Ninho vazio: boas novas ou desespero?
“Enfim sós!” — foi o que falei para minha esposa ao nos despedirmos de nosso filho no aeroporto. Ele havia se casado no dia anterior e estava indo com a esposa para o exterior para continuar o doutorado por mais 3 anos e meio. Nossa filha mais velha se casara oito anos antes e agora estávamos somente minha esposa e eu em casa. O chamado tempo do “ninho vazio”.
Para muitos casais, esse é um tempo de desfrute da vida a dois. Todavia, para outros, é um tempo de pesar e luto. Por quê?
Quando iniciamos a jornada conjugal, temos muitas expectativas: sobre o outro, sobre o relacionamento e a busca de um paraíso isento de perturbações. Logo vão surgindo algumas frustrações e a realidade se nos apresenta menos “cor-de-rosa” — o que pode ser superado por meio da arte do diálogo, pouco cultivada em muitos relacionamentos.
Quando nascem os filhos, o casal assume compulsoriamente um segundo papel, além do conjugal: o papel parental (de pais). Filhos demandam cuidados, atenção e carinho. E o relacionamento que antes era entre duas pessoas passa a ser entre três. Assim, os cônjuges se vëem obrigados a dividir as atenções, o cuidado e o carinho que eram dedicados somente um ao outro com essa terceira pessoa, e isso gera um desequilíbrio na relação.
Se as frustrações do ideal não-atingido dos primeiros momentos do casamento não forem superadas com um diálogo fecundo, a desestabilização com a chegada do primeiro filho será maior e surge um enorme risco: a supervalorização do papel parental em detrimento do papel conjugal.
Em outras palavras, com o nascimento do primeiro filho, o casal pode dedicar-se em demasia ao cuidado com o bebê e deixar de investir no relacionamento conjugal. O perigo é que após 20 e poucos anos os filhos se vão e o casal estará novamente sozinho. Se não houve investimento no relacionamento do casal, ele pode não ter mais motivação de continuar casado (muitos divórcios acontecem justamente após a saída do último filho de casa). Ou um dos pais pode apegar-se excessivamente a um dos filhos, não permitindo que ele tenha uma vida independente, e isso causará problemas não só para o seu próprio casamento, como também para o casamento dos filhos. Ou pior ainda: eles podem não permitir que um dos filhos se torne plenamente adulto e ele permanecerá em casa para “cuidar dos pais” — há filhos que são verdadeiros heróis e sacrificam a vida pessoal com essa finalidade.
O equilíbrio entre os papéis parental e conjugal é delicado e muito dinâmico. Também não é possível fixar-se somente no papel conjugal e abandonar os filhos. Em nossa cultura, entretanto, é mais comum — e um sinal de desequilíbrio dos papéis — que com o nascimento do primeiro filho o casal deixe de se tratar pelo apelido carinhoso de até então (amorzinho, querida, fofinho etc.) e passe a se tratar pela função (pai, mãe). Esse é um sinal de alerta de que a relação conjugal pode estar sendo colocada em segundo plano.
Assim, para o casal ter um tempo agradável de vida a dois depois que os filhos se emancipam, deve desde cedo buscar esse equilíbrio dinâmico, não deixando de investir no relacionamento a dois.
O salmista compara os filhos com flechas (Sl 127). Ora, as flechas existem para serem atiradas para longe, não para serem guardadas em casa! O tempo de ninho vazio deve ser um tempo de alegria e aprofundamento da intimidade conjugal — jamais de desesperança!
Artigo publicado na edição 328 da revista Ultimato.