipo de literatura nos convida a ler mais e exercer um dom muito raro hoje em dia: o discernimento ou sabedoria.
10) Defesa da Fé – Qual a contribuição de C. S. Lewis para a apologética cristã?
Gabriele –
Esse é um dos pontos fortes de sua teologia, sem dúvida. A principal contribuição, no meu entender, é que ele nos prova que ser cristão não é sinônimo de ser alienado, tapado ou um ignorante em termos de cultura geral. Deus permite e quer que o testemos de todos os modos: usando a razão, a imaginação, a emoção, pois Ele é real! Esse reconhecimento simples me ajudou muito a não perder a minha própria fé depois de anos e anos de estudo.
11) Defesa da Fé – Alguma contribuição dele para a missiologia?
Gabriele –
Interessante você me fazer essa pergunta, pois não é o primeiro. Tudo depende do que entedemos por missão: se é ser enviado para levar o evangelho a toda criatura, até mesmo a intelectuais ranzinzas, então, sim, ele contribuiu muito na prática, como missionário nesse meio. E para o estudo de missões ele contribuiu com precisas ferramentas de apologética, fundamentos da fé cristã e antropologia filosófica cristã.
12) Defesa da Fé – Algum caso pitoresco da vida de Lewis para nos contar?
Gabriele –
Em se tratando de personalidade tão famosa, eles não faltam. Mas só para citar um que andou sendo mencionado numa revista secular de grande circulação: Sim, ele morou com uma senhora e a sustentou por toda a vida dela, em cumprimento de uma promessa feita a um colega morto na guerra. Agora, se viveram “maritalmente”, acho bem difícil, já que ela não tinha praticamente nada em comum com ele, era chata (de acordo com o irmão de Lewis que também morava sob o mesmo teto), e tinha idade para ser mãe dele. Principalmente depois da sua conversão é absurdo achar que Lewis ainda confundisse a saudade da sua mãe com amores pela venerável senhora.
Yuri Sugata
Muito bacana a entrevista! Conheci Lewis pelo filme das Crônicas de Nárnia – como uma grande maioria de pessoas aqui do Brasil, como citado.
Na época ainda não era cristão, mas já havia uma ideologia de bondade, apenas não direcionada, mas que me fez questionar certas identificações sobre esses valores, os quais, acredito estarem se perdendo cada dia mais: amizade, confiança, esperança, etc.
Sempre apreciei as obras de Tolkien, pois cresci sobre muita influência da Literatura Fantástica, e, hoje em dia, escrever histórias do gênero são minha maior paixão. Assim como Lewis e Tolkien, meus escritos tratam de questões filosóficas e teológicas.
Ainda sou novo para com todas essas experiências, tanto nas aventuranças da escrita, quanto em minha própria conversão, mas pelas oportunidades que estão surgindo, creio no correto mover de Deus para com tudo que estou fazendo!
Passo pelo mesmo preconceito, recorrente de um cultura que pratica pouca ou quase nenhuma leitura e dotada de dogmas “ignorantes”, mas sei que o que estou fazendo tem seu propósito.
Bom… Desculpe o comentário gigantesco e pelas “viajadas”, mas valeu muito pelo post, por um ótimo blog, por Deus ter te criado com uma mente aberta para o conhecimento, por toda a sabedoria e dedicação no seu trabalho – o qual abençoa os outros também ^^.
Toda a força e que Deus continue te abençoando, Gabriele Greggersen!
Abraços,
Yuri
gabriele
Oi Yuri,
Desculpe a demora ao responder. Fiquei sem internet, entre outros problemas.
Que bom saber que vc gostou do site e que está se inspirando para seguir os passos de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. Conte com meu incentivo e apoio. Eu mesma também escrevo contos, com um certo quê, que poucas pessoas conseguem captar.
Enfim, é uma missão, não é mesmo? Pois devemos pregar até às árvores e animais, como dizia São Francisco de Assis e, no meio da plateia, de repente, se encontrará alguém que “tenha ouvidos para ouvir” e então, será só festa no céu e na terra também.
Deus te abençoe da mesma forma, Yuir Sugata!!
Abraço narniano
Gabriele Greggersen
Oi Yuri,
Que bom que gostaste e é ótimo saber que você também escreve. Quem sabe possamos publicar algo seu no nosso site. Mesmo que você seja novo convertido ainda, Deus pode muito bem te usar para abençoar outros, como Deus tem me usado.
Abraços
Gabriele
Monique
Bom dia Gabriele,
Vi em uma suas repostas que alguns livros do C. S. Lewis só podem ser encontrados no sebo e por isso gostaria de informar que o livro Surpreendido pela Alegria de C. S. Lewis será novamente publicado, pela Editora Ultimato.
Você pode ver o lançamento por esse link:
http://editoraultimato.com.br/2015/lancamentos/spa/?__akacao=2289347&__akcnt=c266d92a&__akvkey=b5e3&utm_source=akna&utm_medium=email&utm_campaign=Email+Surpreendido+pela+Alegria